Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no MPF do Paraná, em entrevista a Gazeta do Povo.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo
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Quando o site The Intercept Brasil iniciou, em junho deste ano, a divulgação de supostos diálogos atribuídos a procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato – especialmente seu coordenador, Deltan Dallagnol – e o então juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, afirmou que suas reportagens revelariam “comportamentos antiéticos e transgressões que o Brasil e o mundo têm o direito de conhecer”. Assim, o site embasava no interesse público a publicação de conteúdos alegadamente obtidos por meio da violação da comunicação dos envolvidos. Dois meses depois, e agora com a colaboração de veículos que estão entre os mais importantes da imprensa nacional, é preciso questionar até onde o Intercept e seus parceiros querem chegar.

Desde já é preciso deixar claro que a questão não é a legalidade da publicação, ainda que o material seja produto de um crime (a invasão dos celulares dos procuradores), e apesar de ainda haver muitas dúvidas razoáveis a respeito da própria autenticidade das mensagens. A título de exemplo, um jornal que recebesse uma gravação oriunda de um grampo ilegal, no qual os interlocutores combinassem um esquema para fraudar uma grande licitação, poderia perfeitamente publicar o conteúdo e até mesmo o áudio da conversa. Há circunstâncias especiais que legitimam essa divulgação. Da mesma forma, Glenn Greenwald e o Intercept iniciaram a série de publicações alegando que estavam expondo o que consideravam ser irregularidades cometidas por Moro e pela força-tarefa. Ainda que uma série de juristas e até o corregedor nacional do Ministério Público não vissem ilícito algum nas atitudes expostas, havia ali um debate que interessava ao público, a ponto de o conteúdo ter sido incluído em pedidos de habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula questionando a imparcialidade de Moro.

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Há muito tempo os conteúdos das reportagens com os supostos diálogos estão muito longe de revelar qualquer “comportamento antiético ou transgressão”

Uma análise dos conteúdos divulgados até o momento mostra que o material realmente “explosivo”, para usar as palavras do Intercept, estava apenas nas reportagens iniciais, publicadas antes do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula, no Supremo Tribunal Federal, em 24 de junho. As supostas mensagens viriam a tempo de reforçar a alegação de que Moro era suspeito para julgar Lula e, por isso, sua condenação deveria ser anulada. Depois do julgamento no Supremo, que manteve Lula preso e adiou a análise do habeas corpus, as reportagens foram cada vez mais se distanciando da denúncia de supostas irregularidades, centrando-se nas estratégias da força-tarefa e em irrelevâncias.

De fato, há muito tempo os conteúdos das reportagens com os supostos diálogos estão muito longe de revelar qualquer “comportamento antiético ou transgressão”. Mesmo quando as matérias mostram os supostos bastidores das estratégias da força-tarefa, seja na investigação, seja para a mobilização da opinião pública, tem sido impossível identificar ali qualquer ilícito – em alguns casos, é até possível perceber que os supostos interlocutores agem com muita prudência. Ainda menos relevantes são outras publicações recentes. Que interesse público há, por exemplo, em saber que Dallagnol teria imaginado um monumento em homenagem à Lava Jato e conversado sobre o tema com Moro? Que ilícito teria sido cometido neste caso e que merecesse denúncia jornalística?

À ausência de qualquer indício de crime ou irregularidade soma-se, ainda, o fato de as publicações ocorrerem a conta-gotas, não havendo a menor intenção de encerrar a chamada “Vaza Jato” em um futuro próximo. Afinal, logo no início das reportagens, em 9 de junho, o Intercept anunciou que “esse é apenas o começo do que pretendemos tornar uma investigação jornalística contínua das ações de Moro, do procurador Deltan Dallagnol e da força-tarefa da Lava Jato”. Mas a posse contínua de todos os diálogos dos membros de toda uma corporação por um período tão longo é uma devassa enorme nas vidas das vítimas do roubo de conteúdos, uma violação permanente e desproporcional da privacidade dessas pessoas e que não tem sido justificada pelo teor das publicações. Para ter ideia da gravidade da questão, imagine o leitor o constrangimento pelo qual passaria se terceiros obtivessem a totalidade de suas comunicações de vários anos, e passassem meses a fio debruçando-se sobre tais mensagens, vasculhando os seus relacionamentos, ainda que apenas profissionais.

A questão, portanto, é de ética jornalística. A divulgação daquilo que se sabe não ser irregular ou ilícito, feita única e exclusivamente com o objetivo de expor os procuradores e forçar um julgamento do público sobre eventuais falhas de caráter dos personagens envolvidos, mas sem nenhuma consequência jurídica ou legal, é de uma imoralidade gritante. Não há proporção alguma entre o constrangimento a que os membros da força-tarefa são submetidos por meio do escrutínio constante de suas supostas comunicações e a relevância das publicações. Trata-se de uma ação que busca apenas manter um véu permanente de suspeita sobre os procuradores, envolvendo a eles e à Lava Jato em uma aura de irregularidade irreal e que precisa desse tipo de “novidade” para se manter acesa.

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Havendo ilícito, é evidente que os conteúdos devem ser publicados. Mas, na ausência de crimes, não há o menor sentido em manter a posse de toda a comunicação de uma pessoa, em violação enorme de sua privacidade, apenas para expô-la permanentemente. O Intercept e as publicações parceiras resolveram entrar em um circo sem fim, vasculhando conversas em busca de qualquer coisa, ainda que irrelevante, que, em sua análise, deponha contra a Lava Jato. É um comportamento que não tem mais como ser justificado pelo interesse público, sendo apenas maneira de manter na defensiva os procuradores e o ministro da Justiça, algo que não encontra nenhum abrigo na boa ética jornalística.