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Editorial

É hora de Tagliaferro contar tudo o que sabe

O perito Eduardo Tagliaferro trabalhou na Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE
O perito Eduardo Tagliaferro trabalhou na Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE. (Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE)

Eduardo Tagliaferro, o ex-assessor do Tribunal Superior Eleitoral cujas mensagens, trocadas com dois juízes que assessoravam Alexandre de Moraes no STF e no TSE, revelaram o uso da estrutura do Judiciário para perseguição política a críticos dos tribunais superiores, está prestes a ser o único a pagar por um escândalo que, em um país normal, levaria à queda de todos os envolvidos. Mas ele provavelmente sabe muito mais do que veio à tona até agora, por meio de reportagens publicadas no jornal Folha de S.Paulo em 2024. A Gazeta do Povo, em apuração exclusiva, analisou mensagens trocadas entre Tagliaferro e sua atual esposa, na qual ele afirmou temer por sua vida.

As conversas ficaram todas disponíveis para acesso nos sistemas do STF por duas semanas, até que fossem retiradas do ar na tarde desta quarta-feira, dia 16 – até mesmo diálogos entre o ex-assessor e seu advogado haviam sido divulgadas, em uma violação grotesca do sigilo profissional. À esposa, Tagliaferro afirmou que “hoje, se eu falar algo, o Ministro [Moraes] me mata ou me prende”, usando o exemplo de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro: “Veja pelo Cid, falou em um grupo privado, algo que nem seria crime, somente comentou uma verdade, o fdp [outra referência a Moraes] mandou prender ele de novo”. O assessor ainda acrescentou que “minha vontade, [sic] é chutar o pau da barraca, jogar tudo para o alto. Meter o louco e não fazer mais nada, mas não posso, tenho as meninas” – uma referência a duas filhas adolescentes. Na época das mensagens, Tagliaferro não era mais assessor do TSE, tendo sido demitido da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) em 2023 após ser detido por suposta violência doméstica contra a ex-mulher.

Qualquer nação decente protege seus whistleblowers; o Brasil faz deles bodes expiatórios enquanto varre o escândalo para debaixo do tapete

Nunca é demais insistir: aquilo que já se sabe seria grave o suficiente para, como dissemos, derrubar todos os envolvidos em um país democrático. Uma estrutura de uma corte eleitoral – cujo objetivo, o de “enfrentamento à desinformação”, por si só já constituía um ataque fortíssimo à liberdade de expressão – foi usada de maneira informal para fornecer informações que embasassem decisões dentro de inquéritos da corte suprema. Não só isso: as mensagens indicam que Moraes primeiro decidia quem perseguir, por meio de censuras ou desmonetizações, e só depois seus auxiliares pediam à AEED um relatório que embasasse tais decisões – e, quando não havia tal base, Tagliaferro ainda era exortado a “usar sua criatividade”.

Os protagonistas deste esquema de perseguição, no entanto, seguem incólumes, enquanto Eduardo Tagliaferro foi indiciado pela Polícia Federal (PF) por suposta violação de sigilo funcional. Ele nega ter vazado as mensagens para a Folha de S.Paulo, mas, ainda que tivesse sido sua a iniciativa de entregar os diálogos a um jornalista, o indiciamento continuaria a ser uma grande vergonha, pois Tagliaferro seria o que se convencionou chamar de whistleblower: alguém que integrou ou integra uma empresa ou órgão público, presencia ou participa de atos ilícitos, e decide trazê-los à luz pelos meios que tiver à disposição – por exemplo, entregando documentos a jornalistas. Qualquer nação decente protege seus whistleblowers, pois eles ajudam a aperfeiçoar a prática empresarial ou o poder público ao expor ilegalidades; o Brasil faz deles bodes expiatórios enquanto varre o escândalo para debaixo do tapete.

VEJA TAMBÉM:

Em reação à reportagem da Gazeta do Povo, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) afirmou que apresentará um requerimento para que Eduardo Tagliaferro seja ouvido na Comissão de Fiscalização da Câmara e não apenas conte tudo o que sabe sobre a perseguição política a críticos do TSE e do STF, mas também explique por que temia pela sua vida caso revelasse algo. O país tem uma nova oportunidade para investigar as pessoas que usaram indevidamente seu poder para violar a liberdade de expressão no Brasil e desequilibrar o processo eleitoral de 2022; que desta vez ela não seja desperdiçada.

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