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A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Rosa Weber.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Rosa Weber.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF.

Não são poucas as vezes em que se torna necessário questionar as decisões equivocadas ou  absurdas tomadas pelas esferas do Judiciário brasileiro. Juízes que se autoconcedem poderes absolutistas, tribunais que aplicam penas inventando regras inexistentes, cortes que insistem em legislar temas que deveriam ser debatidos exclusivamente pelo parlamento, são, infelizmente, cada vez mais comuns no Brasil de hoje. Até mesmo órgãos que deveriam servir para aperfeiçoar o Sistema Judiciário enveredam por esse caminho, tomando decisões apressadas, sem debate, e que colocam a sociedade em risco. Uma das mais recentes foi a determinação feita pelo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de simplesmente desativar hospitais de custódia e de tratamento psiquiátrico para pessoas com transtornos e doenças mentais que cometeram crimes.

De acordo com a resolução 487 do CNJ, assinada pela ministra Rosa Weber na esteira do chamado movimento antimanicomial, pessoas que cometeram crimes mas foram consideradas inimputáveis pela Justiça, ou seja, tiveram diagnóstico de doenças mentais ou mal desenvolvimento e por isso não puderam ser consideradas responsáveis por seus atos, deverão deixar os chamados manicômios judiciários, onde ficam sob custódia do Estado. Independente da gravidade do crime cometidos, eles poderão voltar ao convívio em sociedade, morando com suas famílias e sendo atendidos pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps). Apenas em casos excepcionais eles poderão sem internados, mas em hospitais gerais ou ambientes referenciados, onde ficarão em contato direto com pacientes psiquiátricos comuns, sem histórico de violência, e sem o respaldo de equipe especializada.

Se o CNJ está interessado na qualidade do tratamento destinado aos inimputáveis, que busque melhorar as condições dos manicômios judiciais.

Com razão, dezenas de entidades, dentre elas o Conselho Federal de Medicina, Associação Brasileira de Psiquiatria, Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais, criticaram a medida do CNJ, lamentando que a resolução tenha sido aprovada sem debate com os profissionais de saúde mental e segurança pública, que, certamente, possuem muito mais expertise sobre o assunto. “A desativação dos hospitais forenses trará consequências gravíssimas para a sociedade”, alertam.

Caso não seja anulada, a determinação do CNJ colocará em liberdade a partir de agosto deste ano centenas de pessoas sem qualquer condição de conviver em sociedade, incluindo assassinos, criminosos sexuais e pedófilos. Levantamento da Gazeta do Povo mostrou que autores de crimes bárbaros, hoje mantidos sob guarda permanente do Estado, deverão ser simplesmente liberados ou colocados em hospitais comuns, não preparados para atender esse tipo de caso. Um exemplo é Marcelo Costa de Andrade, o “vampiro de Niterói”, que confessou ter abusado e matado 13 crianças entre 6 e 13 anos de idade. Pela resolução do CNJ, a partir de agosto, ele poderá ser solto, ou então colocado em um hospital comum, sem qualquer condição de abrigar indivíduos perigosos. Não à toa, a Associação Brasileira de Psiquiatria considera a proposta um desastre, que poderá causar, nas palavras do presidente da entidade, Antônio Geraldo da Silva, uma “epidemia de mortes”.

O fato de um assassino ter sido declarado inimputável, não o torna menos perigoso.

Um dos deveres básicos do Estado é justamente garantir a segurança pública, e nesse sentido o Sistema Judiciário é primordial. É por meio dele que se torna possível retirar da sociedade pessoas que, por terem cometido algum crime grave, são consideradas perigosas. Essa é, aliás, a função mais primária das penas de prisão aplicadas a criminosos: mantê-los confinados, sob vigilância e sem possibilidade de cometerem novos crimes.

No caso daqueles que mais tarde são considerados inimputáveis, a necessidade de proteger a sociedade permanece. O fato de um assassino ter sido declarado inimputável, não o torna menos perigoso. Mesmo sem ter consciência e responsabilidade sobre seus atos – e por isso seu confinamento deva ser em uma unidade hospitalar, onde encontre tratamento para sua doença, quando isso é possível ou possa ser abrigado de forma digna, sem poder causar dano a si ou aos outros – são um risco para a sociedade. O CNJ esquece disso e opta por fazer exatamente o contrário do que se esperaria de um órgão da Justiça: com um canetada, vai devolver às ruas milhares de pessoas perigosas, muitas com histórico de crimes bárbaros.

A justificativa do CNJ é a de que os pacientes devem ter “tratamento de saúde mental adequado e não em manicômios que deveriam ter sido extintos há pelo menos 20 anos, de acordo com as bases da Reforma Psiquiátrica do Brasil”. De fato, desde 2001, quando foi aprovada a Lei 10.216, houve uma reformulação do sistema de atendimento de saúde mental no país. Manicômios, hospitais exclusivamente destinados ao internamento de pacientes psiquiátricos, foram fechados e o número de leitos disponíveis decaiu vertiginosamente.

Hoje, segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil tem apenas 0,07 leito psiquiátrico para cada mil habitantes, 90% menos do que a média dos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). É um número insuficiente para as necessidades brasileiras, pois, embora parte dos pacientes psiquiátricos possa ser atendida sem internação, há casos em que ela é absolutamente necessária, como quando o paciente representa risco a si mesmo ou a outras pessoas – e um criminoso inimputável se encaixa perfeitamente nessa situação. Se o CNJ está interessado na qualidade do tratamento destinado aos inimputáveis, que busque melhorar as condições dos manicômios judiciais e não tome o caminho mais fácil, simplesmente decretando o fechamento dessas instituições. Os brasileiros já têm preocupações de sobra e não merecem mais esse descalabro do Judiciário.

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