A pressa do Congresso para aprovar o quanto antes as novas regras para o uso dos fundos eleitoral e partidário gerou enorme mobilização popular, com resultados diametralmente diferentes na Câmara e no Senado. No início de setembro, os deputados haviam aprovado o PL 11.021/2018, que ganhou destaque especialmente pelas mudanças que tinham tudo para estimular uma “eleição suja”, dificultando o controle da sociedade sobre a maneira como os partidos políticos gastam bilhões de reais tirados de cidadãos e empresas por meio de impostos, e até mesmo abrindo brechas para mais situações de “caixa 2”.
Entre os absurdos aprovados pelos deputados, o Fundo Partidário – dinheiro público, sempre é necessário lembrar – poderia bancar até mesmo a defesa de políticos e partidos acusados de crimes eleitorais. Além disso, as novas regras ampliariam o prazo legal para a prestação de contas de campanha, que deixaria de ser feita obrigatoriamente pelo padrão da Justiça Eleitoral, dificultando a identificação de possíveis irregularidades. As informações ainda poderiam ser corrigidas até o dia do julgamento das contas da campanha; em uma situação limite, os dados sobre gastos poderiam ser mantidos “escondidos” durante a campanha, impedindo a fiscalização da imprensa e da sociedade, para serem “corrigidos” apenas depois do pleito, na hora de acertar pendências com a Justiça Eleitoral.
Bolsonaro precisa ter a coragem de vetar todos os dispositivos que facilitem a vida de partidos, políticos e candidatos interessados apenas em se apossar do dinheiro do contribuinte
Chegando ao Senado, o PL ganhou novo número, 5.029/2019, e seu relator, Weverton Rocha (PDT-MA), vinha resistindo a mudar o texto vindo da Câmara. Isso porque, se ele fosse aprovado pelos senadores com redação diferente, teria de voltar para a análise dos deputados, atrasando a tramitação e colocando em risco a possibilidade de o projeto valer para o pleito de 2020, já que qualquer mudança em regras eleitorais precisa estar aprovada e sancionada pelo menos um ano antes da data da eleição seguinte. A intenção inicial do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), era conseguir a aprovação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e do plenário no mesmo dia, a última terça-feira, dia 17 – o que de fato ocorreu, mas não com o conteúdo que os parlamentares queriam.
A indignação foi tanta que, no fim das contas, de tudo o que a Câmara havia aprovado restou apenas um único artigo, que trata de regras para o valor do megafundo eleitoral. O montante exato será definido na lei orçamentária, e os políticos perdulários depositam ali sua esperança. Eles, que já sonharam com R$ 3,7 bilhões, se contentaram com R$ 2,5 bilhões e consideraram R$ 1,86 bilhão, conseguiram o compromisso de que o fundo eleitoral terá, pelo menos, o mesmo R$ 1,7 bilhão colocado à disposição dos partidos na eleição do ano passado. Todo o restante do projeto ganhou a lata do lixo.
Mas foi exatamente na lata do lixo que os deputados foram buscar vários dos trechos retirados pelos senadores, restabelecendo-os na noite de quarta-feira. Nem tudo foi restaurado, é verdade – ficaram de fora, por exemplo, a possibilidade de se fazer a prestação de contas em formatos diversos daquele padronizado pela Justiça Eleitoral, ou de retificar dados até o julgamento das contas. Mas o uso do Fundo Partidário para vários outros tipos de despesas retornou ao projeto, trazendo de volta a sombra do “caixa 2” nas campanhas, por mais que os deputados e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alegassem ter deixado de fora todos os elementos que deixassem portas abertas para falcatruas eleitorais. E os deputados levaram a cabo o trabalho protegidos, mais uma vez, pelo anonimato da votação simbólica, que impede o eleitor de saber como seu representante se posicionou.
O texto, agora, está na mesa de Jair Bolsonaro para sanção, e a pressão popular, ouvida pelos senadores e desprezada pelos deputados, agora se dirige ao presidente da República, que precisa ter a coragem de vetar todos os dispositivos que facilitem a vida de partidos, políticos e candidatos interessados apenas em se apossar do dinheiro do contribuinte. O objetivo definitivo continua sendo o fim deste inaceitável financiamento público de partidos e campanhas, mas, na impossibilidade de conseguir tal moralização neste momento, a urgência é garantir que este dinheiro não se perca no ralo da corrupção.
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