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O ex-presidente do BNDES, Joaquim Levy, e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
O ex-presidente do BNDES, Joaquim Levy, e o ministro da Economia, Paulo Guedes.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Depois de mais de uma década de uso indevido do BNDES pelos governos petistas, financiando generosamente obras em ditaduras de esquerda alinhadas com Lula e Dilma, ou escolhendo “campeões nacionais” e criando fortes distorções na concorrência, o presidente Jair Bolsonaro se prontificou a dar rumos novos ao banco de fomento, como já havia prometido durante a campanha eleitoral. Para essa missão tão necessária, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia escolhido Joaquim Levy, outro egresso da Universidade de Chicago, o polo intelectual do liberalismo econômico. No entanto, Levy deixou o governo no último domingo, dia 16, após ter sido publicamente criticado por Bolsonaro no dia anterior. A gota d’água foi a decisão de nomear Marcos Barbosa Pinto como diretor de Mercado de Capitais do banco de fomento, mas Bolsonaro deixou claro que já estava insatisfeito com Levy havia mais tempo.

Bolsonaro esperava do BNDES três atitudes importantes e muito razoáveis. A primeira era a devolução de centenas de bilhões de reais transferidos pelo Tesouro Nacional ao banco de fomento, parte da estratégia petista para aquecer a economia e que resultou na pior recessão da história do país. O governo queria que o BNDES acelerasse o ritmo desse ressarcimento, o que até chegou a ocorrer, mas ainda longe dos R$ 100 bilhões que o governo esperava para este ano. O segundo ponto de atrito foi a demora de Levy em promover a “abertura da caixa-preta” do banco, prometida por Bolsonaro em campanha. Durante a gestão do PT, o BNDES foi usado para promover políticas de “campeões nacionais” e financiar obras de empreiteiras brasileiras em países ideologicamente alinhados com o petismo. Informações sobre essas operações começaram a surgir no governo Temer, mas ainda há uma série de detalhes nebulosos que continuam ocultos e deveriam ser trazidos à luz. Por fim, o governo também estava insatisfeito com o ritmo lento de venda das participações que o BNDES tinha em outras empresas, por meio do BNDESPar.

A conversa franca, olho no olho, teria sido uma solução muito mais adequada que a fritura pública

Por que Levy não conseguiu acelerar a devolução de recursos do BNDES ao Tesouro, abrir de vez a “caixa-preta” do banco e eliminar a participação do BNDESPar em empresas privadas? Só será possível saber melhor quando ele apresentar seus argumentos, o que pode ocorrer no dia 26, quando ele será ouvido pela CPI do BNDES na Câmara. Em ocasiões anteriores, Levy ou outros diretores do banco tinham alegado que os ressarcimentos ao Tesouro dependeriam da entrada de recursos, e que desfazer-se de participações de forma súbita e maciça poderia ter impactos no mercado. Além disso, há fortes resistências internas de parte da equipe técnica do banco, para quem não existe “caixa-preta” alguma. Fato é que Levy não estava entregando aquilo para o que havia sido nomeado – seja por alguma impossibilidade que estivesse acima de sua vontade, seja por opção própria ou porque não estava conseguindo se impor sobre sua equipe. E, se os resultados não vêm, é prerrogativa de Bolsonaro, como chefe do Poder Executivo, fazer uma substituição.

Mas faltou tato a Bolsonaro no momento de externar sua insatisfação na manhã do sábado, dia 15. “Governo é assim: quando coloca gente suspeita em cargos importantes e essa pessoa, como Levy, já vem há algum tempo não sendo leal àquilo que foi combinado e que ele conhece a meu respeito, ele está com a cabeça a prêmio há algum tempo”, afirmou o presidente. Mas quão “suspeitos” eram Levy ou Barbosa Pinto? As credencias acadêmicas e profissionais de ambos não deixavam dúvidas quanto a sua capacidade. Levy teve passagens pelo mercado financeiro, pelo Fundo Monetário Internacional e chegou à vice-presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Barbosa Pinto, além de cargos exercidos dentro do próprio BNDES, havia sido presidente da Comissão de Valores Mobiliários e consultor do BID; mais recentemente, entre 2011 e 2018, trabalhou na Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.

Pesou especialmente contra Barbosa Pinto o fato de ele ter exercido diversos cargos durante os dois mandatos de Lula; no entanto, isso não é suficiente para se alegar algum “petismo” da parte do agora ex-diretor. Se bastasse ter passado pelo governo federal entre 2003 e 2016 para alguém ser classificado como “petista”, o próprio Levy também o seria, pois foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff. No entanto, é evidente que de petista Levy não tinha nada, tendo sido nomeado pela então presidente muito a contragosto, apenas para acalmar um mercado já apreensivo com a possibilidade da crise que já se avizinhava. Tanto foi assim que Levy e seu ajuste fiscal não duraram nem um ano na Fazenda, substituídos pelo gastador Nelson Barbosa, bem mais alinhado com a “nova matriz econômica” petista.

Leia também: A extinção do BNDESPar e as fronteiras do Estado mínimo (artigo de Lucas Dezordi, publicado em 11 de fevereiro de 2019)

Leia também: A "herança maldita" do petismo no BNDES (editorial de 4 de janeiro de 2018)

Ainda referindo-se a Barbosa Pinto, Bolsonaro disse que “falei para ele [Levy]: demite esse cara na segunda ou eu demito você sem passar pelo [Paulo] Guedes”, dando a entender que já havia tratado do tema com o então presidente do BNDES. Se de fato foi assim, não teria sido melhor Bolsonaro esperar pelo prazo que ele mesmo deu a Levy, e só então levar o assunto a público, se achasse necessário? E por que não envolver Guedes nas conversas, já que tinha sido o ministro da Economia o responsável por trazer Levy para o governo? Ao optar por emparedar publicamente o presidente do BNDES, ainda por cima chamando-o de “desleal”, Bolsonaro não deixou muitas saídas a Levy, que optou por pedir demissão e comunicar sua decisão a Guedes no domingo.

Como acabamos de lembrar neste espaço, muitos desgastes poderiam ser evitados em Brasília se houvesse um esforço para resolver diferenças por meio da conversa direta. Nem Levy nem Barbosa Pinto são adversários ideológicos de Bolsonaro – em termos de convicções sobre a economia, eles provavelmente têm muito mais convergências que divergências. Talvez a insatisfação do presidente fosse tanta que a saída de Levy seria inevitável, mas ainda assim é preciso manter o respeito para com os subordinados. Essa é uma postura que independe de convicções políticas: está em qualquer manual de boa gestão, seja no setor público ou no privado. A maneira como Levy foi tratado manda uma mensagem equivocada que afasta boas cabeças dispostas a assumir cargos no governo – afinal, quem aceitaria uma nomeação sabendo que, se os resultados demorarem a vir, será também destratado ou execrado publicamente? A conversa franca, olho no olho, teria sido uma solução muito mais adequada que uma fritura pública em que o presidente acabou deixando o descontentamento dar lugar ao desrespeito.

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