O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acha que a legislação atual sobre o crime de lavagem de dinheiro tem problemas e precisa ser alterada. Por isso, há cerca de um mês mandou instalar uma comissão com 43 nomes, e chama a atenção a composição bastante peculiar do grupo: 24 membros (ou seja, mais da metade) são advogados, e 18 deles atuaram nas defesas de acusados desse crime, como o ex-presidente Lula, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Uma desproporção que pode promover mais um retrocesso no combate à corrupção, entre os tantos que já vêm ocorrendo pelas mãos do Legislativo e do Judiciário.
Entre os problemas que Maia enxerga na legislação atual está o fato de ela permitir que o caixa 2 eleitoral também seja considerado crime de lavagem de dinheiro, o que rende punição maior aos envolvidos – de 3 a 10 anos de prisão, contra 1 a 5 anos para o caixa 2, tipificado pela legislação eleitoral como falsidade ideológica. Ocorre que, dependendo das circunstâncias em que se dão as transações ilícitas, efetivamente é o caso de se falar em lavagem de dinheiro, não havendo o que Maia descreve como “alargamento do tipo objetivo do crime de lavagem contrário à lei e em afronta ao princípio da subsidiariedade do direito penal, promovendo condenações em casos que extrapolam a previsão legislativa”.
Com maioria absoluta de advogados e sem membros da PF, Receita ou Coaf, a comissão criada por Maia é extremamente desproporcional
É da natureza da bandidagem se esforçar para estar um passo à frente da lei, e com a corrupção não é diferente, exigindo, por vezes, que a legislação seja atualizada – a comissão deverá analisar, por exemplo, as possibilidades de lavagem de dinheiro por meio de criptomoedas e do pagamento de honorários advocatícios. Mas é gritante a desproporção criada por Maia ao designar os membros do grupo responsável por rever a lei de lavagem de dinheiro, com 24 advogados contra seis membros do Ministério Público, três ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nove juízes e desembargadores, e uma deputada federal. Uma única categoria, portanto, tem maioria absoluta e poderá emplacar qualquer tese que desejar, o que é ainda mais absurdo considerando-se que vários outros órgãos e entidades com experiência na investigação de crimes de lavagem de dinheiro foram ignorados na montagem da comissão, como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), especializado na identificação de transações suspeitas.
E, dada a atuação da maioria dos advogados indicados, não seria surpreendente se o anteprojeto que a comissão tem de entregar previsse um afrouxamento na lei. Isso não quer dizer, nem de longe, que os advogados integrantes da comissão estariam agindo com a intenção explícita de facilitar a vida dos criminosos que lavam dinheiro, inclusive irrigando campanhas eleitorais com os valores ilícitos. É muito mais provável, na verdade, que eles estejam sinceramente convictos de que a lei atual gera confusão e que as interpretações recentes do Judiciário estejam equivocadas, pendendo para um rigorismo do qual eles discordam. Mas é inegável que, se as teses defendidas por esses advogados nos tribunais se tornarem a letra da lei, haverá um efeito daninho inclusive nos casos já julgados, pois mudanças legais retroagem quando beneficiam os réus.
O resultado do trabalho dessa comissão ainda precisará ser submetido ao crivo dos parlamentares. É bem verdade que, em casos anteriores, o trabalho de comissões semelhantes teve como destino a gaveta de algum congressista – o caso mais notório talvez seja o de uma desastrosa reforma do Código Penal montada por uma comissão de juristas nomeada em 2012 pelo então presidente do Senado, José Sarney. Mas a reforma da lei de lavagem de dinheiro pode ter um fim diferente, a julgar pela insistência do Congresso em tentar votar pautas como uma anistia indireta aos crimes de caixa 2. Além disso, a bancada da impunidade tem colecionado algumas vitórias recentes, como nos casos da Lei de Abuso de Autoridade e da desfiguração do pacote anticrime do ex-ministro Sergio Moro, e está mais confiante. Por isso, a sociedade precisa estar atenta desde já ao que vier desta comissão.
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