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voto impresso
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), comandou a sessão que rejeitou a PEC do voto impresso.| Foto: Cleia Vianna/Câmara dos Deputados

Na noite de terça-feira, o plenário da Câmara dos Deputados encerrou definitivamente a tentativa de se implantar, ao menos já em 2022, o voto impresso auditável. A PEC 135/19 até conseguiu maioria simples, com 229 votos a favor e 218 contra, mas precisava do apoio de 308 deputados para passar pelo primeiro turno de votação. Mesmo partidos do Centrão, que formam a base aliada do presidente Jair Bolsonaro, contribuíram para a derrota: as duas principais legendas do bloco, PL e PP, negaram à PEC 54 votos, somando o “não” e as ausências. Republicanos, Pros, PSD e PTB contribuíram com outros 28 votos “não” e deputados faltantes – se todos esses parlamentares houvessem apoiado a PEC, ela teria conseguido os votos necessários para a aprovação.

“A democracia do plenário deu uma resposta a esse assunto e eu espero que, na Câmara, esse assunto esteja definitivamente enterrado”, afirmou o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL). De fato, era controvérsia que cabia única e exclusivamente ao Poder Legislativo – não ao Executivo, nem ao Judiciário – resolver. Os representantes do povo, em sua totalidade, no plenário, se pronunciaram, e a dinâmica democrática pede que, agora, todos os demais atores políticos acatem o resultado, mesmo que ele desagrade – como, aliás, ocorre inúmeras vezes. Pode-se, com toda a liberdade, criticar a decisão, mas, uma vez definida a questão do voto impresso pelos parlamentares, não há como desobedecê-la ou sabotá-la.

A deslegitimação a priori do resultado de uma eleição futura é um risco enorme para a democracia, pois abre espaço para que os perdedores recorram a uma solução de força alegando terem sido roubados nas urnas

Isso não significa, no entanto, que não haja problemas a resolver. Parte significativa da população tem algum grau de desconfiança na votação puramente eletrônica, a julgar por recente pesquisa CNT/MDA, na qual 18,9% dos entrevistados disseram não confiar na urna eletrônica, e outros 15,8% afirmaram ter “confiança baixa”. Quando mais de um terço do eleitorado tem reservas quanto à confiabilidade do voto eletrônico – sejam essas ressalvas bem fundamentadas ou não –, de pouco adiantam as autoridades eleitorais simplesmente repetirem ad nauseam que o sistema é inviolável, especialmente diante de episódios como a invasão hacker que, segundo especialistas, demonstrou haver vulnerabilidades que precisam ser sanadas.

São dois os caminhos possíveis. O primeiro é o de abandonar os discursos simplistas de ambos os lados, tanto o que nega peremptoriamente a possibilidade de irregularidades quanto o que nega de antemão a lisura do processo, e trabalhar no aperfeiçoamento do sistema, mesmo que sem o voto impresso nos moldes desejados por parte dos deputados e da população. Testes de integridade mais abrangentes, disponibilização do código-fonte das urnas por um período maior e condições mais realistas nas simulações de ataques à votação, o chamado Teste Público de Segurança, estão sendo avaliados pelo Tribunal Superior Eleitoral. São atitudes com possibilidade muito maior de êxito que simplesmente recorrer a campanhas de comunicação, ainda mais estreladas por uma militante de esquerda como Djamila Ribeiro, o que de antemão já antagonizará o público que tem mais restrições à urna eletrônica.

O segundo caminho é insistir desde já na tese de que os resultados de 2022 não serão confiáveis porque inevitavelmente haverá fraude. É a trilha que, infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro escolheu ao comentar o resultado da votação na Câmara. “Hoje em dia sinalizamos para uma eleição, não que está dividida, mas que não vai se confiar nos resultados das apurações”, afirmou na manhã de quarta-feira, falando a apoiadores no Palácio do Planalto. A deslegitimação a priori do resultado de uma eleição futura é um risco enorme para a democracia, pois abre espaço para que os perdedores recorram a uma solução de força alegando terem sido roubados nas urnas. É evidente que Bolsonaro só trabalha com a hipótese de ser ele a vítima da fraude, ainda mais considerando que entre os ministros do TSE há membros do Supremo que votaram para fazer de Lula um ficha-limpa. Mas, quando se afirma de antemão que o resultado não será confiável, a conclusão óbvia é a de que ele não o será independentemente do vencedor; em um hipotético cenário em que não haja fraude e a apuração confirme a reeleição de Bolsonaro, é o seu próprio discurso que daria brechas à contestação da esquerda.

Crer na invulnerabilidade absoluta do sistema atual e afirmar que ele não necessita de aperfeiçoamento é de uma enorme ingenuidade, mas o oposto extremo, que assume de antemão a fraude como uma realidade inevitável, é um risco ainda maior; se esse discurso já causou enormes estragos em democracias centenárias e sólidas como a norte-americana (onde, apesar de tudo, especialmente do lamentável episódio da invasão do Capitólio, Donald Trump não se recusou a entregar a presidência a Joe Biden), em uma democracia jovem como a brasileira o potencial de causar ruptura institucional é enorme. É um caminho sem volta que não convém trilhar.

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