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A Torre Olímpica, em Pequim, entre duas bandeiras perto da entrada do Centro de Imprensa dos Jogos Olímpicos de Inverno, na capital chinesa.
A Torre Olímpica, em Pequim, entre duas bandeiras perto da entrada do Centro de Imprensa dos Jogos Olímpicos de Inverno, na capital chinesa.| Foto: Jean-Christophe Bott/EFE/EPA

Após quase 40 anos, a era dos boicotes está de volta aos Jogos Olímpicos. Entre 1976 e 1984, a competição contou com desfalques importantes, de dezenas de países em cada edição. Desta vez, quando a capital chinesa, Pequim, realizar a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno na manhã de sexta-feira (horário brasileiro), o protesto será diferente. Alguns países, encabeçados pelos Estados Unidos, enviarão seus atletas normalmente, mas suas autoridades, presença constante nas cerimônias olímpicas, não estarão presentes: trata-se do chamado “boicote diplomático”.

Até o momento, os Estados Unidos terão a companhia de Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Bélgica, Lituânia e Dinamarca – todas essas nações prometeram não enviar representações diplomáticas aos Jogos de Pequim devido aos recentes casos de violação de direitos humanos cometidos pelo regime comunista chinês. A pandemia de Covid-19 impediu que o protesto ainda tivesse algum efeito econômico; em condições normais, ao menos alguns desses países pediriam a seus cidadãos que evitassem viajar à China para os Jogos, o que afetaria o desempenho do comércio e de setores como hotelaria e alimentação. No entanto, com a proibição de visitantes estrangeiros – assim como já havia ocorrido nos Jogos Olímpicos de Tóquio, no ano passado –, o boicote acabará limitado ao seu aspecto diplomático.

O regime chinês reagiu de várias formas, por meio de representantes ou da imprensa controlada pelo Partido Comunista. Enquanto o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores afirmava que “os Estados Unidos pagarão um preço pelo gesto equivocado”, indicando que Pequim havia sentido o golpe, jornais tuitavam que o boicote era até bem-vindo já que, com isso, não haveria estrangeiros levando o coronavírus para a China (embora a expressão mais adequada certamente fosse “levar de volta”).

Ninguém alimenta qualquer esperança de que a China interrompa suas violações em série de direitos humanos devido ao boicote diplomático em Pequim. Mas, aqui, importa menos a eficácia (ou sua ausência) do boicote que a necessidade de levantar a voz em defesa de uigures, tibetanos e cidadãos de Hong Kong em um fórum de abrangência mundial

O fato é que sobram razões para um protesto. A ditadura chinesa tem promovido genocídio e limpeza étnica contra a minoria uigur, de religião muçulmana, na província de Xinjiang, enquanto acaba com as liberdades democráticas em Hong Kong, violando o acordo firmado com o Reino Unido para a devolução do território e que previa a manutenção do princípio de “um país, dois sistemas” até 2047. Ativistas em defesa do Tibete, anexado pela China em 1950 e onde o regime comunista também viola rotineiramente direitos como a liberdade religiosa, também se fizeram ver e ouvir durante a cerimônia de acendimento da tocha olímpica na Grécia.

Ninguém, no entanto, alimenta qualquer esperança de que a China interrompa suas violações em série de direitos humanos devido ao boicote diplomático em Pequim. A experiência passada mostra que boicotes e sanções esportivas só têm algum efeito se forem abrangentes e duradouros, como foi o caso da África do Sul durante a vigência do apartheid – o longo ostracismo imposto à equipe nacional de rúgbi atingiu com força a elite branca sul-africana, apaixonada por seus “Springboks”. Mas, aqui, importa menos a eficácia (ou sua ausência) do boicote que a necessidade de levantar a voz em defesa de uigures, tibetanos e cidadãos de Hong Kong em um fórum de abrangência mundial, especialmente neste momento em que outras instâncias do mundo esportivo, como a NBA, fecham os olhos às agressões chinesas enquanto internamente compram todo o pacote identitário, apoiando movimentos como o Black Lives Matter.

Resta, ainda, a hipótese de que atletas se pronunciem contra os abusos chineses – uma modificação recente na Carta Olímpica deu mais liberdade aos competidores para usarem mídias sociais e mesmo entrevistas nos locais de competição para que abordem questões fora do âmbito esportivo; em Tóquio, por exemplo, equipes de futebol se ajoelharam em protesto contra o racismo. No entanto, o governo chinês já manifestou seu desagrado com essa possibilidade. “Qualquer manifestação que esteja alinhada com o espírito olímpico certamente está protegida, e qualquer comportamento ou discurso que seja contrário ao espírito olímpico, especialmente contra as leis e regulamentos da China, estarão sujeitos a algum tipo de punição”, afirmou o vice-diretor-geral do comitê organizador dos Jogos, Yang Shu – e, para violar “as leis e regulamentos da China”, basta desagradar a ditadura.

Ainda que o massacre dos uigures e a repressão em Hong Kong sejam posteriores à decisão que levou os Jogos de Inverno para Pequim, há muito tempo o histórico chinês em relação aos direitos humanos é tenebroso, e isso não impediu o Comitê Olímpico Internacional de escolher a China para sediar a competição de 2022 – é bem verdade que a concorrência não era especialmente animadora: Oslo, na Noruega, desistiu da disputa, deixando Almaty, no Cazaquistão, como a única outra candidata. Por mais que o COI deseje manter esporte e política em campos separados, é impossível pretender que toda a comunidade internacional simplesmente feche os olhos e finja que não há nada ocorrendo. No médio e longo prazo, talvez o boicote diplomático se torne mera nota de rodapé, pois aos torcedores interessam os atletas e seus feitos, não as autoridades que viajaram ou deixaram de viajar a Pequim; mas a tomada de posição é bem-vinda independentemente da dimensão que ela tenha na história olímpica.

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