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Apesar dos murmúrios de alguns inconformados, a repercussão do julgamento do Supremo Tribunal Federal delimitando a titularidade dos mandatos eletivos foi positiva, ganhando aprovação geral da sociedade. A Ordem dos Advogados do Brasil considerou a decisão como o primeiro passo da reforma política longamente aguardada pelo país, que vai completar o arcabouço institucional necessário à democracia brasileira. Como a medida do STF declarando que o mandato pertence ao partido, equilibrada e de bom senso, evitou a degola geral dos políticos infiéis aos partidos de origem, admitindo exceções à perda automática dos mandatos, alguns atores políticos anunciaram a busca de artifícios para volteá-la – o que não pode ser tolerado.

Cabe à opinião pública continuar vigilante para evitar que os donatários de legendas de aluguel continuem a utilizá-las como balcão de negociatas em prejuízo do interesse geral. Mesmo porque, ao acabar com a "dança das cadeiras" parlamentares, a Corte suprema adotou um princípio que o Congresso ficou devendo ao país, na medida que seguidamente vem adiando o exame de projetos que consolidem "regras do jogo" capazes de conferir responsividade à relação eleitor–mandatário.

No caso, ainda, não procedem queixas de figuras do meio político de que o Supremo mudou as regras durante o mandato, porque – ensinava Norberto Bobbio – a transformação é o estado natural da democracia, "que é dinâmica; estático é o despotismo sempre igual a si mesmo". Essa esterilidade dos regimes não-democráticos é demonstrada, em nossos dias, com o impasse enfrentado pela junta militar que governa Mianmar, a antiga Birmânia. Na crônica histórica, o Brasil também atravessou períodos de apatia política que afastavam o povo da formação do governo, o qual em compensação perdia capacidade de auto-renovação, caminhando para o ocaso.

Guardadas as proporções, a sucessão de escândalos manchou a reputação do nosso setor político, a ponto de sua aceitação ter despencado para os níveis mais baixos já registrados. Por isso a reação positiva que saudou a decisão do Supremo Tribunal na semana passada. Trata-se – como definiu o professor Michelangelo Bovero – de buscar uma democracia real que, se não configura o ideal dos pensadores, pelo menos evita "o governo dos piores". Outro analista, Scott Mainwaring, assinalou que "o sistema eleitoral brasileiro contribui para minar os esforços de construção de partidos políticos efetivos", exibindo aspectos sem paralelo no mundo. Na avaliação desse estudioso, "nenhuma outra democracia dá aos políticos tanta autonomia perante seus partidos, num grau tão baixo de fidelidade e disciplina que reforça um comportamento individualista impeditivo da construção partidária".

Ficam faltando ainda regras mais claras sobre coligação partidária em eleições proporcionais e cláusula de barreira. Porém vale lembrar a lição clássica de Platão: tal como o médico existe em função dos doentes, o político deve agir em função dos interesse da sociedade. Para a fidelidade partidária estava, portanto na hora do "basta" dado pelo Judiciário, primeiro passo para a melhoria das nossas instituições.

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