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O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz estar "bastante frustrado" com a dificuldade em fazer andar as privatizações de estatais.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz estar “bastante frustrado” com a dificuldade em fazer andar as privatizações de estatais.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Quando o Estado resolve realizar determinada intervenção na economia, revertê-la é algo quase impossível, exigindo um esforço descomunal. Muitos teóricos da economia já se debruçaram sobre isso, e a prática apenas comprova a dificuldade de desfazer intervencionismos. O caso das estatais brasileiras ilustra muito bem essa situação. Como é possível que um governo que chegou ao poder com credenciais reformistas e de redução do tamanho do Estado não consiga realizar as privatizações prometidas? “Estou bastante frustrado com o fato de a gente estar aqui há dois anos e não ter conseguido vender nenhuma estatal. Até por isso um secretário meu foi embora. Isso é lamentável”, afirmou Paulo Guedes no último dia 10. Os entraves, para a frustração de Guedes, são muitos e estão nos três poderes.

As resistências começam no próprio Poder Executivo, já que qualquer privatização depende do aval do ministério ao qual a empresa está subordinada, e há ministros que, mesmo novatos no ramo da política, levaram bem pouco tempo para se apegar às suas estatais. Era o caso de Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia, que por muito tempo barrou qualquer tentativa de vender as seis estatais sob sua pasta, incluindo Correios e Telebrás – a resistência, no entanto, foi vencida, já que os Correios são a grande aposta do governo para 2021.

Para a desestatização avançar, será necessária uma cooperação raramente vista por parte do Poder Legislativo

Mesmo assim, esse racha é preocupante. Se o governo tem uma orientação geral desestatizante, quedas de braço entre ministros por causa de privatizações nem deveriam ocorrer, ou deveriam ser resolvidas rapidamente por Bolsonaro. Mas até a convicção privatizante do presidente já foi colocada em xeque pelo ex-secretário Salim Mattar: “Se ele [Bolsonaro] quisesse, podia privatizar todas as empresas que não precisam [do aval] do Congresso. Depende só dele, falta vontade”, afirmou em entrevista ao também ex-secretário Marcos Cintra, em setembro, referindo-se a subsidiárias de estatais.

A menção ao Congresso lembra que, para a desestatização avançar, será necessária uma cooperação raramente vista por parte do Poder Legislativo. O projeto de privatização da Eletrobras, a principal aposta do governo antes dos Correios, está emperrado no Congresso. Guedes chegou a dizer que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não deixa os projetos de privatização caminharem por ter feito um acordo com a esquerda, ideologicamente avessa à desestatização. Maia, que se reelegeu presidente da Câmara em 2019 com votos tanto do bolsonarismo quanto de partidos de esquerda, nega qualquer acordo, mas até o momento é a sua decisão individual de não ordenar o início da tramitação que está travando a venda.

Com ou sem acordo, arrancar de deputados e senadores um “sim” à privatização é tarefa ingrata. Não apenas porque são numerosos os estatistas, aqueles que veem na ação direta do Estado, por meio das estatais, a solução para as mazelas econômicas; mas também porque há partidos e parlamentares sempre interessados em fazer dessas empresas seus feudos particulares, indicando apadrinhados para cargos importantes em troca do apoio ao governo nas votações do Congresso. Os resultados todos conhecemos: desde a pura e simples incompetência até a corrupção escancarada, como a ocorrida na Petrobras quando o petismo entregou diretorias importantes a partidos aliados.

O obstáculo legislativo às privatizações ficou ainda maior em 2019, graças a uma decisão equivocada do Supremo Tribunal Federal, que também adotou o estatismo como filosofia ao decidir que toda privatização de “empresa mãe”, não apenas aquelas expressamente mencionadas na Constituição ou na legislação infraconstitucional, tem de ser aprovada pelo Congresso. É uma regra que não existe na lei brasileira; ela exige essa aprovação apenas para a criação de empresas, isso porque o constituinte de 1988 já havia definido que a participação direta do Estado na economia é uma exceção, e são as exceções que pedem a análise do Legislativo, não as ações que buscam retornar à normalidade, em que a iniciativa privada assume o protagonismo. O STF, mais uma vez, atropelou a Constituição, assumiu o papel de legislador ao inventar regras e dificultou ainda mais a vida da equipe econômica.

Pouco depois do resultado desse julgamento, o governo julgou haver uma possibilidade de obedecer à decisão do STF sem ter de enviar novos projetos de lei sempre que desejar vender uma estatal. Bastaria incluir a empresa, por decreto, na lei do Plano Nacional de Desestatização, aprovada em 1997 pelo Congresso. No entanto, até o momento nenhuma empresa chegou a ser vendida desta forma, e a possibilidade de nova judicialização caso o governo tente privatizar alguma estatal nestes moldes será grande.

Durante a campanha eleitoral de 2018, no período de transição e no início do governo havia expectativas exageradas sobre a rapidez e o alcance do programa de desestatização. Mas o resultado atual chega a ser mais frustrante que as projeções mais pessimistas feitas quando o ideário liberal chegou ao poder com Bolsonaro e Guedes. É o Brasil que perde com isso. Perde porque continua negando o saudável princípio da subsidiariedade, impedindo que a iniciativa privada bem administre estatais que, hoje, estão em situação precária. E perde também porque, neste momento de explosão do gasto e da dívida pública causado pela pandemia, os recursos das privatizações poderiam amenizar o abismo fiscal em que o país está caindo. O gigante Estado-empresário brasileiro já se revelou um atraso que o país não pode se dar ao luxo de manter.

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