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Alckmin foi indicado pelo PSB para ser o vice na chapa de Lula (PT) nas eleições presidenciais de outubro.
Alckmin foi indicado pelo PSB para ser o vice na chapa de Lula (PT) nas eleições presidenciais de outubro.| Foto: Ricardo Sruckert/Lula

Apesar do enorme esforço do petismo e de formadores de opinião para fazer de Lula um “democrata moderado”, que seria a única opção válida contra um suposto “autoritarismo” do presidente Jair Bolsonaro, o discurso não vem entusiasmando muitas outras forças políticas fora dos círculos já habitualmente subservientes ao PT. A maior parte da oposição ao governo segue empenhada em construir uma alternativa à polarização, a chamada “terceira via”. Mas os poucos que aderiram podem ao menos se beneficiar da lavanderia de biografias petista, em que o único critério de avaliação de um político ou partido é o fato de estar ou não aliado (ou, melhor dizendo, submetido) a Lula e ao PT.

O caso mais emblemático desta pré-campanha é o de Geraldo Alckmin, que chegou a enfrentar Lula no pleito presidencial de 2006, nunca poupou palavras para se referir ao desastre econômico e moral das gestões petistas, mas resolveu jogar toda a sua biografia no lixo, trocando de partido para compor chapa com o ex-adversário, abraçá-lo e exaltá-lo como “o maior líder popular do país”, antes de dedicar um “viva!” ao novo companheiro em evento com sindicalistas. Em troca, aquele que já foi chamado de “mais fascista que Bolsonaro” pelo petismo, com direito a montagens fotográficas, ganhará definitivamente o perdão da cúpula do partido.

O petismo se notabilizou por ter inaugurado no país o “nós contra eles”, em que o adversário político é muito mais que simplesmente alguém que almeja o mesmo cargo ou tem ideias diferentes: é o mal encarnado, a personalização de todos os vícios possíveis e imagináveis

Mais recentemente, foi a vez de Paulinho da Força, o sindicalista convertido em deputado federal e cacique partidário do Solidariedade. Vaiado por petistas em evento, por ter apoiado o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o parlamentar bancou o ressentido. Disse seguir “no intuito de apoiar o Lula, mas queremos rediscutir esse formato, saber qual é o pensamento do PT com relação a uma aliança mais ampla, se realmente o PT quer isso”, e ganhou afagos de Gleisi Hoffmann: “O Solidariedade e o companheiro Paulinho da Força são muito importantes na nossa frente pela democracia e pela reconstrução do Brasil”, tuitou a presidente do PT, em mensagem retuitada pelo próprio Lula.

A prática não tem nada de nova, é bem verdade. O petismo tem histórico de “reabilitar” antigos desafetos em troca do seu apoio. Em 2009, o então presidente Lula defendeu José Sarney, presidente do Senado e alvo de inúmeras denúncias de nomeação de parentes por meio de atos secretos, dizendo que “ele tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Em 2012, Lula e seu ex-ministro Fernando Haddad posaram sorridentes ao lado de ninguém menos que Paulo Maluf, cujo apoio buscaram na campanha de Haddad para a prefeitura de São Paulo. E, nas eleições municipais de 2016, realizadas pouquíssimos meses depois do impeachment de Dilma, o PT já havia se aliado a partidos que apoiaram a cassação em quase 2 mil dos 5,5 mil municípios brasileiros – aliás, enquanto a militância insiste no discurso do “golpe”, a cúpula do PT esconde Dilma e descarta qualquer participação sua em um futuro governo Lula, negando uma reabilitação que seria natural, tratando-se de alguém que é descrito como vítima de uma enorme injustiça.

Não se ignora que as alianças são parte da política e da busca pelo poder, e que adversários de ontem podem se tornar os aliados de hoje. Mas mesmo a política real não prescinde, ou não deveria prescindir, de alguns princípios mínimos. A questão, aqui, é outra: o petismo se notabilizou por ter inaugurado no país o “nós contra eles”, em que o adversário político é muito mais que simplesmente alguém que almeja o mesmo cargo ou tem ideias diferentes: é o mal encarnado, a personalização de todos os vícios possíveis e imagináveis. No entanto, uma avaliação tão severa, que em tese inviabilizaria qualquer tipo de composição com gente considerada tão abjeta, é rapidamente abandonada diante da possibilidade de um “fascista” ou um “golpista” beijar a mão de Lula. Isso já transcende a dinâmica política para entrar na seara da hipocrisia e da mentira.

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