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Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes deu o voto que formou maioria pela legitimidade da contribuição sindical aprovada em assembleia e obrigatória a todos os trabalhadores da categoria, desde que previsto o direito individual à oposição.| Foto: Divulgação/STF

O julgamento, no plenário virtual do STF, que trata da constitucionalidade de uma contribuição assistencial que um sindicato pode impor a todos os trabalhadores que representa, sejam eles filiados ou não, prossegue até o próximo dia 11, mas o resultado já é certo. Na sexta-feira, 1.º de setembro, foi dado o sexto voto em favor da legalidade da cobrança: o ministro Alexandre de Moraes seguiu Gilmar Mendes (relator), Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, mas para isso precisou ignorar o texto da CLT e o espírito que guiou os legisladores em 2017, quando aprovaram a reforma trabalhista.

Ressalte-se que os ministros não estavam julgando se a contribuição em si é legal ou não. Quanto a isso não há dúvida: existe todo um capítulo da CLT a respeito dela. O que está em jogo é a maneira como essa cobrança deve ser feita, e a maioria que acaba de ser formada no STF permite que os sindicatos imponham, dentro das convenções coletivas, o desconto generalizado na folha de todos os trabalhadores, sejam ou não sindicalizados. A única ressalva feita pelos ministros é a de que deve ser garantido o direito de oposição, pelo qual a pessoa tem de manifestar expressamente sua recusa em contribuir, uma vez que a cobrança tenha sido aprovada em assembleia, e assim não terá o respectivo valor descontado de seu salário.

Se o legislador quis um sistema de opt in com autorização individual, e não coletiva, temos de concluir que o STF está dizendo que é lícito aquilo que a lei diz claramente ser ilícito

É aqui que os ministros que formaram a corrente majoritária não apenas se afastam da lei, mas a contrariam frontalmente. O mesmo capítulo que trata da contribuição sindical menciona, diversas vezes, a “autorização prévia e expressa” do trabalhador para que haja o desconto – por exemplo, nos artigos 578, 579, 582 e 583. Ou seja, é preciso que o indivíduo manifeste sua intenção de contribuir para o sindicato e só então ocorre o pagamento, o chamado opt in. O STF está perto de aprovar o exato inverso disso, validando uma cobrança generalizada e exigindo que os descontentes se manifestem para não sofrer o desconto, o chamado opt out. Defensores deste modelo ainda argumentam que o artigo 579, ao falar em “autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional” (destaque nosso), estaria validando a aprovação do desconto em assembleia. No entanto, já existe jurisprudência do Supremo a respeito da necessidade de autorização individual, e não coletiva, para as cobranças.

Para que não ficasse nenhuma dúvida a esse respeito, o artigo 611-B da CLT, também inserido pela reforma trabalhista, afirma que “Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (...) XXVI – (...) de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”. Se, como vimos, o legislador quis um sistema de opt in com autorização individual, e não coletiva, temos de concluir que o STF está dizendo que é lícito aquilo que a lei diz claramente ser ilícito, e esta é apenas a raiz da confusão, que tem tudo para ser muito maior.

Os ministros, em seus votos, não estipularam como o “direito à oposição” deve ser exercido – e felizmente não o fizeram, pois isso seria avançar ainda mais no papel autoatribuído de legisladores que eles já estão usurpando neste caso. Com isso, fica a cargo de cada sindicato decidir em que condições os trabalhadores poderão se opor à cobrança, e a experiência mostra que a criatividade nunca falha na hora de criar dificuldades: prazos exíguos e necessidade de entrega presencial de documento redigido de próprio punho estão entre as exigências impostas por alguns sindicatos, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Isso pode levar a ainda mais judicialização, sem falar em outra controvérsia que fatalmente se seguirá à proclamação do resultado deste julgamento: a possibilidade de retroatividade nas cobranças consideradas ilegais até então.

Nunca é demais insistir, como a Gazeta do Povo sempre tem feito ao tratar deste assunto, na importância dos sindicatos dentro do espírito de associativismo que caracteriza sociedades saudáveis. Mas também insistimos que estas e outras entidades de grande importância, como partidos políticos, precisam ser sustentadas pela colaboração voluntária dos que se julgam devidamente representados por elas. A distorção do “efeito carona”, pelo qual mesmo os não filiados se beneficiam do trabalho dos sindicatos – trabalho esse que tem seu custo –, é real, mas para combatê-la é preciso que Poder Legislativo ataque outra distorção, a da unicidade sindical, e não que o Poder Judiciário valide cobranças diametralmente opostas ao que desejaram os legisladores em 2017.

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