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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Quando uma concessão vira motivo de judicialização e disputa sem fim entre o poder público e as empresas concessionárias, o usuário final quase sempre é o grande prejudicado. Veja-se o caso emblemático das rodovias paranaenses: desde que uma ação unilateral do então governador, Jaime Lerner, baixou o preço do pedágio às vésperas da eleição de 1998, em que disputava a reeleição, aditivos e ações judiciais bagunçaram tanto as regras que hoje é quase impossível saber quem tem razão – para se ter uma ideia do tamanho do imbróglio, duas consultorias independentes chegaram a conclusões opostas sobre o lado “perdedor” dos desequilíbrios contratuais. De concreto, apenas o fato de que o motorista paranaense paga tarifas altas para viajar em rodovias que ainda estão em pista simples.

O caso dos ônibus curitibanos ainda estava longe de se igualar ao caos jurídico do pedágio, mas empresas e prefeitura começaram a brigar na Justiça nos primeiros anos de vigência da concessão após a licitação de 2010. Alegando desequilíbrio financeiro, as empresas que operam o sistema conseguiram, em 2013, uma liminar que as desobrigava de investir na renovação da frota, e assim tem sido desde então. Como resultado, um terço da frota curitibana estará “vencida” no fim do ano, com tudo o que isso implica, desde quebras mais frequentes, gerando atrasos para o usuário e mais gastos para as empresas, até risco maior de acidentes. Tentativas de conciliação para resolver o problema vinham falhando, até agora: no dia 14, prefeitura e empresas anunciaram um acordo pelo qual o poder público tomará ações para reequilibrar os contratos financeiramente, enquanto as empresas retiram as ações judiciais e se comprometem a renovar a frota.

Projeções de demanda mais condizentes com a realidade são uma questão de justiça

Este reequilíbrio, no entanto, terá seu impacto sobre o usuário, mais cedo ou mais tarde. Isso porque a Urbs, a empresa gestora do transporte na capital, terá de rever suas projeções de passageiros. Desde 2015, quando houve a separação dos sistemas curitibano e metropolitano, as estimativas da Urbs sempre foram maiores que a demanda realizada – a projeção mais “certeira” foi a de janeiro de 2017, quando a previsão da Urbs ficou 3% acima do número real de passageiros; de lá para cá, as discrepâncias oscilaram entre 7% e 14%. A “tarifa técnica”, o valor repassado às empresas, é definida por um cálculo que envolve os gastos totais com a operação do sistema e o número projetado (não o realizado) de passageiros. Consequentemente, se mês após mês as previsões não se realizam, as empresas não recebem o suficiente para manter o serviço, o que está na origem do desequilíbrio financeiro que já levou uma das empresas a entrar em recuperação judicial.

Quedas na demanda, que fique claro, são um risco do negócio que não cabe ao poder público remediar. Mas, no caso curitibano, já estava evidente que as previsões sobre as quais o cálculo da tarifa técnica se baseia estão distorcidas. A justificativa da crise e do desemprego era válida quando os sintomas da recessão começaram a ser sentidos de maneira mais forte, mas a esta altura as estimativas já deveriam ser sido ajustadas levando isso em consideração. Projeções mais condizentes com a realidade, assim, são uma questão de justiça.

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No entanto, caso os custos não caiam, as projeções de demanda ajustadas representarão uma tarifa técnica maior, o que será levado em consideração na determinação da tarifa cobrada do usuário, no início do ano que vem. O risco é de um círculo vicioso: tarifas técnicas mais altas elevam o preço da passagem, afugentando passageiros e reabrindo o fosso entre a demanda projetada e a realizada.

Recentemente, já afirmamos que, para romper essa espiral que tira competitividade do transporte coletivo, é preciso ter a coragem de reconstruir o sistema de alto a baixo. O recente acordo entre prefeitura e empresas não chega a tanto; resume-se a acertar questões pontuais, embora importantes, do contrato. Resolvidas essas pendências – e é alvissareiro que as partes envolvidas tenham desfeito este nó –, é importante que esse entendimento não seja visto como um ponto final em uma controvérsia, mas sirva como ponto de partida para um trabalho conjunto com medidas que tenham em mente o bem-estar do passageiro.

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