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Oexercício do poder de polícia administrativa é uma atividade típica de Estado, não podendo ser delegada a particulares ou empresas com natureza jurídica de direito privado

O trânsito é, antes de mais nada, uma questão de segurança pública e o exercício do poder de polícia pela Urbs afronta não apenas os artigos 173 e 175 da Constituição Federal, como também o artigo 144 da mesma, vez que, inexistindo órgão legalmente competente da administração pública direta em Curitiba, a relevante tarefa compete à Polícia Militar, através do BPTran em fiel observância à legislação de trânsito.

O poder de polícia está definido no artigo 78 do Código Tributário Nacional, como "a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos".

Como atividade indissociável da ideia de Estado, o poder de polícia somente pode ser exercido por órgãos da administração pública direta, enquanto poder público, o que afasta a atuação das entidades paraestatais, como empresas públicas, sociedades de economia mista ou outras entidades que explorem atividade econômica que somente podem receber delegação de poderes para a prestação dos denominados serviços "impróprios", ou "não típicos do Estado".

O exercício do poder de polícia de trânsito é uma atividade jurídica exclusiva do poder administrativo do Estado e jamais poderá ser exercido por entidade que congregue capital ou interesse particular, ou por seus agentes, por não restar vínculo direto e estrito com o poder público.

Assim, aplicar multas, arrecadar, apreender veículos, julgar motoristas infratores e tantas outras inerentes à fiscalização e garantia da paz e segurança no trânsito é, segundo o artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro, exercício de poder de polícia que compete ao poder público municipal, portanto, indelegável a ente privado, ainda que sob a forma de empresa estatal.

É incompatível a Urbs aplicar multas e ser remunerada pelo Município em 4% pelos valores recolhidos ao Fundo de Urbanização de Curitiba, (artigo 10 da Lei Municipal n.º 4.369/72) ou ainda, nos termos do artigo 41 do seu Estatuto Social, deduzir 25% do lucro líquido para distribuição como dividendos aos acionistas representados por uma seguradora, fundos de pensão, políticos e empresários, demonstrando assim um conflito de interesses entre segurança do trânsito e exploração da atividade econômica pelo Estado.

Assim, não há qualquer sombra de dúvida quanto à impossibilidade jurídica de um ente de natureza privada, como no caso da Urbs S/A, exercer poder de polícia, pois está em causa a restrição à liberdade e a propriedade do administrado, além da insustentável violação ao Estado Democrático de Direito (art. 1.º da Constituição Federal).

Algumas decisões judiciais já reconheceram a indelegabilidade do poder de polícia a pessoa jurídica de direito privado: 1.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Paraná, Autos n.º 24 – 09.2010.8.16.0179; Superior Tribunal de Justiça, caso da BHTrans, autos n.º 817.354; Supremo Tribunal Federal, autos da Adin n.º 1717; Tribunal de Justiça do Paraná, Adin n.º 52764-2.

Portanto, no âmbito do trânsito, o exercício do poder de polícia administrativa é uma atividade típica de Estado, não podendo ser delegada a particulares ou empresas com natureza jurídica de direito privado, ainda que constituída de patrimônio público e tendo como sócio majoritário o Município, pois os atos administrativos praticados por essas entidades são nulos, por falta de competência, o que permite aos administrados buscarem o reembolso dos valores que indevidamente recolheram.

Reginaldo Koga é advogado.

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