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O presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Alexandre Curi (PSD), promulgou nesta segunda-feira (22) o primeiro Código de Ética e Decoro Parlamentar com regras sobre a conduta dos deputados estaduais. Segundo a Casa, a resolução foi proposta para dar mais segurança jurídica ao trabalho do Conselho de Ética, sobrecarregado por denúncias motivadas principalmente pelos ataques em discursos e confusões entre parlamentares.
No entanto, o código de ética não trata dos acordos de não persecução cível ou penal, conhecidos pelas siglas ANPC e ANPP, firmados com o Ministério Público do Paraná (MP-PR) e homologados pelo Poder Judiciário, que já beneficiaram deputados paranaenses em casos de corrupção.
Questionado pela Gazeta do Povo, Curi respondeu que os acordos dizem respeito ao Ministério Público e aos parlamentares envolvidos, sem interferência da Assembleia Legislativa. Para o presidente da Alep, a Casa deve atuar em relação à quebra de decoro ocorrida durante o mandato dos deputados estaduais, independente da celebração dos acordos.
“Não cabe à Mesa, não cabe ao Conselho de Ética atuar em casos que não aconteceram durante o mandato. Mas nada impede que o Conselho de Ética possa atuar por quebra do decoro, ou por qualquer improbidade ou ato de processo criminal que seja cometido na gestão, independentemente do acordo”, justificou Curi.
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Um caso emblemático no Paraná veio à tona no final de 2023, quando a imprensa foi censurada por noticiar o acordo firmado pelo ex-presidente da Alep Ademar Traiano (PSD). O deputado aliado do governador Ratinho Junior (PSD) confessou o recebimento de propina no valor de R$ 100 mil para continuidade de um contrato de serviços para produção de conteúdos na TV Assembleia em 2015. O ex-deputado Plauto Miró também recebeu a quantia como propina.
Após o escândalo, Traiano afirmou que o acordo é previsto pela legislação e disse que a devolução do dinheiro público “custou quase R$ 700 mil”, durante uma entrevista à Jovem Pan. Apesar da pressão pela renúncia, o deputado do PSD manteve o cargo até o final de 2024 e na sequência foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Legislativo estadual.
No ano passado, Traiano foi denunciado por quebra de decoro por causa do acordo com confissão de recebimento de propina, mas o parecer do Conselho de Ética, entre os colegas deputados, absolveu o então presidente da Casa. A denúncia foi feita pelo petista Renato Freitas, deputado estadual que chamou Traiano de corrupto durante um bate-boca no plenário.

O parlamentar do PT tem um longo histórico de confusões na Casa e, recentemente, teve as prerrogativas suspensas após ser acusado de incitar manifestantes a invadirem o plenário durante a votação do projeto de gestão compartilhada de escolas públicas com o setor privado. Freitas recorreu da decisão do Legislativo e conseguiu reverter a suspensão na Justiça. Durante a disputa judicial, Freitas criticou o Código de Ética da Alep que, na avaliação dele, seria uma forma de tentar calar a oposição dos parlamentares na Casa.
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O caso mais recente de acordo envolvendo um deputado estadual paranaense é o de Moacyr Fadel (PSD). Segundo informações da RPCTV, Fadel assumiu ter recebido R$ 15 mil de propina de uma empresa de transporte público do município de Castro, onde ele foi prefeito em 2009, conforme o ANPP. Em nota, a Assembleia Legislativa disse que o caso ocorreu "muito antes" do ingresso do deputado na Alep. “Trata-se de questão de caráter pessoal do parlamentar, não relacionada às atividades ou decisões desta Casa de Leis.”
O líder da oposição no Legislativo do Paraná, Requião Filho (PDT), apresentou uma emenda à resolução que criou o Código de Ética da Alep para incluir a celebração de acordos de não persecução cível ou penal entre os “atos incompatíveis e atentatórios à ética e ao decoro parlamentar”, com a possibilidade de perda do mandato.
Ele afirma que a emenda foi barrada pela CCJ — presidida por Traiano — e sequer foi votada pelos deputados no plenário. “É um código que aceita a corrupção. A Assembleia permite essa flexibilização no conceito de ética e moral. É, realmente, um absurdo. Mostra que o código é mais para conter discursos em plenário do que para trazer a ética propriamente dita para dentro da política”, critica o parlamentar, em entrevista à Gazeta do Povo.
Durante a tramitação da resolução, 17 emendas foram apresentadas pelos deputados paranaenses, sendo que a maioria foi aceita pela CCJ e aprovada em plenário. Requião Filho reconhece a importância das medidas previstas na normativa para conter os excessos dos parlamentares, mas enfatiza que, na avaliação dele, o combate à corrupção não foi contemplado.
“É uma ferramenta que pode ser usada mais para perseguir deputados, conter discursos, do que para combater a corrupção e inserir a ética na política. É quase uma peça de marketing”, acusa ele.
Principais sanções previstas pelo novo Código de Ética da Alep
Advertência verbal
- Perturbar a ordem em sessões ou reuniões.
- Descumprir regras de boa conduta nas dependências da Casa.
Advertência escrita
- Usar expressões ofensivas em discursos ou proposições.
- Ofender verbal ou moralmente pessoas no prédio da Alep.
- Desrespeitar deputados ou autoridades.
- Divulgar crimes contra a honra em redes sociais ou mídia.
- Expor objetos/materiais na Alep sem autorização.
Suspensão de prerrogativas (30 a 180 dias)
- Praticar violência política de gênero.
- Cometer infrações graves que afetem a dignidade do mandato.
- Perder direitos regimentais (uso da palavra, cargos e relatorias).
Suspensão do mandato (30 a 120 dias, sem salário)
- Usar cargo para constranger ou aliciar em troca de favores.
- Usar verbas públicas em desacordo com princípios constitucionais.
- Fraudar andamento dos trabalhos legislativos.
- Relatar matéria de interesse de financiador de campanha.
Perda do mandato
- Agressões físicas ou assédio (sexual, moral ou injúria racial).
- Abuso de prerrogativas.
- Receber vantagens indevidas.
- Vender ou condicionar posse de suplente.
- Omitir ou falsificar informações patrimoniais.
- Reincidir em suspensão do mandato.
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O que são os acordos de não persecução cível ou penal
Os acordos de não persecução cível ou penal são instrumentos legais previstos pela Justiça consensual no Brasil a partir do Pacote Anticrime de 2019, que também regulamentou a delação premiada. Assim, casos de corrupção passaram a ser enquadrados nos acordos como crime de “menor potencial” com a recuperação dos recursos desviados, o que conforme o MP-PR, justifica o uso do instrumento, principalmente quando o investigado tem uma idade avançada e o crime corre risco de prescrição.
A legislação brasileira não prevê a perda de mandato do eleito pelo voto popular. Apesar da ausência de menção direta a esses instrumentos jurídicos, o Código de Ética da Alep abrange de forma genérica condutas graves que motivam a celebração dos acordos, como atos que envolvem ilegalidades, improbidade e violação dos deveres parlamentares.
Embora o código de ética não use a palavra "corrupção" de forma isolada, o documento estabelece penalidades para atos que constituem crimes contra o patrimônio público, desvio de finalidade e recebimento de benefícios ilícitos. No caso dos acordos de não persecução cível ou penal, a homologação judicial exige que a infração não tenha sido praticada com violência, tenha pena mínima inferior a quatro anos, além da reparação de danos, renúncia de bens ilícitos e confissão de delito.
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