A participação de trabalhadores de origem estrangeira nas indústrias do país, principalmente nas empresas do agro, foi evidenciada na explosão de um complexo de armazenagem de grãos na cooperativa C.Vale, no Paraná. Entre os dez mortos, oito eram haitianos. Também revela a busca destes trabalhadores por mais dignidade e qualidade de vida, muitos fugindo de guerras, perseguições políticas, religiosas ou da fome.
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O extrato da defasagem profissional na região oeste do Paraná, uma das maiores produtoras de proteína animal no país, indica que plantas industriais estão travando e enfrentam dificuldades para a expansão. A condição não se aplica só ao Paraná e abrange outros estados com características industriais, principalmente no segmento agro.
A avaliação é do próprio setor produtivo. No oeste do Paraná estão cinco das dez maiores cooperativas do agro brasileiro e é lá que se busca, de forma desesperada, pelo preenchimento de 12 mil vagas de empregos que, apesar dos esforços, seguem abertas ao longo dos últimos meses, impedindo o avanço de estruturas inteiras e pondo em risco, inclusive, turnos de trabalho já existentes.
O industrial e presidente do Programa Oeste em Desenvolvimento (POD), Rainer Zielasko, afirma que uma grande indústria que abate cerca de 300 mil aves e 7,5 mil suínos por dia na cidade de Toledo, a 550 quilômetros de Curitiba, não conseguiu abrir um terceiro turno. “A empresa tentou muito. Apesar do mercado para compra do produto e a produção garantida no campo, a falta de profissionais nas fábricas fez com que a planta recuasse na decisão de mais um turno de trabalho. Temos frigoríficos que estão com mais de mil vagas abertas há meses, mas não têm conseguido preencher”, afirmou.
A região com 50 municípios não é a mais populosa do Paraná: concentra cerca de 1,3 milhão de habitantes de um total de 11,4 milhões no estado, segundo o censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas gera uma economia que impacta em cerca de R$ 100 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) estadual. “Temos uma produção com muito valor agregado. O oeste responde pelos maiores plantéis de frango e de suínos do Paraná e do Brasil, somos os maiores produtores de tilápias do país, mas sem profissionais, não temos como avançar”, reforçou o industrial.
Em busca de alternativas para atrair profissionais para a região, um Encontro de Empregabilidade deve ser realizado ainda em agosto. Originalmente programado para julho, foi cancelado após a explosão dos silos em Palotina.
“Mais do que termos os trabalhadores, precisamos da contrapartida do poder público para infraestrutura nos municípios para receber esses profissionais e suas famílias. Grande parte das nossas vagas são preenchidas por trabalhadores estrangeiros que chegam em busca de uma vida melhor e isso requer adaptação de todos”, seguiu Zielasko.
De olho nos estrangeiros
O setor produtivo tem encontrado respaldo para o preenchimento de parte das vagas com profissionais estrangeiros. Gente vinda de todos os cantos do mundo, a maioria em busca de um recomeço. “Vim de Cuba e deixei tudo para trás, vida, família, sonhos. Estou recomeçando e tudo é muito difícil nesse recomeço e mais difícil ainda encontrar uma nova vida, uma reconstrução do outro lado do mundo”, conta Juan Cadal, em um português ainda arrastado.
Com a necessidade de adaptação no acolhimento desses profissionais, a indústria tem visto seus diferentes ambientes assumirem os mais diversos sotaques, vestes e culturas. “Os RHs, as indústrias, os empresários estão se adaptando a esse novo momento e esses migrantes são extremamente importantes, precisam ser valorizados. É importante esse respeito, essa interação e reconhecimento da cultura e dos costumes”, destacou Zielasko.
São cerca de 12 mil estrangeiros regularmente estabelecidos no oeste do Paraná, segundo dados da Polícia Federal. Metade deles trabalha nas indústrias, mas ainda há outro percalço a se vencer. Muitos trabalhadores demoram meses para conseguir todos os documentos necessários para trabalhar no Brasil, o atraso tem se dado na própria PF que, aos poucos, tem se estruturado para dar mais agilidade ao procedimento. A demora também exigiu adequação nas indústrias. “Antes um trabalhador precisava ir até a delegacia da PF mais próxima, as vezes ir até mais de uma vez, esperar meses pelos atendimentos, hoje já temos alguns RHs que estão habilitados a encaminhar a agilizar esse atendimentos facilitando o processo de contratação”, reforçou Rainer.
Escardelll Nicolas é de origem haitiana e está se adaptando à vida no Brasil. “Sempre tive o sonho de ter um lugar para morar, algo para comer, sai do Haiti porque lá é difícil, não tem trabalho, a comida é difícil, escola é bem pior lá, vim atrás de um sonho, de ter comida na mesa, ter trabalho, estudo, vim procurar uma oportunidade e aqui no Brasil eu encontrei essa oportunidade de ter algo melhor, algo que nunca tive na vida. Eu me emociono, nunca teria essa oportunidade no meu país”, contou.
Escardelli aprendeu a costurar e está empregada no segmento. Com a costura, aprendeu a reconstruir a vida. “E eu estou reconstruindo a vida para mim, para minha filha e para os outros que ficaram no Haiti, tenho esperança”, seguiu.
A coordenadora da Embaixada Solidária, Edna Nunes, atua no recebimento e auxilia no encaminhamento de profissionais estrangeiros ao mercado de trabalho no oeste do Paraná. A organização do terceiro setor já recebeu pessoas de mais de 30 países e faz uma importante ponte à empregabilidade.
“Não podemos ver essas pessoas como uma ameaça, com preconceito muito menos que estão vindo tirar empregos de brasileiros. Os brasileiros não querem esses postos de trabalho e para os estrangeiros essa é uma oportunidade de recomeçar a vida, de conquistar dignidade. Também não podemos confundir essas pessoas com o governo de seus países, são seres humanos que estão em busca de algo melhor para si e suas famílias”, destacou.
Segundo Edna, quase todos s atendimentos realizados pela Embaixada revelam uma face triste dessa migração. “Se essas pessoas tivessem condições permaneceriam nos seus países, se tivessem emprego, ambiente político, religioso, ninguém larga tudo para trás para recomeçar em outro país se não for por uma necessidade extrema”, completou.
Se antes a maior parte dos migrantes que chegava ao oeste do Paraná desembarcava do Haiti, hoje a condição já se mescla com a América do Sul que está nesse lugar de destaque. “Estamos recebendo muitos argentinos, cubanos, venezuelanos, tem sido frequente”, completou a coordenadora da Embaixada Solidária que desenvolve um trabalho em parceria com o POD.
Cooperativa precisa de mil trabalhadores
O CEO da Cooperativa Frimesa, Elias Zydek, responde pelo maior player para produção e comercialização de carne suína do Paraná e quarto do Brasil. A cooperativa inaugurou em dezembro de 2022 aquele que será o maior frigorífico de abate suíno da América Latina. A capacidade, quando a indústria estiver em pleno funcionamento, será de 15 mil animais por dia. Neste momento são 3 mil suínos/dia e os planos são para evoluir a 5 mil/suínos dia até o fim do ano, mas o desafio é árduo e esbarra na falta de gente para trabalhar.
Exportadora para pelo menos 12 países e com contratos de entrega batendo à porta, Zydek está procurando profissionais. “Somente nesta estrutura (frigorífico localizado no município de Assis Chateaubriand) temos no momento 1,7 mil funcionários, mas precisamos, de todo jeito, de mais mil profissionais até o fim do ano. Não temos a opção de não contratar porque precisamos cumprir contrato, a produção está no campo. Neste momento temos no complexo 500 vagas abertas e nossa capacidade de expansão depende destes profissionais. Sem dúvida esse é o nosso maior gargalo”, reforçou.
Ao todo a Frimesa, que tem sede no município de Medianeira, no oeste do Paraná, tem 11 mil profissionais.
A cooperativa está entre as maiores do Brasil no segmento carnes e somente em 2022 teve um faturamento de R$ 7,1 bilhões. “Queremos avançar, abrir mercado, promover desenvolvimento e renda, mas temos os fatores limitantes e a falta de profissionais é o principal deles considerado o fator mais emergencial neste momento”, reforçou.
O desafio de Zydek não para por aí. Até 2030, quando sua planta estiver 100% ativa, ele vai precisar de mais 8,5 mil trabalhadores e os problemas também são analisados em médio prazo.
“Conseguimos robotizar uma série de etapas, caminhamos muito com relação a isso, mas precisamos de muitos profissionais até porque nossa rotatividade é grande, gira em torno de 25% ao ano. Estamos sempre contratando, mas onde estão ou onde buscar esses trabalhadores?”, questionou.
Sotaques e costumes que se misturam
O industrial Rainker Zielasko tem uma indústria de fios onde emprega 900 pessoas. Um terço delas veio de outros países. “Isso exigiu uma adaptação e todas as indústrias do oeste do Paraná estão focadas nesta adaptação”, considerou.
Rainer destacou ainda outro aspecto. A elevação de salários-base e benefícios para atrair profissionais. “O salário na indústria é superior aos R$ 2 mil, mais benefícios, mas também precisamos pensar em ter escolas de qualidade em tempo integral que possa oferecer capacitação específica em contraturno, creches aonde as mães possam deixar seus filhos para trabalhar sabendo que seus filhos estão em segurança e bem cuidados, enfim, precisamos de uma rede de apoio e de estrutura”, alertou o empresário.
Para Edna Nunes, hoje é possível afirmar que, sem os estrangeiros, as indústrias da região já não teriam o mínimo de recursos humanos para operarem e haveria perdas econômicas consideráveis.
Em Toledo existem cerca de 3,5 mil estrangeiros morando e trabalhando. Além da estrutura de apoio oferecida pelo poder público, a prefeitura passou a investir em cursos para ensiná-los a falar português. Em parceria com uma universidade local, as capacitações estão em curso para diminuir barreiras e facilitar a adaptação. A secretária de Políticas para Infância, Juventude, Mulher, Família e Desenvolvimento Humano (SMDH), Rosiany Favareto alerta para a importância da iniciativa.
“Com a mudança de país, os migrantes sofrem com inúmeras dificuldades como: clima, cultura, economia, idioma e, em algumas situações, com xenofobia. Tendo em vista que nesses processos migratórios, para que os migrantes acessem as diversas políticas públicas, há a necessidade de domínio da língua portuguesa para a melhor compreensão e atendimento oferecido”, concluiu.
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