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Fisalização
Estados fronteiriços, como Mato Grosso do Sul e Paraná, têm prejuízos milionários na arrecadação de impostos por causa do contrabando| Foto: Fernando Oliveira/PRF

Em um julgamento realizado no último mês de setembro, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que contrabandistas pegos com até mil maços de cigarros podem ser beneficiados pelo chamado Princípio da Insignificância. Desta forma, o STJ passou a reconhecer que criminosos pegos com contrabando teriam sua conduta classificada como sendo de baixa reprovabilidade – na prática, para o tribunal, não há necessidade de punir o contrabandista nem de se recorrer aos meios judiciais.

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Mas para o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona, esse entendimento pode aumentar a evasão fiscal provocada pelo contrabando de cigarros e fortalecer o crime organizado. Em entrevista à Gazeta do Povo, Vismona criticou a decisão e apontou para os riscos nos estados com alto consumo do produto irregular.

Dados da Receita Federal mostram que, em 2022, os cigarros ilegais responderam por quase 27% do total de mercadorias contrabandeadas apreendidas. Somados, os mais de 162 milhões de maços de cigarros recolhidos pela Receita pesaram quase oito toneladas e meia, e representam mais de R$ 815 milhões em valor de mercado.

Os números expressivos do fisco se complementam com os dados do levantamento anual feito pelo Instituto Ipec-Inteligência a pedido do FNCP. Durante o ano passado, 41% dos cigarros comercializados no Brasil têm origem ilegal. Porém, em estados fronteiriços como Paraná e Mato Grosso do Sul, a presença dos cigarros ilegais é ainda maior – 62% e 75%, respectivamente.

“No Paraná, somente em 2022, o Estado deixou de arrecadar R$ 462 milhões em impostos. Isso mostra que o crime organizado já dominou o mercado paranaense. Mas o Mato Grosso do Sul é quem tem a pior situação. Por lá 75% dos cigarros vendidos são ilegais. Isso quer dizer que a cada quatro maços vendidos, três vieram do contrabando. É uma brutal evasão de impostos”, disse.

Vismona também alertou para o fato de o texto da reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados prever o que ficou conhecido como “imposto do pecado” – uma alíquota ainda maior sobre produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente, como as bebidas alcoólicas e os cigarros. Para o presidente do FNCP, o contrabando passará a dominar o mercado de cigarros se a carga tributária aumenta ainda mais. Em alguns estados, a taxa já chega a 90%.

“É isso que o contrabandista quer, que se aumente o preço do cigarro legal. O consumidor de baixa renda já não quer mais saber do cigarro nacional, ele se preocupa só com o preço mais baixo. E se a carga tributária aumentar mais ainda, essa procura vai crescer em igual medida. O cigarro contrabandeado do Paraguai, por exemplo, quando paga imposto lá é de 13%. Isso torna a concorrência totalmente desleal. Não tem como concorrer. Quando o imposto cresce, o contrabando agradece”, afirmou.

Crime organizado alicia jovens e evasão escolar aumenta

Outro ponto de preocupação do presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade é com a crescente cooptação de jovens de regiões de fronteira pelo crime organizado para a cadeia de contrabando dos cigarros. Segundo Edson Vismona, há estudos que mostram que as taxas de evasão escolar em regiões onde há forte contrabando de cigarro seguem uma tendência de alta, junto com o aumento na movimentação de cargas de produtos ilegais.

“Essas estruturas criminosas vão aliciar cada vez mais jovens com uma argumentação simples, de que quem for pego com até mil maços não vai responder criminalmente. Esses jovens podem fazer esse contrabando de forma diluída para sempre ficar dentro da ‘margem de segurança’. Os criminosos podem fazer essas ofertas de ‘trabalho’, e isso nos assusta muito, dizendo que nada vai acontecer a esses jovens, que vão receber um dinheiro ‘limpo’ e absurdamente perverso. Mas uma vez dentro dessa estrutura criminosa, esses jovens não conseguem mais sair”, alerta.

Para ministro do STJ, apreensões de menos de mil maços de cigarro são ineficazes

No voto que prevaleceu durante o julgamento no STJ, o ministro Sebastião Reis Junior disse entender que, de modo geral, o contrabando não deveria ser enquadrado no princípio da insignificância. Mas uma posição adotada pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, limitando a quantidade em mil maços, “não só é razoável do ponto de vista jurídico como ostenta uma base estatística sólida para sua adoção”.

Para Reis Junior, impedir a aplicação do princípio da insignificância nas apreensões de até mil maços de cigarro seria ineficaz para a proteção da saúde pública, além de sobrecarregar indevidamente os entes estatais encarregados da persecução penal, “sobretudo na região de fronteira, com inúmeros inquéritos policiais e outros feitos criminais derivados de apreensões inexpressivas, drenando o tempo e os recursos indispensáveis para reprimir e punir o crime de vulto”.

Já Vismona tem uma outra interpretação da situação. Para o presidente do FNCP, com a decisão, o tribunal se fixou nos casos individuais e esqueceu de olhar o todo. “O problema não é esse, não é a pessoa que foi pega com até mil maços de cigarro, que muitas vezes estão acondicionados em um carro roubado. O problema é o que está por trás dessa pessoa. A decisão judicial ignora a estrutura que sustenta o contrabando, uma estrutura criminosa e organizada. E eles estão cada vez mais fortes, enfrentando o próprio Estado. O contrabando de cigarros é um dos eixos financiadores dessas organizações criminosas. O STJ olhou para a árvore e se esqueceu da floresta, esse é o problema”, concluiu.

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