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Caso Leandro Bossi: cartaz.
O menino era considerado desaparecido pela Polícia Civil do Paraná desde 1992.| Foto: Reprodução

O anúncio feito na última semana pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) a respeito do caso Leandro Bossi trouxe luz a fatos ocorridos há 30 anos no litoral do Paraná. O menino, que até então era tido como desaparecido, teve a morte confirmada pelo secretário Wagner Mesquita após uma análise genética de fragmentos de uma ossada encontrada em 1993, em meio às investigações do caso Evandro. A expectativa é que essa fosse a primeira de muitas repostas a serem dadas sobre o crime cometido contra o menino, que tinha sete anos quando foi morto. A realidade, porém, pode fazer desta a única certeza a respeito do caso.

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Esta é a avaliação do advogado especialista em direito penal, execução penal, criminalidade, criminologia e professor do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Michael Miyazaki. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele afirmou ser muito difícil identificar os suspeitos e as circunstâncias da morte de Leandro com base nos materiais e evidências que estão em posse do Estado.

As amostras de fragmentos usadas para identificar o corpo de Leandro Bossi, desaparecido no ano de 1992, são de uma ossada encontrada em Guaratuba e que estavam com a Polícia Científica do Paraná desde a época do crime. Trinta anos depois, a Polícia Científica refez o exame da mesma ossada, que continuava armazenada pelo órgão, cruzando com material genético de mães de oito crianças desaparecidas. Uma dessas amostras deu resultado 99,9% compatível com a mãe de Leandro Bossi.

Tratamento dado às evidências do caso Leandro Bossi pode inviabilizar descobertas

De acordo com o especialista, o tratamento dado ao material genético na época do crime, desde a coleta até o armazenamento, não seguiu os padrões legais da chamada Cadeia de Custódia. A figura jurídica estabelece regras e procedimentos que precisam ser cumpridos para que se documente toda a história cronológica dos vestígios coletados em locais ou junto às vítimas de um crime.

“Os fragmentos ósseos que foram encaminhados a Brasília, ninguém sabe de onde eles surgiram. Esses materiais estavam identificados no IML? São oito os fragmentos enviados. São todos da mesma pessoa? São de pessoas diferentes? Não temos essas respostas”, questionou o advogado.

Para Miyazaki, a forma como essas evidências foram tratadas no momento da coleta, ainda em 1993, pode ter como resultado prático a inviabilização de futuras investigações sobre a morte do menino Leandro. “Na época, costumava-se lavar os corpos e os pertences das vítimas. Todo o material passava por essa lavagem para, acreditava-se, tirar possíveis contaminações. As roupas, chinelos que foram encontrados junto a esse corpo, eram lavados. A técnica que se empregava exigia essa ‘limpeza’, e isso certamente tirou qualquer possibilidade de identificação de possíveis suspeitos”, detalhou.

Para especialista, Estado "não tem legitimidade para condenar" com base nas provas

Por fim, o advogado aponta que o anúncio feito pelo secretário Mesquita foi uma forma de o Estado do Paraná tentar “reparar os danos” causados pelas investigações anteriores. Tais “danos”, explicou Miyazaki, se mostraram evidentes após o trabalho do jornalista e professor Ivan Mizanzuk, que em 2018 lançou o podcast “Projetos Humanos – O Caso Evandro”, que deu origem à série “Caso Evandro”, lançada em maio na plataforma de streaming Globoplay com direção do cineasta Aly Muritiba.

“A Sesp fez esse anúncio simplesmente para falar que não se trata mais de um caso de desaparecimento, e sim um caso de homicídio. Talvez, em decorrência das fitas que mostraram as torturas durante as confissões dos acusados, agora eles estejam tentando reparar um dano causado pelo contexto que foi criado à época. Há 30 anos, buscou-se dar uma resposta mais rápida do que certa", analisa.

Desta forma, para o especialista criminal, como não houve essa Cadeia de Custódia, houve uma quebra dessas regras, e é muito difícil incriminar alguém por qualquer prova pericial nesse contexto. "Ficou mais do que notório que o IML não tinha condições de armazenamento desses materiais, o trabalho não foi feito da forma adequada. O Estado do Paraná, hoje, não teria legitimidade para impor uma condenação contra alguém com base nas provas periciais desse caso”, afirmou.

Veja as respostas da Sesp, Polícia Civil e Polícia Científica

Procurada pela reportagem, a Sesp afirmou, por meio de nota, que “tem como política pública de segurança a busca da verdade real, ainda que se trate de casos antigos e eventualmente arquivados”. A secretaria também garantiu que “tem empregado e empregará todos os recursos tecnológicos disponíveis para elucidação de autoria e circunstâncias dos delitos cometidos no Paraná”. A pasta não se pronunciou a respeito das alegações de Michael Miyazaki sobre as falhas no manuseio e no armazenamento das provas colhidas no Caso Leandro.

A Polícia Científica explicou, também em nota, que as amostras analisadas estiveram sob sua custódia nos últimos 30 anos. Não há mais detalhes sobre a forma como esse material esteve armazenado por esse período, apenas a informação de que se trata de fragmentos ósseos, e não da ossada completa. As amostras, confirmou a Polícia Científica, são de três casos de desaparecimentos ocorridos no início dos anos 1990. Por fim, a nota garante que todos os restos mortais não identificados em posse do Estado estão sendo processados como parte da Campanha Nacional de Desaparecidos.

A Polícia Civil confirmou que todos os casos não solucionados encontram-se com as investigações em aberto, e que as informações arquivadas junto à Justiça serão requisitadas. A nota enviada à Gazeta do Povo informa que “assim que o material estiver em posse da PCPR, este será reanalisado com intuito de se buscar e produzir novas provas que possam justificar a reabertura do inquérito para investigação de eventual crime de homicídio”. A investigação, explicou a Polícia Civil, ficará a cargo da Delegacia de Guaratuba.

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