| Foto: Rogério Machado/Arquivo/Gazeta do Povo
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Desde a década de 1970, costuma-se dizer que o Paraná é o “celeiro do Brasil”. O reconhecimento não foi talhado à toa e continua como uma verdade, afinal, o agronegócio é a força da economia paranaense. O estado é o maior produtor de frangos do país e o segundo maior produtor de grãos e de leite. Em 2019, o governador Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD) afirmou querer consolidar o Paraná como o maior produtor de alimentos do planeta. Apesar de toda a força rural do estado, entretanto, um ponto ainda merece preocupação: a conectividade no campo.

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Ainda que o Paraná conte com 305,1 mil propriedades rurais e 847 mil pessoas ocupadas em atividades agropecuárias, 56,8% desses estabelecimentos não possuem acesso à Internet. Os dados são da última edição do Censo Agropecuário, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no segundo semestre de 2019. Importante ressaltar que, para o IBGE, estabelecimentos rurais são propriedades onde a produção agropecuária se desenvolve como atividade de renda. Terras usadas para mineração, sítios e chácaras de lazer e áreas militares não são consideradas.

O Paraná está à frente do cenário nacional, em que 71,9% das propriedades rurais estão desconectadas, mas atrás de estados como Santa Catarina e São Paulo. Levando em consideração que a agricultura é a força da economia paranaense, o número deve ser analisado com cautela.

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Sobre o assunto, Nilson Hanke Camargo, assessor técnico e econômico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Sistema Faep), é taxativo: “se você não acompanhar a tecnologia, fica para trás. Estar a par do desenvolvimento tecnológico é uma questão fundamental para que o agronegócio se desenvolva”.

Segundo Camargo, foi justamente pelo fato de a maior parte do Paraná rural ainda não estar conectado que a Faep desistiu, recentemente, de colocar no ar um curso à distância (EAD) voltado aos agricultores. Na visão dele, não ter acesso à Internet faz com que esses produtores, consequentemente, não tenham acesso a diversas tecnologias que poderiam ser usadas a seu favor como, por exemplo, drones, que auxiliam em pontos que vão desde o acompanhamento do desenvolvimento da safra até a busca por animais perdidos, passando pelo monitoramento de áreas de desmatamento e focos de incêndio.

“O proprietário não tem tanto essa preocupação porque, normalmente, ele mora na cidade, onde o acesso à Internet é facilitado. Mas o funcionário que fica na zona rural precisa, sim, estar conectado e atualizado em relação a novas tecnologias. O setor de agricultura de precisão evolui de forma absurdamente veloz”, diz o assessor técnico da Faep.

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Falha na conexão

A opinião do especialista vai ao encontro do que apontam pesquisas específicas a respeito da conectividade no campo. Em estudo de 2018 (“Pesquisa Conectividade no Campo”), encomendado pela Elsys, empresa brasileira do ramo de eletroeletrônicos e telecomunicações, realizado com agricultores e pecuaristas de 12 estados brasileiros, incluindo o Paraná, 84,4% dos entrevistados apontaram que a conexão à Internet falha ou inexistente interfere negativamente nos negócios.

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Na pesquisa, os produtores afirmaram que a falta de sinal dificulta pontos como o contato com clientes e fornecedores, a checagem da previsão do tempo, o monitoramento da propriedade, vendas por site ou aplicativo e até o uso da máquina de cartão de crédito ou débito. Camargo afirma que muitos agricultores driblam essas dificuldades telefonando - 80% das propriedades rurais paranaenses possuem telefone, de acordo com o Censo Agropecuário - ou até mesmo indo presencialmente às cooperativas às quais são vinculados. “Diariamente o produtor vai à cooperativa conferir os preços de commodities, verificar com os assessores técnicos como resolver questões operacionais, conversar com os agentes das cooperativas”, exemplifica.

O que ocorre, portanto, é que problemas relativamente simples, que muitas vezes poderiam ser resolvidos em uma troca de mensagens por aplicativos, precisam ser solucionados de forma presencial, exigindo um deslocamento que poderia ser evitado. A “perda de tempo”, inclusive, foi outra questão trazida pelos entrevistados na pesquisa encomendada pela Elsys.

Redes sociais aliadas ao agronegócio

O mesmo estudo demonstrou quais são os aplicativos considerados essenciais pelo homem do campo: WhatsApp, e-mail e apps ligados à meteorologia, cotação de preços e notícias.

Já levantamento da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA), também de 2018, que entrevistou 2,8 mil produtores de 15 estados brasileiros, trouxe que o WhatsApp é a mídia social mais utilizada por esse público, vez que 96% dos agricultores que têm acesso à Internet utilizam o mensageiro.

Levando em consideração que as empresas têm usado cada vez mais o WhatsApp como ferramenta de negócio, é possível afirmar que, a partir do momento em que os produtores rurais não têm acesso à ferramenta devido à falta de conexão com a Internet, o negócio acaba prejudicado. A título de comparação, 73% das micro e pequenas empresas paranaenses se comunicam com clientes por meio do aplicativo e troca de mensagens, segundo pesquisa “Transformação Digital nas MPE”, realizada pelo Sebrae em 2018.

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Democratização do acesso no Paraná

Sobre o assunto, o Governo do Paraná ressaltou que o Serviço de Telecomunicações no Brasil é prestado em regime privado e sob regulação federal. Da parte do estado, caberia a proposição de incentivos para ampliar e melhorar os serviços prestados pelas operadoras.

“Como se trata de um regime de mercado, é natural que as áreas com maior população [urbanas] tenham prioridade na implantação de redes de telecomunicações. Com a expansão das tecnologias, em especial a 4G, esse acesso evoluiu, graças à capacidade de cobertura e entrega de banda, mas ainda é preciso ampliar a oferta”, diz a Administração a respeito da falta de conexão no campo.

De acordo com o governo estadual, atualmente há um grupo de trabalho formado envolvendo a Agência Paraná de Desenvolvimento, a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) e a Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab) voltado à democratização da Internet nas zonas rurais. O objetivo, segundo o Poder Público, é desenvolver um conjunto de ações e incentivos, como isenção de impostos e financiamentos a juros baixos, além de políticas públicas ligadas à questão.

“O programa está em fase de pesquisa e de articulação com empresas e entidades do agrobusiness, como cooperativas, fabricantes de máquinas agrícolas, operadoras de telefonia, empresas de infraestrutura na área de telecomunicação e órgãos reguladores. Estão sendo levantadas as necessidades do setor agrícola e de modernização de legislação e mapeadas as diferentes e mais novas soluções existentes no mercado, que se enquadrem em termos de custo e benefício na demanda dos produtores e população do campo”, afirma.

O Paraná também aguarda definições do Governo Federal a respeito. Segundo a Administração estadual, o Ministério da Agricultura e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações iniciaram, no segundo semestre de 2019, trabalho conjunto para desenvolver políticas públicas que contribuam para ampliar a conectividade no campo. No ano passado o governador Carlos Massa Ratinho Júnior e o ministro Marcos Pontes chegaram a se encontrar para tratar do assunto, e o Paraná demonstrou “total interesse em participar desse processo”.

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