| Foto: Gerson Klaina / Tribuna do Paraná
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Dentre as três capitais do sul do Brasil, Florianópolis tem mostrado dados surpreendentes no combate à Covid-19. A capital catarinense ficou por quase duas semanas sem registrar nenhuma morte provocada pela infecção do novo coronavírus – depois de um registro feito no dia 4 de julho, os dados oficiais de Santa Catarina mostram que uma nova morte só foi registrada no dia 18 do mesmo mês, como informou a assessoria de imprensa da Prefeitura de Florianópolis à Gazeta do Povo.

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A título de comparação, Curitiba também registrou 13 dias sem mortes por Covid, mas não de forma contínua: eles ocorreram em períodos separados, entre janeiro e abril de 2021. Já em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, não houve um só dia em 2021 sem pelo menos uma morte por Covid registrada nos dados oficiais da saúde do município.

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Depois da morte apontada em 18 de julho, dois novos óbitos por Covid foram contabilizados em Florianópolis no dia 23. Estes são os únicos registros dos últimos nove dias, até esta quarta-feira (28), na capital catarinense. Já em Curitiba, no mesmo período, o Painel Covid da Secretaria Municipal de Saúde registrou 139 mortes pela doença.

A reportagem ouviu o secretário municipal de Saúde de Florianópolis, Carlos Alberto Justo da Silva, sobre os bons números do combate à pandemia na cidade. Em entrevista por telefone, o secretário reforçou que não há uma única “solução mágica” que possa ser replicada em outros locais. Por outro lado, ele apontou três pilares que podem ter ajudado no trabalho: busca ativa de pacientes para a vacinação; capacitação dos profissionais das unidades de tratamento intensivo; e a colaboração da população em manter as medidas preventivas.

Segundo o secretário, mais da metade da população de Florianópolis já recebeu ao menos uma dose das vacinas contra a Covid. Se for levada em conta a população acima de 18 anos, o público-alvo do plano nacional de imunização, o índice sobe para mais de 70%. Mas em algumas faixas etárias essa cobertura ultrapassou o número esperado de pessoas que receberiam as doses.

“Os dados do IBGE dos últimos 10 anos estão defasados, e muitas vezes as grandes cidades, principalmente as capitais, têm uma população muito maior do que a estimada nesses dados. Estamos atingindo índices de cobertura dentro de algumas faixas etárias na casa dos 110%, 120%. Essa busca ativa e os cadastros atualizados que temos junto às equipes da atenção primária nos ajudam a saber onde estão essas pessoas, e facilita o trabalho de trazê-las à vacinação. Isso nos ajuda também a dimensionar corretamente a aplicação das segundas doses sem que haja perdas”, explicou Silva.

Curitiba estima o público-alvo da campanha de vacinação contra a Covid, pessoas com mais de 18 anos de idade, em 1,4 milhões de habitantes. Segundo os dados oficiais do Vacinômetro, atualizados no último dia 26 de julho, 969.985 pessoas haviam recebido a primeira dose das vacinas contra a Covid, o que dá uma cobertura próxima dos 69%. Se forem levados em conta os mais de 1,9 milhões de habitantes, a imunização com a primeira dose alcançou 51% dos curitibanos.

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“Não abrimos nenhum hospital de campanha”

Outra estratégia adotada pela Prefeitura de Florianópolis foi a de priorizar a capacidade instalada dos hospitais da capital, sem a utilização de estruturas temporárias. “Não priorizamos em momento algum o modelo de hospitais de campanha. São hospitais feitos às pressas, algumas vezes com pessoal sem a devida capacitação, e que muitas vezes trazem um desfecho muito ruim para aqueles que lá entram. Isso pela falta de experiência do pessoal e da falta de condições e equipamentos desses locais. Nosso trabalho principal é diminuir ao máximo a quantidade de pessoas que precisem de atendimento médico, e para os casos que infelizmente evoluem para quadros graves da doença temos que oferecer o melhor tratamento possível”, apontou o secretário.

Na capital paranaense houve um entendimento semelhante. O Plano Municipal de Contingência da Pandemia de Curitiba, em 2020, apresentava um projeto de transformar o pavilhão de exposições do Parque Barigui em hospital de campanha se fosse necessário. Porém, o pavilhão acabou destinado à central de vacinação da Covid-19 desde janeiro de 2021. A prefeitura também declinou em março do ano passado da oferta da diretoria do Athletico Paranaense de instalar um hospital de campanha na Arena da Baixada, no bairro Água Verde. A opção, assim como na capital catarinense, se deu pela dificuldade em se montar uma estrutura temporária adequada ao atendimento dos pacientes.

Para o secretário catarinense, o ponto mais importante no combate à Covid em Florianópolis tem sido a colaboração das pessoas em relação às medidas restritivas, tanto no respeito ao isolamento social quanto ao uso contínuo de equipamentos de segurança, como as máscaras. Segundo Silva, a vacinação é importante, mas não é suficiente para frear a pandemia – o que só vai ocorrer com a participação de todos os cidadãos.

“Quando se ataca uma alta disseminação viral por meio da vacinação e dos protocolos de prevenção, diminui a quantidade de vírus circulante. Quando isso acontece, diminui também a possibilidade de surgirem cepas alternativas que podem circular e levar a infecções e casos mais graves. É importante que nós tenhamos esse trabalho de diminuição de pessoas contaminadas em um determinado território. Essa parceria da população em continuar respeitando os protocolos de segurança e prevenção, associada ao avanço da imunização, a mim parece decisiva para que nós possamos ter um horizonte próximo sem pandemia”, avaliou Silva.

“Não existem fórmulas mágicas. O que os gestores precisam fazer é se debruçar sobre a realidade de cada município. Florianópolis tem cerca de um milhão de habitantes em toda a região conurbada à capital, e isso é muito diferente de Curitiba que só em seu município tem quase dois milhões de pessoas. Nós também somos diferentes de uma cidadezinha do interior com 3 mil habitantes. Por isso não acreditamos em soluções prontas. O que existe é estudar muito bem a realidade de cada local e com base nesses dados tentar encontrar essas soluções”, concluiu o secretário.

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"A transmissão não é inevitável"

Por cerca de 30 dias a média móvel de mortes provocadas pela Covid-19 em Curitiba recuou diariamente. Em 23 de junho este índice era de 26 óbitos por dia, e no último dia 22 a taxa caiu para 13,7 mortes. Desde 23 de julho essa taxa vem mostrando uma tendência de alta, e chegou a 16 mortes diárias em média no último dia 27.

Apesar de o índice estar bastante abaixo do pico registrado em 21 de março, quando em média a Covid-19 fazia 42 vítimas fatais na capital paranaense todos os dias, a superintendente executiva da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, Beatriz Battistella, classificou a taxa como sendo “muito triste”.

A superintendente elencou aspectos que poderiam justificar os cenários tão diversos pelos quais Curitiba e Florianópolis estejam passando em relação à Covid-19. Por estar no litoral e não ter um inverno tão rigoroso quanto Curitiba, por exemplo, a capital catarinense pode ter sido favorecida em relação à ventilação natural dos ambientes na opinião de Beatriz. Mesmo assim, ela admite que há um fator preponderante nessa questão, que é a forma como as pessoas encaram a doença.

“O que faz com que haja essa diferença? Com certeza é a forma como cada indivíduo consegue entender seu papel na transmissão da doença. Essa transmissão não é inevitável, e com isso eu quero dizer que nem todo mundo obrigatoriamente uma hora ou outra vai ter contato com essa doença. Se forem interpostas barreiras, as medidas preventivas, então é possível fazer interromper esse fluxo de contaminação de outra forma além da vacina. Não é normal essa quantidade de mortes que estamos divulgando diariamente, é uma tristeza muito grande. Queremos muito que isso também aconteça por aqui”, explicou.

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Essa forma diferente de encarar a doença, nas palavras da superintendente, pode ser representada pelos casos de pessoas que não se vacinam e podem acabar desenvolvendo quadros graves de Covid. No outro extremo, são os pacientes que se contaminam, mas não desenvolvem casos graves da doença. Dessa forma, sem sintomas, acabam não entrando nas estatísticas por simplesmente não procurarem as unidades de saúde para fazer um teste, mesmo que os rápidos em farmácias. E essa situação tem se verificado de forma mais acentuada em Curitiba entre os adultos jovens, revelou Beatriz.

“Hoje nós estamos com um número muito alto de pessoas em transmissão ativa da Covid. São cerca de 7 mil casos ativos e identificados, mas esse número pode ser multiplicado por 4, 5, 10 porque nós não conseguimos rastrear todos os casos. Nosso sistema é muito sensível, temos notificação dos exames que nós fazemos, de toda a rede privada e de todas as farmácias. Claro que não vai captar aquela pessoa que tem um caso leve da doença e nem na farmácia vai para fazer um teste rápido. O comportamento das pessoas hoje é diretamente relacionado à transmissão da doença. O óbito está vindo em decorrência de um agravamento dos doentes. E este agravamento da doença hoje é muito mais significativo nas pessoas que ainda não se vacinaram. Naturalmente, isso hoje está em uma população adulta mais jovem, abaixo dos 50 anos”, apontou.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]