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MST INVASÃO – PONTA GROSSA – 08 FEVEREIRO 2010 – PARANÁ – Fazenda São Francisco 2, de propriedade do ex-coronel da PM, Waldir copetti Neves, que foi invadida por um grupo de sem-terra na manhã do dia 6 – foto Henry Milléo / Agência de Notícias Gazeta do Povo
MST INVASÃO – PONTA GROSSA – 08 FEVEREIRO 2010 – PARANÁ – Fazenda São Francisco 2, de propriedade do ex-coronel da PM, Waldir copetti Neves, que foi invadida por um grupo de sem-terra na manhã do dia 6 – foto Henry Milléo / Agência de Notícias Gazeta do Povo| Foto: GAZETA

O Paraná tem 72 áreas urbanas e 109 propriedades rurais invadidas que possuem reintegração de posse em processos com transitado em julgado, quando não cabem mais recursos às decisões judiciais. Os dados, da Superintendência Geral de Diálogos e Interação Social (Sudis) e da Comissão de Mediação de Conflitos Fundiários, evidenciam que, na prática, essas propriedades teriam de ter retornado aos proprietários. Mas seguem nas mãos de invasores.

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Todos esses processos estão com a Coordenadoria Especial de Mediação de Conflitos de Terra (Coorterra), vinculada à Secretaria de Estado da Segurança Pública, informou a Sudis. A Coorterra atua, ao lado de outros órgãos, na mediação dos conflitos, orientando pela composição amistosa entre os envolvidos, por meio de audiências de conciliação. Composta e coordenada por policiais militares, a Coorterra é, no Paraná, o órgão designado para organizar as operações para as reintegrações de posse.

Entre os territórios invadidos e com decisão em trânsito em julgado a favor dos proprietários está a Fazenda São Paulo, localizada no município de Barbosa Ferraz, na região noroeste paranaense. “Essa era uma propriedade rural que viria a ser ícone na região, detentora de índices de produtividade dos mais elevados em termos nacionais. Produzia-se ali inicialmente café, milho, feijão e óleo de hortelã. Após o ano de 1975, dizimados os cafezais por forte geada que assolou o estado do Paraná, a propriedade rural passou a produzir bovinos, leite, trigo, soja, feijão, arroz e sorgo”, argumenta Vânia Borgheti, integrante da família proprietária da fazenda.

Em 2005, quando os donos iniciam a instalação da piscicultura, a fazenda foi invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). “São 17 anos e os proprietários vêm sofrendo intensos prejuízos, inclusive os trabalhadores, que às centenas se relacionavam direta ou indiretamente com a produção agropecuária do imóvel. Sob total conhecimento do Poder Executivo, como é comum nas invasões que promovem os vândalos do MST, destruíram ou tomaram para si os bens de produção da Fazenda São Paulo na totalidade, entre eles casas, galpões, instalações e máquinas agrícolas, tratores, colheitadeiras, cercas, árvores comerciais plantadas, além de bovinos, equinos e pequenos animais”, critica Vânia.

Ela pontua que a terra havia sido considerada produtiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em datas anteriores à ocupação. “Portanto, imune por lei à desapropriação, a Fazenda São Paulo obteve liminar de reintegração de posse alguns dias após ter sido invadida. Reintegrada em 2008, poucos dias após foi reinvadida. Desde então vergonhosamente os sucessivos governos do Estado do Paraná, por razões políticas populistas, vêm desobedecendo a sentença judicial, negando-se ao envio de forças policiais para efetivar a reintegração de posse do imóvel rural”, segue.

Os não cumprimentos judiciais para reintegração de posse são temas antigos e polêmicos no Paraná. Em 2017, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) chegou a ser instalada pela Assembleia Legislativa (Alep) para investigar questões fundiárias pelo estado. De prático, pouco se extraiu dela.

Protestos na tribuna da Alep contra o não cumprimento de reintegrações de posse

Em novembro do ano passado, o não cumprimento das decisões judiciais para reintegrações de posse no Paraná foi tema de um forte discurso do então deputado estadual Homero Marchese (Republicanos) na tribuna da Alep. “Eu fui procurado por esse proprietário de terra [da Fazenda São Paulo] quando estava numa exposição em Maringá, ele chegou com uma pastinha embaixo do braço. Estava lá também o senhor governador Ratinho Junior, recebeu a mesma pastinha. Nós fizemos o ofício para a Secretaria de Segurança Pública em 2019. Não foi respondido. Fizemos um ofício em 2022. Também não foi respondido. Fizemos uma reunião com a Sudis, com o senhor Roland Rutyna, que prometeu resolver algo, mas não resolveu, talvez porque seja um simpatizante do MST”, protestou o parlamentar.

À época, Marchese também teceu críticas para a Comissão de Conflitos Fundiários no Paraná e ao desembargador Fernando Prazeres, que está no comando a comissão. “ (...) no seu relatório encaminhado no processo [da Fazenda São Paulo], apesar de dois juízes de primeiro grau e vários desembargadores do Tribunal de Justiça terem demonstrado claramente que a invasão foi ilícita, que a terra foi invadida porque era produtiva, o desembargador Fernando Prazeres vai até o local e faz afirmações como a seguinte: 'a causa principal da ocupação estava no fato de a área não cumprir com a sua função social, na medida em que pouco produzia e abrigava centenas de cabeças de gado que estavam à míngua'. Mentira, desembargador Fernando, mentiram pro senhor. O senhor tinha uma decisão transitada em julgado para respeitar e não respeitou”, seguiu o ex-deputado.

Procurada pela reportagem, a assessoria do desembargador afirmou que tentaria um encaixe na agenda do magistrado para entrevista. A Gazeta do Povo segue aguardando um retorno e o espaço continua aberta para manifestação.

Sudis: negociações para desocupação de áreas invadidas nunca pararam

O superintendente da Superintendência de Diálogo e Interação Social (Sudis) do governo do Paraná, Roland Rutyna, rebateu as críticas de Homero Marchese. Afirmou que as reintegrações de posse não caminharam nos últimos anos por uma série de questões, entre elas a pandemia de Covid-19, quando os processos de devolução aos proprietários ficaram suspensos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), medida que se estendeu até outubro de 2022.

“Mas as negociações, o diálogo, as medidas cabíveis nunca pararam. O Paraná adotou uma metodologia modelo para o Brasil em resolução de conflitos fundiários. Temos uma comissão que busca resolver isso com o diálogo pacificado e é possível fazer assim, estamos fazendo assim e teremos excelentes resultados”, afirma Rutyna.

O superintendente avalia que, neste início de ano, algumas medidas importantes foram adotadas. “Junto com a Superintendência do Incra no Paraná houve o mapeamento de 17 propriedades rurais onde se observa uma necessidade emergencial de que passem pelo processo de conciliação e desocupação (veja relação das propriedades ao fim da reportagem)”, apresenta à Gazeta do Povo.

A lista traz grandes áreas rurais invadidas há décadas, como a Fazenda São Paulo, em Barbosa Ferraz, que aparece como a oitava na relação prioritária para as desocupações. A primeira listada é a fazenda da família Festugato em Cascavel, no oeste do Paraná, seguida pela Fazenda Brasileira, no município de Faxinal. as duas foram invadidas no ano de 2003.

“As negociações nessas áreas já iniciaram. Cabe ao Incra fazer a reforma agrária, mas o Paraná tem inovado, auxiliando, e em breve teremos novidades importantes. Em todas essas terras há negociação para que sejam desocupadas de forma pacífica e as famílias serem alocadas em áreas próprias para a reforma agrária”, promete o superintendente.

Segundo Rutyna, todas as 109 propriedades "são prioridade", mas aponta que as 17 elencadas é nas quais o esforço vai se intensificar, num primeiro momento, em ação conjunta com a Superintendência do Incra no Paraná. "Nos últimos anos o Incra havia ficado praticamente fora desse processo [das reintegrações e reforma agrária], mas agora estamos retomando essas medidas”, afirma ele.

Rutyna diz que não se pode afirmar com precisão quantas pessoas vivem em áreas ocupadas no Paraná, mas que uma estimativa do próprio MST indica algo próximo a 22 mil pessoas. “E essas desocupações podem ser feitas de forma pacífica pela solução de conflitos. E isso será feito”, assegura.

O Incra também foi procurado pela reportagem da Gazeta do Povo. Por meio da assessoria de imprensa, informou que faria a apuração dos fatos relacionados, mas até a publicação desta reportagem, não havia se pronunciado.

Judiciário do Paraná mantém Comissão de Conflitos Fundiários

No âmbito judicial, o acompanhamento dos casos de reintegração em áreas invadidas é gerido pelos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) Fundiário. A finalidade é a realização de audiências de mediação ou conciliação em ações que envolvem conflitos fundiários “em que litigam grupos de pessoas hipossuficientes, com ou sem liderança organizada, cuja ocupação de área urbana ou rural é causadora de relevante impacto ambiental, urbanístico, social e econômico”.

A atuação do órgão é precedida pela Comissão de Conflitos Fundiários, criada em 2019 no âmbito do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). É composta atualmente por três desembargadores, três juízes de direito e uma servidora efetiva. A proposta do grupo é evitar o uso de força pública, das polícias, no cumprimento de mandados de reintegração de posse e minimizar os efeitos destrutivos e danosos das desocupações, no que diz respeito às pessoas em vulnerabilidade social reconhecida. “Tem atuado na busca de solução consensual para os conflitos possessórios de natureza coletiva, por meio de técnicas de mediação com as partes envolvidas, destacando-se dentre as suas atividades as visitas técnicas às ocupações urbanas e rurais e a intensa interlocução com as partes, órgãos de Estado e os movimentos sociais”, consta em trecho da descrição da comissão no site do TJ-PR.

90 processos judiciais sobre áreas invadidas em fase de conciliação

Em nota, o governo Ratinho Junior comentou as manifestações públicas do ex-deputado Homero Marchese e respondeu sobre a paralisação das reintegrações de posse nos últimos anos. “De acordo com determinação do Supremo Tribunal Federal (Ação Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 828), as instâncias envolvidas em processos como esses devem cumprir alguns requisitos, como ciência prévia, ouvir os representantes das comunidades afetadas, prazo razoável para a desocupação pela população envolvida e, principalmente, adoção de mecanismos de conciliação, como o Cejusc”, destacou o governo estadual.

Segundo o governo do Paraná, estão em fase de conciliação 90 processos judiciais envolvendo o Executivo, que visam a desocupação voluntária das áreas ou a manutenção das pessoas com a devida regularização. “Nenhum tem solução definitiva. Ou seja, não há nenhum processo pendente de cumprimento de reintegração por parte da Polícia Militar do Paraná”, afirmou.

Sobre o caso específico da Fazenda São Paulo, no noroeste do Paraná, o governo destacou que “a decisão do STF na ação citada anteriormente suspendeu a execução e ainda não houve audiência. Os órgãos envolvidos são, além do Estado, o município de Barbosa Ferraz e seus órgãos de assistência e a Defensoria Pública”, completou.

CNA pede reintegrações e segurança jurídica

Em dezembro do ano passado, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) entrou com recurso no STF para assegurar o cumprimento imediato dos mandatos de reintegração de posse de propriedades rurais ocupadas ilegalmente e garantir segurança jurídica ao setor agropecuário.

Não há registros precisos de quantas propriedades rurais estejam invadidas no Brasil, mas a CNA reforçou que o embargo declaratório “contesta a decisão cautelar da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental 828 que determinou, em novembro do ano passado, a instalação de comissões de conflitos fundiários nos tribunais para mediar questões envolvendo despejos ou desocupações antes de qualquer decisão judicial”.

De acordo com a CNA, “estas comissões criariam um regime transitório que daria morosidade às decisões judiciais de reintegração e posse”. A entidade também avaliou que a decisão iria contra o respeito ao Estado de Direito e ignoras as diretrizes da Lei nº. 14.216/2021, que excluiu os imóveis rurais das questões referentes à reintegração de posse em razão da pandemia. “O ministro Luís Roberto Barroso determinou a criação destas comissões como uma espécie de regime transitório sem considerar a lei em vigor e o direito de propriedade assegurado na Constituição”, declarou a CNA.

Na justificativa para a decisão, Barroso afirmou que se tratava de uma medida de transição para reduzir os impactos habitacionais e humanitários em casos de desocupação coletiva. Durante a pandemia, o ministro considerou que despejos em meio à crise da Covid-19 poderiam prejudicar famílias vulneráveis. No fim de 2021, o ministro prorrogou a proibição de despejos até 31 de março de 2022. Depois, em uma terceira decisão, deu prazo até 31 de junho e, por fim, estendeu a proibição até 31 de outubro de 2022.

Ao analisar um novo pedido de prorrogação feito por partidos políticos e movimentos sociais, o ministro decidiu atender em parte. Barroso não prorrogou novamente a proibição de despejos, mas determinou um regime de transição a ser adotado após quase um ano e meio de proibição das desocupações.

O que devem fazer os tribunais, segundo o STF

Pela decisão do ministro Luiz Roberto Barroso, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais deveriam instalar, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que sirvam de apoio aos juízes. “De início, as comissões precisam elaborar estratégia para retomar decisões de reintegração de posse suspensas, de maneira gradual e escalonada”, alertou o ministro em sua decisão.

“As comissões de conflitos fundiários devem realizar inspeções judiciais e audiências de mediação antes de qualquer decisão para desocupação, mesmo em locais nos quais já haja decisões que determinem despejos. Ministério Público e Defensoria Pública devem participar. Além de decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que resultem em remoções também devem ser avisadas previamente, e as comunidades afetadas devem ser ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas para resguardo do direito à moradia, proibindo em qualquer situação a separação de integrantes de uma mesma família”, estabelece a decisão individual, que será levada a referendo no Plenário Virtual.

Na decisão, Barroso mencionou as medidas adotadas pelo Tribunal de Justiça do Paraná que, segundo ele, “desenvolveu um modelo bem sucedido de comissão, que pode ser exemplo para outros tribunais”. Ele destacou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderá atuar como órgão de consultoria e capacitação para essas comissões.

Áreas prioritárias para acordos de desocupação, segundo a Sudis

Confira a lista dos 17 locais apontados pela Sudis, como prioritárias para acordos de desocupação no Paraná:

  • 1 - Complexo Cajati/Festugato: município de Cascavel
  • 2 - Fazenda Brasileira, município de Faxinal
  • 3 - Grupo Atalla: municípios de Porecatu, Alvorada do Sul, Centenário do Sul e Florestópolis
  • 4 - Capão do Cipó: município de Castro
  • 5 – Araupel: município de Quedas do Iguaçu
  • 6 – Propriedade de Emiliano Zapata/Emater: município de Ponta Grossa
  • 7 - Fazenda Perdigão: município de Querência do Norte
  • 8 - Fazenda São Paulo: município de Barbosa Ferraz
  • 9 - Fazenda Conquista/Nutrimental: município de Boa Ventura de São Roque
  • 10 – Áreas ocupadas no município de Pinhão (diversos processos)
  • 11 - Fazenda Besouro: município de Catanduvas
  • 12 - Fazenda Morungava: município de Sengés
  • 13 - Fazenda Curi: município de Guarapuava
  • 14 - Fazenda Barra Mansa: município de Arapoti
  • 15 - Fazenda Cacumbangue: municípios de Coronel Domingo Soares e Palmas
  • 16 - Fazenda Santa Catarina/Fazenda Reunidas: município de Engenheiro Beltrão
  • 17 - Fazenda Boito: municípios de Matelândia e Medianeira
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