Ônibus do transporte coletivo de Curitiba.| Foto: Gerson Klaina/Tribuna do Paraná
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Está tramitando na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), desde 2019, um projeto de lei que prevê estender para todo o estado uma realidade que hoje só acontece em Curitiba: a participação do governo do Estado no custeio do sistema de transporte coletivo. A exclusividade é contestada pelos autores do projeto, que propõem que o estado subsidie, pelo menos, o transporte coletivo de municípios paranaenses com ao menos 300 mil habitantes. Mas por que isso só ocorre em Curitiba?

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Para um dos autores do projeto de lei, o deputado estadual Goura (PDT), a resposta para esta pergunta está na política. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele lembrou das origens do subsídio e dos repasses que foram criados quando o prefeito de Curitiba era do grupo político do governador. Os repasses foram suspensos quando um adversário assumiu a prefeitura, e posteriormente retomados com a vitória de um outro aliado.

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“A nossa crítica é que esse subsídio vem sendo concedido sem nenhum critério de impessoalidade, de isonomia, de acordo com os princípios que devem reger a administração pública. É simplesmente uma conveniência política entre o Palácio Iguaçu e o Palácio 29 de Março. É algo escandaloso, porque o subsídio é previsto na lei federal da mobilidade urbana de 2012 como uma ferramenta para baratear a tarifa para o usuário, para criar um ciclo virtuoso onde os usuários paguem menos e usem mais o transporte coletivo. Infelizmente, aqui no Paraná isso não está acontecendo. Mesmo com o subsídio, a tarifa vem aumentando”, declarou o deputado.

Para autor do projeto de lei, falta transparência e controle social sobre os repasses

Goura criticou o modelo atual de concessão de subsídios, e apontou falta de transparência no controle dos repasses feitos pelo governo do Paraná à Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec) e à Urbs, que coordenam o sistema. “Curitiba recebe o subsídio, mas a gente não tem um mínimo controle social sobre esse recurso. O Conselho Municipal de Transporte que deveria fazer esse trabalho segue desativado, segue desprestigiado. Não adianta dar o subsídio e não ter mecanismos de fiscalização, de controle social, de transparência. Senão, fica tudo muito fácil, os empresários recebem essa bolada sem nenhum controle, nenhuma fiscalização”, disparou.

Em nota, a Comec informou à reportagem que “todos os dados [sobre os repasses] são regularmente apresentados e auditados pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná e demais órgãos de controle, tendo as suas contas aprovadas com regularidade”. Ainda sobre a crítica do deputado, a Comec afirmou que “a remuneração paga para as empresas é fixada em contrato e faz parte do cálculo da tarifa amplamente conhecida pelos órgãos de controle e homologada pela Agepar, e tem como base o capital investido pelos empresários, assim como qualquer outro tipo de investimento, não cabendo ao empresário decidir sobre a destinação destes recursos. É errônea e irresponsável a afirmação de que os empresários ‘recebem esta bolada’”.

A Urbs, também por meio de nota, apontou que os dados sobre os custos do transporte coletivo são auditados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) e também pelo Ministério Público, e que estão disponíveis ao público no site da empresa. “O subsídio não é apenas para a capital, mas sim para garantir que os 2,25 milhões de passageiros dos municípios da região metropolitana que ingressam no sistema de transporte coletivo de Curitiba não tenham que pagar uma nova passagem. Sem o recurso, a tarifa ao usuário seria de R$ 6,36, podendo chegar a R$ 7,12. Hoje o usuário paga R$ 5,50”, apontou a nota.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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Texto está pela terceira vez na CCJ da Assembleia Legislativa

Depois de ter tramitado por duas vezes pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alep, o projeto de lei voltou mais uma vez para apreciação da comissão. A última movimentação foi no fim de 2019, e agora o projeto precisa entrar na pauta da CCJ novamente para que possa avançar na Casa.

Procurado pela reportagem, o deputado Nelson Justus (União Brasil), presidente da CCJ da Alep, confirmou que após a última passagem pela comissão o projeto recebeu ponderações e alterações da Secretaria Estadual de Fazenda e da Comec. Agora, afirmou o presidente, é preciso que se designe um relator para que então o texto volte à pauta da CCJ.

O deputado Homero Marchese (REP), em entrevista à Gazeta do Povo, demonstrou interesse em ser o relator do texto na comissão. Segundo ele, os contratos entre as prefeituras e as empresas de ônibus têm sido onerados em todas as regiões do estado, e restringir o subsídio estadual apenas para a região metropolitana de Curitiba seria uma afronta ao princípio da isonomia.

“Me parece uma injustiça muito clara, porque o governo está fazendo essa ajuda com recursos arrecadados no estado todo, de todos os contribuintes paranaenses. Independente da origem, todos esses contribuintes, de todas as cidades, estão pagando para que o transporte coletivo de Curitiba e Região Metropolitana seja mais barato. No mínimo, deveria haver uma política de subsídio para o estado inteiro, e não só para uma região. É isso que esse bom projeto estabelece, e é algo totalmente constitucional”, avaliou.

Modelo atual usa recursos de todos os contribuintes

Esse é um dos apontamentos feitos pelo diretor de Transportes da Companhia Municipal de Transportes e Urbanização de Londrina (CMTU), Wilson de Jesus. Ele participou da audiência pública realizada no início do mês, na qual o projeto de lei foi apresentado e discutido. De acordo com o diretor, desde 2015 o transporte coletivo foi alçado à condição de direito social na Constituição Federal, ao lado de Saúde, Educação, Habitação e outros.

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Mas na prática, para funcionar como tal, é necessário que as esferas federal e estadual atuem em parceria com o município, apontou Jesus. “Nesse subsídio que o governo do Estado paga para o transporte coletivo de Curitiba tem dinheiro dos contribuintes de Londrina também. Agora, se os contribuintes de Londrina ajudam a baixar o valor da passagem de ônibus de Curitiba, não seria justo que eles pudessem ter a própria passagem mais barata? Por que esses recursos que saem daqui não podem retornar para Londrina? Londrina chegou a uma tarifa de R$ 4, mas que poderia ser de R$ 2 se houvesse essa participação dos outros entes. Se fosse a R$ 2, a população teria muito mais benefícios”, questionou.

A reportagem procurou a Casa Civil do governo do Paraná para responder esse questionamento. Em nota, a pasta garantiu que o governo do Estado “dialoga com deputados estaduais, prefeitos e lideranças estaduais sobre possibilidades de extensão para outros municípios”. Porém, a Casa Civil confirmou que “ainda é necessária a criação de um plano para estruturação desses incentivos e não há prazo determinado para a estruturação”.