| Foto: Evaristo Sa/AFP

Em uma decisão histórica e polêmica, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 6 votos a 5, negar o habeas corpus preventivo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão abre caminho para que o petista seja preso antes do trânsito em julgado do processo do tríplex do Guarujá, já que está condenado em duas instâncias judiciais.

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Lula, que se apresenta como pré-candidato à Presidência da República, apesar de estar enquadrado na Lei da Ficha Limpa, foi considerado culpado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Primeiro pelo juiz federal Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e depois por um colegiado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o Tribunal da Lava Jato.

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Agora, Lula poderá iniciar imediatamente o cumprimento da pena de 12 anos e um mês de cadeia. O pedido de prisão deverá ser feito pelo próprio Moro, assim que o processo for formalmente encerrado no TRF-4. Com a decisão do Supremo, fica sem efeito o salvo-conduto concedido no mês passado ao ex-presidente, que proibia sua prisão até o julgamento final do habeas corpus.

A defesa de Lula ainda tem direito a recorrer contra a condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no próprio STF. É possível ainda a apresentação de embargos de declaração no TRF-4 contra os embargos de declaração negados anteriormente, mas o tribunal não costuma aceitar esse tipo de recurso.

Votaram contra a concessão do habeas corpus os ministros Edson Fachin (relator), Luis Roberto Barroso, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Foram a favor do pedido de Lula os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

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O resultado do julgamento desta quarta-feira, embora não tenha repercussão geral, é indicativo de que o atual entendimento, firmado em 2016, de que condenados em segunda instância da Justiça devem iniciar o cumprimento da pena, mesmo que ainda estejam recorrendo a tribunais superiores, é um assunto não pacificado na Corte. Uma possível revisão desse entendimento seria um duro golpe contra a Operação Lava Jato e outras investigações de corrupção e crimes do colarinho branco.

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O voto de Rosa Weber, como já se esperava, foi o fiel da balança. Até então o posicionamento dela era uma incógnita. Pessoalmente, a ministra é contrária à prisão em segunda instância, mas em suas decisões monocráticas ou nos julgamentos nas turmas da Corte sempre respeitou a decisão da maioria formada em 2016.

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Ao proferir seu voto, a ministra levou em consideração apenas o julgamento do habeas corpus específico de Lula. Por isso, respeitou o entendimento do STF sobre a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância. A ministra, porém, pontuou que pessoalmente é contrária a esse entendimento.

Para Rosa, a simples mudança de composição do STF não é motivo para mudar a jurisprudência do tribunal. Em 2016, a composição do STF contava com o ministro Teori Zavascki, morto em um acidente de avião no início do ano passado e que votou com a maioria dos ministros para autorizar as prisões. Ele foi substituído por Alexandre de Moraes, que votou contra o HC nessa quarta.

Além disso, a ministra defendeu a importância da segurança jurídica e disse ser crucial seguir a jurisprudência. Ela destacou que as instituições devem proteger os cidadãos de “incertezas desnecessárias” em relação a seus direitos.

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As argumentações dos ministros

O julgamento começou por volta das 14 horas, com a leitura do voto do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF. Fachin votou contra a concessão do habeas corpus ao ex-presidente, alegando que não há ilegalidade ou abuso em autorizar a prisão de réus condenados em segunda instância.

O segundo a votar foi o ministro Gilmar Mendes, que pediu para adiantar seu voto por causa de compromissos no exterior. O ministro participa de um evento em Portugal e voltou ao Brasil na manhã desta quarta-feira (4) só para participar do julgamento e tem retorno previsto para Lisboa ainda na noite dessa quarta.

Mendes votou a favor do habeas corpus. Em 2016, quando o STF firmou o atual entendimento pela possibilidade de prisão em segunda instância, ele votou a favor dessa possibilidade, mas mudou de ideia. Ao conceder o HC a Lula, Gilmar Mendes alegou que é incompatível com a presunção de inocência permitir a execução da pena antes do trânsito em julgado dos processos. “Sempre dissemos que a prisão é possibilidade jurídica, não uma obrigação”, alegou o ministro.

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O ministro Alexandre de Moraes foi o terceiro a votar e negou o HC ao ex-presidente Lula. O ministro alegou que dispositivos constitucionais não devem ser interpretados literalmente que o princípio de inocência não impede a execução da pena a partir de condenação em segunda instância. Para o ministro, se o princípio da presunção de inocência não impede as prisões preventivas, que têm pressupostos mais frágeis, segundo Moraes, não deve impedir a execução da pena, baseada em pressupostos mais sérios.

O ministro Luis Roberto Barroso começou seu voto afirmando que o que está em discussão no STF não é o legado político do ex-presidente, mas a aplicação da jurisprudência firmada pela Corte sobre a prisão em segunda instância. Barroso votou contra o habeas corpus, seguindo o voto do relator, ministro Edson Fachin, e do ministro Alexandre de Moraes. O ministro citou casos emblemáticos que terminaram em impunidade. “Me recuso a participar de um sistema de Justiça que não funcione”, disse Barroso, para defender a prisão de Lula. Ele também destacou que uma mudança no entendimento do Supremo sobre o tema acabaria com o estímulo à colaboração premiada, instrumento importante para as investigações da Lava Jato.

O ministro Luiz Fux disse que o princípio de presunção de inocência vale enquanto ainda não se tem decisão sobre o mérito, pois após evidenciado culpa, não caberia mais esse debate. “Sociedade não consegue entender como pessoa segue sem cumprir pena mesmo depois de muitos anos depois de condenada”, afirmou. Fux continuou afirmando que é preciso entender o que a sociedade precisa, não de forma a submeter a Corte ao que o povo quer, mas que as decisões da Corte sejam recebidas pela sociedade. “Instituição que não se respeita não pode usufruir do respeito da sociedade”, disse.

Diferença no placar começou a diminuir – em vão

Nesse momento, o placar marcou 5 votos a 1 contra o habeas corpus. A diferença começou a diminuir, em vão, com o ministro Dias Toffoli. Ele foi o primeiro a seguir o voto de Gilmar Mendes, a favor do habeas corpus de Lula. Para Toffoli, só é possível considerar alguém culpado depois do trânsito em julgado do processo penal condenatório e, por isso, a prisão só pode ocorrer depois de esgotados todos os recursos.

Ricardo Lewandowski foi o ministro que proferiu o voto mais breve durante o julgamento – levou menos de meia hora para concluir seu posicionamento. O ministro lamentou o resultado contra o HC que se formava no plenário àquela altura. “Essa corte colocou direito sagrado à liberdade em patamar inferior ao direito de propriedade”, reclamou o ministro. “A liberdade de uma pessoa não existe contra cautela nenhuma, mas o perdimento de um bem, sim”, criticou. Lewandowski também apontou ilegalidades nas decisões do TRF-4 e do STJ. Ele criticou que os tribunais não fundamentaram suas decisões sobre o ex-presidente Lula, como prevê a Constituição.

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Relator das Ações de Declaração de Constitucionalidade que tratam de prisão em segunda instância no STF, o ministro Marco Aurélio voltou a cobrar, durante seu voto, que a presidente da Corte, ministra Carmen Lucia, coloque as ADCs em pauta para discussão mais abrangente do assunto. Ele criticou o atual entendimento do STF sobre o assunto, que permite prisão após segunda instância. “No Brasil, presume-se que todos são salafrários até que se prove o contrário”, disse. “Ninguém é a favor da corrupção”, defendeu-se Marco Aurélio. Segundo ele, a sociedade, se pudesse, construiria um “paredão” e fuzilaria todos os acusados de corrupção.

Penúltimo a votar, o decano Celso de Mello também votou a favor do HC de Lula. O ministro começou seu voto criticando a declaração do comandante do Exército que disse repudiar impunidade na véspera do julgamento. Segundo ele, a declaração é “inaceitável” do ponto de vista do respeito à Constituição. “Intervenções castrenses [militares] tendem a diminuir ou eliminar espaço ao dissenso, limitando, com danos ao regime democrático, a livre expansão da atividade política e da cidadania. Tudo isso é inaceitável. O respeito à Constituição é limite inultrapassável a agentes do Estado”, disse Mello.

Em relação ao mérito do HC, Celso de Mello destacou o papel contramajoritário do STF. Ele ressaltou que a Corte não pode votar de acordo com o apelo popular, e sim de acordo com a Constituição. Para Celso de Mello, é possível restringir a liberdade do réu antes do trânsito em julgado apenas em casos específicos: risco de fuga, destruição de provas, etcEle também rebateu a tese de que os réus usam recursos demais para evitar o fim dos processos. Para ele, se os recursos estão na lei, podem ser usados. O problema, segundo o ministro, é do Legislativo, não do Judiciário.

Com o placar empatado mais uma vez, coube a presidente do STF, Cármen Lúcia, dar o voto de minerva. Ela fez um voto breve em que falou em falta de eficácia do direito penal. Para ela, quem tem condições financeiras de apresentar mais recursos acaba tendo mais chances no Judiciário. Ela diz que não há hoje o mesmo quadro de 2016, quando o Supremo mudou entendimento estabelecido em 2009 que barrava a prisão de condenados antes do fim de todos os recursos.

Cármen Lúcia disse que é preciso dar ênfase ao princípio da igualdade. Em sua visão, não é certo tratar de maneira diferente os que têm mais ou menos recursos financeiros. “Admitir que o princípio da não culpabilidade penal seria impossibilitar qualquer atuação do Estado no sentido de se dar cobro, pode levar à impunidade”, disse. Ela, então, proclamou o resultado final do julgamento: 6 a 5 para negar o habeas corpus.

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