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Smartphones da Huawei em uma loja, em Pequim, na China.
Smartphones da Huawei em uma loja, em Pequim, na China.| Foto: Fred Dufour/AFP

Trinta anos após a queda do muro de Berlim e da cortina de ferro, que dividiu o mundo em dois blocos, uma nova cortina, dessa vez digital, ameaça separar novamente Oriente e Ocidente. A guerra comercial entre EUA e China estendeu-se também para uma linha de frente tecnológica, a internet de quinta geração ou 5G, depois que o governo americano resolveu banir a chinesa Huawei no país.

O presidente Donald Trump considera a empresa da China, que é líder mundial no setor, uma ameaça à segurança global cibernética e um cavalo de Troia do governo de Pequim para espionar Washington e os cidadãos americanos. Não é o único: os governos da Austrália, Nova Zelândia e Taiwan se alinharam à Casa Branca e também limitaram a atuação da empresa chinesa. Embora a Huawei seja uma firma de capital privado, os americanos temem que ela esteja a serviço do governo chinês.

Os boicotes não impedem à Huawei de continuar sua expansão mundial. Em junho, ela assinou um acordou com a maior empresa de telecomunicações da Rússia, a MTS, e no mês passado anunciou a construção de uma fábrica de celulares e tablets em São Paulo, em 2021. Um investimento de U$ 800 milhões. A multinacional já tem uma fábrica em Sorocaba, no interior paulista, com 2 mil funcionários diretos e 15 mil indiretos.

Bolsonaro recebe pressões norte-americanas para barrar a atuação da empresa chinesa no Brasil, mas o governo brasileiro por enquanto não atendeu ao pedido. Antes de o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciar o início das negociações comerciais para um acordo bilateral com os Estados Unidos, o vice-presidente Hamilton Mourão havia dito em entrevista ao jornal Valor Econômico que a Huawei não será banida do país. Já o chanceler Ernesto Araújo, em entrevista à revista Veja, dias depois, afirmou que as “preocupações americanas” têm de ser levadas em conta e que o governo quer “entender melhor quais são os eventuais problemas”.

Enquanto o governo tergiversa na questão, as quatro maiores operadoras de telefonia do Brasil continuam realizando testes de campo ou em laboratório com a tecnologia chinesa. Em junho, a TIM conduziu em parceria com a Huawei um projeto-piloto em Florianópolis. Outras demonstrações serão realizadas pela Ericsson em Minas Gerais e pela Nokia na Paraíba.

Nessa guerra fria tecnológica, o cenário é nebuloso. Vários países da Europa ainda avaliam a adoção da tecnologia chinesa, inclusive aliados históricos dos Estados Unidos, como Reino Unido, França, Alemanha, Canadá e Itália. A empresa chinesa diz conectar 3 bilhões de pessoas em 170 países.

Riscos da tecnologia 5G chinesa

Que a escolha sobre a tecnologia 5G seja estratégica e militar, e que a posição do governo brasileiro ainda está indefinida, foi confirmada pelo deputado e aspirante a embaixador Eduardo Bolsonaro. Um dia após Washington dar o seu aval para ele assumir a embaixada nos EUA, Eduardo pediu uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional “para esclarecer aos parlamentares e ao público o que envolve a tecnologia 5G”.

“O 5G não é só uma evolução do 3G e 4G. Trata-se de algo totalmente diferente. A revolução que se espera com o 5G será igual ou maior do que a da vinda da internet em nossas vidas, dizem alguns. Uma matéria dessa não pode ser tratada apenas pelo foco técnico. É uma questão de Estado”, escreveu no Twitter, o filho do presidente.

São temores justificados segundo uma reportagem publicada em julho pelo jornal britânico The Telegraph que mostrou que funcionários da Huawei já trabalharam para o governo da China em áreas estratégicas, como o Ministério da Segurança de Estado, e em projetos do exército. Alguns estudaram na academia militar e atuaram nas unidades ligadas a ataques cibernéticos a multinacionais americanas. O estudo analisou 25 mil currículos e descobriu que cerca de cem funcionários da Huawei têm ligações com agências de inteligência e do exército chinês, além de experiência em questões de segurança nacional.

Em visita ao Brasil, em julho, o secretário de comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, alertou o governo brasileiro em entrevista ao jornal Valor Econômico: “a economia chinesa é muito diferente das nossas. Você deve ter ciência de que existe uma lei na China que obriga empresas privadas a cooperar com os serviços militares e de inteligência, mantendo em segredo o nível de cooperação. Não temos isso nos EUA, não temos isso no Brasil. Só isso mostra a diferença de abordagem”.

A declaração causou uma reação de Pequim que, por meio de seu embaixador no Brasil, Yang Wanming, respondeu criticando as palavras “desfundamentadas” do representante americano. “A Huawei já está instalada no Brasil há mais de 20 anos, a segurança e confiabilidade dos seus equipamentos e serviços têm sido reconhecidos universalmente”, afirmou o embaixador.

China ou EUA?

Como se posicionará o governo Bolsonaro no tabuleiro internacional nessa guerra fria digital ainda não está claro. Sinais parecem mostrar a vontade de não desagradar nem a China nem os Estados Unidos. Os dois países estão entre os maiores parceiros comerciais do Brasil e o governo, enquanto faz um esforço de aproximação com os americanos, tenta ao mesmo tempo evitar que as relações com os chineses azedem.

“Tudo indica que, por mais que não exista um movimento direto de boicote ou de veto à tecnologia chinesa, a aproximação com os EUA mostra a orientação do governo”, avalia Ulisses Pereira dos Santos, professor do departamento de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo o especialista, esse alinhamento claro com a política econômica dos Estados Unidos, “pode favorecer as empresas americanas no Brasil”, embora não dê “para virar as costas para os investimentos chineses”.

Já na opinião de Ugo Silva Dias, professor do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB), é tarde demais para vetar a Huawei de operar no Brasil. “Se proibir, as operadoras de telefonia vão chegar no governo e perguntar: quem vai pagar a conta”, avalia o especialista.

Segundo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), das 86 mil estações de rádio base em operação no Brasil, cerca de 70 mil foram fabricadas pela Huawei, isto, é 80% do total. “No Brasil, a Huawei também tem atuado em parceria com a Anatel, como fornecedora de equipamento 5G nos testes que estão sendo realizados para verificação e validação do espetro de 3.5 GHz. Isso significa que a Huawei continua na dianteira do 5G no país”, diz Humberto Neto, diretor comercial da Huawei Brasil.

O professor Silva Dias atribui o sucesso da expansão da tecnologia chinesa a uma combinação de dois fatores: um produto “bom e confiável” com um “preço imbatível”. As principais concorrentes – a sueca Ericsson e a finlandês Nokia –, apesar do elevado nível tecnológico, não conseguem no momento competir no quesito custo.

“A Huawei é líder mundial em patentes de 5G e, pela primeira vez, alguém largou na frente dos Estados Unidos. Por isso, os EUA estão tentando reduzir essa diferença apostando no nível político. Porque é difícil no campo técnico”, avalia o professor. Segundo ele, se os americanos não conseguirem preencher rapidamente a lacuna tecnológica serão forçados a abrir o mercado para a Huawei, para não correr o risco de sofrer um atraso tecnológico seguido de um baque econômico.

“Nossas tecnologias 5G estão pelo menos dois anos na frente e serão líderes mundiais durante muito tempo”, disse Ren Zhengfei, chefe executivo de Huawei, em declarações citadas por jornais chineses. “Nossas estações de 5G podem ser instaladas manualmente. Não é preciso contar com torres e guindastes nem bloquear estradas para construí-las, já que têm o tamanho de uma maleta. Por isso, é justamente o departamento do 5G que tem sido alvo dos ataques dos EUA”.

Revolução das nossas vidas

A tecnologia 5G é considerada responsável pela próxima revolução industrial que trará a chamada Internet das Coisas (IoT) ao alcance de todos. A banda larga em 5G permite velocidades de até 100 mega ao usuário, dez vezes mais que o 4G.

Isso vai permitir, por exemplo, que carros autônomos circulem nas nossas cidades, que médicos realizem cirurgias via internet a milhares de quilômetros de distância, e que as cidades se tornem cada vez mais inteligentes. A produtividade industrial também deve dar um salto enorme.

Leilão das frequências do 5G

Inicialmente previsto para março de 2020, o leilão das frequências para a telefonia de quinta geração corre o risco de ser adiado. O presidente da Anatel, Leonardo de Morais, afirmou em maio que o “edital de direito de uso de radiofrequência será o maior da história da agência e vai envolver as faixas de 700 MHz, 2.3 GHz, 2.5 GHz e 26 GHz. A importância desses ativos de espectro é que quanto maior a disponibilidade, menor será o custo de levar essa capacidade”.

O órgão cogita incluir no leilão também as frequências 2.3 GHz e 3.5 GHz. A questão é que a frequência 3.5 GHz ainda é usada em zonas rurais para transmissões da TV aberta via antenas parabólicas. Outra dificuldade técnica é a necessidade de fibra óptica para a instalação da tecnologia 5G que tem que ser “cinco vezes maior do que a quantidade do que temos instalada hoje no país”, explica o vice-presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp), Tomás Fuchs.

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