Defesa de Bolsonaro alega do TSE que reunião com embaixadores tinha objetivo de dar mais transparência às urnas eletrônicas| Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE
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A ação mais avançada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível deu mais um passo na última quarta-feira (8), com os depoimentos do ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira (PP-PI), e do almirante Flávio Augusto Viana Rocha, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência. Falando na condição de testemunhas de defesa, eles foram chamados para rebater as acusações de abuso de poder, quando Bolsonaro reuniu embaixadores estrangeiros no ano passado para questionar as urnas eletrônicas.

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Mas, ambos disseram nas audiências que não participaram efetivamente da apresentação feita pelo ex-presidente aos diplomatas. Na ocasião, Bolsonaro relembrou o ataque hacker a sistemas do TSE em 2018 e criticou o então presidente da Corte, Edson Fachin, por ter anulado as condenações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2021. A decisão abriu caminho para que Lula se candidatasse em 2022.

A ação para tornar Bolsonaro inelegível foi apresentada pelo PDT em julho do ano passado. Ela foi a primeira investigação judicial eleitoral protocolada no TSE para tentar punir o ex-presidente pelas suspeitas que ele levantou contra o sistema de votação eletrônico.

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PDT diz que Bolsonaro queria deslegitimar eleição

O partido alegou suposto abuso de poder político. O argumento para tentar tornar Bolsonaro inelegível foi o de que o discurso contra as urnas tinha por objetivo final deslegitimar de antemão a eleição – sobretudo em caso de derrota de Bolsonaro, como se sucedeu. Assim, nas palavras do PDT, a “desordem informacional” sobre o meio de votação fazia parte da estratégia de campanha de Bolsonaro para mobilizar eleitores.

O risco de punição aumentou nas últimas semanas, especialmente após as invasões às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro. Os manifestantes agiram motivados pela revolta contra a eleição de Lula e a atuação do TSE durante a eleição, vista como parcial, em prejuízo de Bolsonaro.

Relator da ação, o ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, já anexou aos autos a minuta de um decreto, apreendida em janeiro na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. O documento sugeriria a Bolsonaro determinar um estado de defesa no TSE. O objetivo seria o “pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral de 2022” – na prática, anular a eleição de Lula, sob a premissa de que o pleito teria sido viciado, como já insinuava Bolsonaro. Mas nada disso aconteceu.

Ação corre para aproveitar composição do TSE mais hostil a Bolsonaro

O PDT adotou como estratégia acelerar o andamento da ação para tornar Bolsonaro inelegível, na expectativa de que o julgamento ocorra até maio. A ideia é aproveitar a atual composição do TSE, mais hostil a Bolsonaro. Dos sete ministros titulares, quatro adotaram, durante a campanha do ano passado, posições duras em relação ao ex-presidente: Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Benedito Gonçalves.

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A pressa se dá porque Lewandowski se aposentará em maio e dará lugar a Kassio Nunes Marques, indicado pelo ex-presidente e que se mantém fiel a ele.

Nesta quarta, os advogados do PDT, Ezikelly Barros e Walber Agra, pediram que, encerrado o depoimento de Ciro Nogueira e Flávio Rocha, fosse finalizada a “instrução probatória”. Trata-se de uma fase intermediária do processo destinada à produção de provas e realização de interrogatórios de testemunhas indicadas pelas partes.

Mas, para finalizar essa etapa, o plenário do TSE ainda precisa decidir se confirma ou reverte a decisão do relator, Benedito Gonçalves, de anexar ao processo a minuta do estado de defesa. Esse julgamento seria realizado na última quinta (9), mas foi adiado para a próxima terça (14), a pedido da defesa de Bolsonaro.

Defesa de Bolsonaro luta para ganhar tempo e escapar de armadilha

Na direção contrária do PDT, os advogados do ex-presidente querem retardar o processo. Para isso, pretendem apresentar mais testemunhas para depor, sob o argumento de que fatos novos – como a inclusão da minuta do decreto – passaram a fazer parte da ação. A estratégia é prolongar a tramitação para que o caso seja julgado só após a saída de Lewandowski do TSE. Nos bastidores da Corte, há o rumor de que o ministro já pode começar a preparar seu voto de antemão para participar do julgamento, caso ele seja marcado rapidamente.

Encerrada a fase probatória, o relator dará 5 dias para as partes apresentarem as alegações finais. Essa será a última oportunidade de acusação e da defesa se manifestarem. Depois, abre-se prazo para o Ministério Público opinar. Com esse parecer, Benedito Gonçalves poderá marcar data para o julgamento.

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Se tudo isso acontecer até maio, como o PDT espera, será um tempo rápido de tramitação para uma ação do tipo. Em geral, processos como esse costumam andar mais devagar, se arrastando por dois ou três anos.

Estratégia de Bolsonaro é contestar acusações também no STF

Além de tentar adiar ao máximo o julgamento, a defesa de Bolsonaro tem buscado confrontar as acusações, e não só no TSE. Na semana passada, os advogados do ex-presidente acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF), num recurso extraordinário, para derrubar a multa de R$ 25 mil imposta à sua campanha em razão da reunião com os embaixadores, em julho. A punição foi aplicada em ações distintas daquela que busca a inelegibilidade, por meio de representações por propaganda eleitoral irregular.

A linha de defesa do ex-presidente no TSE e no STF são semelhantes, e tocam em questões de cunho constitucional. À frente da equipe está o ex-ministro da Corte Eleitoral Tarcísio Vieira de Carvalho Neto. Ele argumenta, em primeiro lugar, que a reunião com embaixadores, em julho – antes do início oficial da campanha – era um ato de governo, não para buscar votos – prova disso é que o público era formado por diplomatas de outros países, que não votam no Brasil.

O objetivo de Bolsonaro, ainda segundo a defesa, era apenas discutir o sistema eleitoral brasileiro e dar mais transparência ao processo. Uma evidência disso seria o convite feito por Bolsonaro para que o então presidente do TSE, Edson Fachin, participasse do evento, assim como presidentes de outros tribunais superiores de Brasília. Mas nenhum deles compareceu.

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Bolsonaro queria aprimorar processo democrático, diz defesa

“Foram apresentadas todas as dúvidas sobre o sistema eletrônico de votação, de forma direta e às claras, para a Comunidade Internacional, com abertura aos Chefes dos Poderes”, diz o recurso levado ao STF.

Para os advogados, ao multarem Bolsonaro por propaganda irregular, os ministros do TSE cometeram um “erro”, “em tomar uma proposta de aprimoramento do processo democrático como se se tratasse de ataque direto à democracia participativa”.

“O que se percebe das falas do representado Jair Messias Bolsonaro, através de um exame sereno feitos com as lentes do necessário diálogo institucional e promoção da transparência eleitoral, é um convite ao aprimoramento do sistema e não um ataque às instituições”, alegaram.

Eles ainda dizem que, no evento, Bolsonaro falou na condição de chefe de Estado, não na condição de candidato à reeleição. Por isso, deveria ter respeitada sua liberdade de expressão.

Outro argumento da defesa toca na questão da segurança jurídica para impedir que a Justiça torne Bolsonaro inelegível. A Constituição diz que toda lei eleitoral não pode ser aplicada a menos de um ano de sua aprovação. Isso também vale para entendimentos novos firmados na Justiça Eleitoral. Segundo os advogados de Bolsonaro, a multa aplicada a ele representou uma inovação na jurisprudência ao considerar que ele teria feito propaganda eleitoral antecipada. Até então, para a caracterização desse ilícito, o TSE considerava que o político deveria pedir voto ou fazer propaganda em lugares proibidos, como em outdoors, showmícios e na internet mediante impulsionamento pago de conteúdo.

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TSE viu propaganda antecipada nas ações de Bolsonaro

Ao multar Bolsonaro, no entanto, o TSE considerou que também seria propaganda antecipada irregular promover uma suposta “deslegitimação do sistema, a partir da construção de fatos falsos”, que teria sido cometida por Bolsonaro na reunião com os embaixadores, ao questionar as urnas eletrônicas.

“É comportamento que já não se insere no legítimo direito à opinião, dúvida, crítica e expressão, descambando para a manipulação desinformativa, via deturpação fática, em grave comprometimento da liberdade de informação, e com aptidão para corroer a própria legitimidade da disputa em si”, diz a decisão do plenário que impôs a multa.

Nova interpretação do TSE só deveria valer na próxima eleição

Para os advogados, esse novo entendimento não poderia ser aplicado de imediato nessas eleições para tentar tornar Bolsonaro inelegível. Assim como uma nova lei eleitoral só passa a valer depois de um ano, essa nova jurisprudência também só poderia ser aplicada após o mesmo período.

Assim, o objetivo de Bolsonaro é que, caso o recurso seja aceito e julgado procedente pelo STF, a ação de inelegibilidade perca força. Mas, na Suprema Corte, ainda há um longo caminho a percorrer. Embora direcionado ao STF, o recurso precisa ser primeiro admitido pelo TSE.

Só então, caso remetido ao STF, os ministros deverão decidir se ele tem “repercussão geral”. Isto é, se levanta questões constitucionais relevantes que ultrapassam o interesse direto das partes envolvidas, com potencial de afetar uma parcela mais ampla da sociedade.

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No caso concreto, significaria avaliar se o questionamento das urnas está protegido pela liberdade de expressão, por exemplo. Admitida a repercussão geral, o relator do processo daria início às manifestações das partes e outros eventuais interessados em discutir a questão. Só depois, levaria o caso a julgamento, cuja data depende da presidência do STF. É um processo cuja tramitação costuma levar muitos anos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]