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A inflação dos alimentos se tornou um dos temas mais comentados pelos deputados federais e senadores. Parlamentares de oposição questionam o governo de Jair Bolsonaro pela alta dos preços, enquanto bolsonaristas recordam decisões de gestões anteriores e também destacam os efeitos das medidas restritivas tomadas em virtude da pandemia de coronavírus.
Em meio à troca de acusações sobre a responsabilidade pelo problema, o Congresso Nacional se vê diante de dúvidas sobre a sua real capacidade de contribuir para ao menos minimizar os impactos da inflação dos alimentos. Deputados e senadores de diferentes partidos divergem em relação ao que está ao alcance do Legislativo.
Alguns parlamentares apresentaram projetos de lei para impedir o aumento de preços durante períodos de calamidade, como o atual, provocado pela pandemia. Outros identificam que a pressão ao Executivo e a fiscalização de atos do governo é o que compete ao Legislativo neste momento. Há ainda quem aponte que não há nada que esteja na esfera de competência de deputados e senadores.
As divergências políticas em torno dos preços dos alimentos não são uma novidade: ao longo das gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), a tributação dos produtos da cesta básica foi tema recorrente de embates entre governo e oposição.
Em 2012, o então deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) apresentou uma emenda com a retirada de todos os impostos da cesta básica, que acabou vetada por Dilma. O episódio serviu para apimentar a disputa que petistas e tucanos protagonizavam na ocasião.
Agora, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, fala na possibilidade de reaplicar impostos sobre a cesta básica, de forma a custear programas sociais. O assunto tende a estar em alta nas discussões sobre a reforma tributária, que pode ser apreciada ainda neste ano pelo Congresso.
Projetos determinam "congelamento" de preços na pandemia
Uma reação frequente de parlamentares à alta dos preços é a apresentação de propostas que visam coibir – ou mesmo proibir – o reajuste de produtos durante períodos de calamidade. Alguns projetos com esse teor chegaram a ser apresentados ainda no primeiro semestre, no início da pandemia, quando a elevação de preços que chamava a atenção era de produtos como álcool em gel e máscaras de proteção.
Autor de uma dessas propostas, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) diz que seu projeto amplia restrições já previstas no Código de Defesa do Consumidor. "Hoje é passível de multa o comerciante que pratica preços abusivos. Meu projeto de lei torna isso um crime se o aumento de preço não tiver uma justa causa e for praticado durante uma pandemia", afirma.
Na avaliação do senador, o governo deveria "ter agido de maneira mais incisiva para, por exemplo, conter o impacto da política cambial adotada ou monitorar de forma mais efetiva o mercado e minimizar o efeito da crise no mercado interno".
Angelo Coronel diz "não ter dúvidas" da aprovação de sua proposta se ela for levada à votação. O projeto, no entanto, não registrou nenhum avanço no Senado desde sua apresentação, em março.
O deputado André Janones (Avante-MG) também afirma acreditar que sua proposta sobre o tema tenderia a ser aprovada. A proposição de Janones, protocolada no último dia 8, determina que produtos da cesta básica não podem passar por aumento de preço sem justificativa durante o período de pandemia, e que o valor de referência será o cobrado em 1º de março.
O parlamentar ressalta que sua proposta não se resume ao controle dos preços, e visa também interferir no que, segundo ele, tem motivado a alta: o excesso de exportações. "O fato é que está mais vantajoso exportar do que vender para o mercado interno. E não está dando para competir. Então nós queremos limitar as exportações, garantir que haja uma oferta maior no mercado interno. Para aí, em um segundo momento, multar os estabelecimentos que descumprirem a orientação de não subir os preços", declarou.
Apesar de acreditar qua sua proposta seja aprovada em plenário, ele é reticente quanto a possibilidade de a matéria ser pautada pelo comando da Câmara. "Eu sou do 'baixo clero', não tenho força para colocar um projeto em votação. Estou fazendo um trabalho de articulação para sensibilizar os outros congressistas", diz.
Oposição cita o auxílio emergencial
A análise do Congresso sobre a medida provisória do governo que garantiu o pagamento do auxílio emergencial até o fim do ano pode ser uma das ações do Parlamento para conter a alta dos alimentos, na análise do deputado Frei Anastácio (PT-PB). Isso porque os oposicionistas vão buscar fazer com que, na passagem por Câmara e Senado, o benefício tenha seu valor reajustado para R$ 600 mensais, em vez dos R$ 300 propostos pela gestão de Jair Bolsonaro.
"Isso, sem dúvida, faz parte do esforço para baixar os preços dos alimentos", resume Anastácio. Segundo o deputado, a mobilização para o assunto deverá contar com parlamentares de centro e até com alguns mais próximos do governo. "Espero que as diferentes bancadas tenham consciência disso, de que a Câmara precisa se posicionar. E que até a base governista tenha essa sensibilidade", declarou.
Anastácio acrescenta que a oposição deve "ir para cima" do governo em relação à temática dos alimentos, com a apresentação de mais projetos e possivelmente com a convocação de integrantes do governo. Segundo o parlamentar, a estratégia para o assunto será discutida nas próximas reuniões de bancada.
Para ruralista, Congresso "não pode fazer nada"
A capacidade de o Congresso contribuir para a redução dos preços dos alimentos é nula, na avaliação do deputado Alceu Moreira (MDB-MS). "O Congresso não pode fazer nada. A legislação não permite que o Congresso faça a gestão de preços. E toda a legislação necessária para o assunto já existe", afirmou o parlamentar, que é o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que representa a bancada ruralista na Câmara.
Segundo Moreira, quem propõe, agora, projetos relacionados ao controle de preços "está querendo aparecer". "A Câmara não é uma fábrica de leis. O arcabouço legal de que dispomos é altamente suficiente", diz.
O emedebista atribui a alta dos preços à série de eventos atípicos que marca 2020, com a pandemia de coronavírus à frente. Ele alega também que os produtores de arroz operaram no prejuízo por muito tempo e que agora estão promovendo uma compensação que teria sido adiada. Moreira acredita que o quadro atual não se manterá e que os preços se estabilizarão. "Mas o saco de arroz não vai voltar a ser R$ 2."