Roberto Jefferson estava com licença de CAC suspensa e não poderia transportar suas armas de Brasília para o município onde estava morando, no RJ| Foto: Reprodução redes sociais
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O fuzil e os cerca de 50 projéteis disparados pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) contra agentes da Polícia Federal (PF) ao resistir a mandado de prisão, no último domingo (23), não deveriam estar em posse dele. Isso porque o Certificado de Registro (CR) como Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) de Jefferson, obtido em 2005, consta atualmente como suspenso no sistema do Exército, órgão responsável pela emissão dos registros e fiscalização dos CACs.

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O motivo para a suspensão é, possivelmente, a inclusão do ex-deputado como investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no chamado “inquérito das milícias digitais” (nº 4874). Em agosto de 2021, Jefferson foi preso pela participação em suposta organização digital criada para realizar ataques à democracia – o inquérito é conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Fora a suspensão da licença, ele não poderia transportar suas armas de Brasília (domicílio informado ao Exército para manter os equipamentos) para o município de Comendador Levy Gasparian, no Rio de Janeiro, onde ele estava cumprindo prisão domiciliar, sem autorização do Exército.

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No caso das três granadas de efeito moral (sem caráter letal) lançadas pelo ex-deputado contra os agentes da PF, a situação é mais grave: decreto de 2019 assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) proíbe que CACS mantenham posse deste tipo de item.

Roberto Jefferson, que devido ao episódio foi indiciado pela PF por quatro tentativas de homicídio, descumpriu diversos mecanismos dos decretos sobre armamento e munições relacionados aos CACs.

“A situação dele é toda irregular, tendo em vista que a partir do momento em que ele foi indiciado já houve a comunicação desse indiciamento ao Exército. A partir daí, automaticamente as atividades dele como CAC ficaram suspensas. Então qualquer relação que ele mantivesse com as armas seria uma relação irregular; ele não poderia mais estar com esses armamentos”, explica Fabrício Rebelo, pesquisador em segurança pública e fundador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes).

Devido às diversas irregularidades, o Exército instaurou, ainda no domingo (23), processo administrativo para apurar o caso. Já a PF abriu inquérito na esfera criminal.

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O que Roberto Jefferson alegou à PF quanto ao armamento em sua posse

Em depoimento prestado à PF após ser preso em flagrante, o ex-parlamentar apresentou informações sobre os armamentos que mantinha. Em sua casa no município fluminense, ele possuía um fuzil calibre 5,56mm, usado nos disparos contra os policiais, e uma pistola 9mm. Armazenadas em um cofre em Brasília, entretanto, ele afirmou possuir 25 armas. Segundo Roberto Jefferson, todas as armas foram compradas legalmente no Brasil e estão registradas no Exército Brasileiro por meio do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma).

Quanto ao manuseio do armamento, ele alegou que treina tiro esportivo há vários anos e que participa de competições e clubes de tiro. O ex-deputado revelou também que possuía granadas havia cinco anos mesmo sabendo que não tinha permissão para isso.

Entre os demais itens apreendidos pela PF na casa de Jefferson estão caixas de munição de calibre 45, 38, 22 e 9mm, além de projéteis para o fuzil; uma pistola sem cano; carregadores de pistola e dois coletes à prova de balas.

Regras para concessão e perda de registro CAC

Para obter a concessão do Certificado de Registro para desempenhar as atividades de colecionamento de armas de fogo, tiro desportivo ou caça, o cidadão deve apresentar uma documentação extensa, que engloba certidões de antecedentes criminais; declaração de que não responde a inquérito policial ou processo criminal; comprovante de capacidade técnica para o manuseio de armas; e laudo de aptidão psicológica fornecido por psicólogo credenciado pela Polícia Federal.

A partir daí, militares do Exército Brasileiro agendam vistoria no endereço onde o armamento será mantido – no caso de Roberto Jefferson, uma das irregularidades foi justamente deslocar seu armamento do endereço informado ao Exército. Se tudo for aprovado, a pessoa obterá o registro por duração de dez anos; ao fim desse período, deverá ser procedida a revalidação da licença, com apresentação de documentação atualizada, incluindo novo laudo psicológico.

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“A PF não exerce fiscalização, só atua até o momento de autorizar a compra da arma. A partir daí, a fiscalização ocorre unicamente pelo Exército. Após a concessão do registro, todo CAC está sujeito a visitas esporádicas do Exército. Em paralelo, sempre que houver alguma alteração no armamento haverá nova vistoria para essa fiscalização”, explica Rebelo.

Em relação à prática de tiro esportivo há, ainda, a fiscalização indireta feita a partir dos clubes de tiro. Cada clube deve manter registro de todos os membros que praticam as atividades, e o Exército fiscaliza esses arquivos para apurar se os indivíduos registrados como atiradores estão, de fato, praticando a atividade.

Segundo o decreto 10.030, de setembro de 2019, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, dentre os critérios que podem levar à suspensão temporária ou cassação definitiva do registro estão: adquirir, vender ou transportar armamento sem autorização; dificultar ação de fiscalização por parte do Comando do Exército; exercer atividades de CAC com licença expirada; não comprovar aptidão psicológica ou capacidade técnica para a continuidade da atividade inicialmente autorizada; e perda da idoneidade.

Em relação ao último item, a perda da idoneidade pode ocorrer a partir do momento em que o CAC passa a responder inquérito policial ou processo criminal, ou quando é condenado por crime doloso em especial em infrações penais que possam ocasionar risco à segurança da coletividade.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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CNJ estuda suspensão automática de licenças de CACs que forem alvo de investigação criminal

Conforme noticiado em reportagem do Estadão, o episódio envolvendo Roberto Jefferson pode levar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a editar um ato para aprimorar o controle feito por juízes em relação à posse e ao porte de arma de quem é alvo de investigação criminal.

Estaria em estudos pelo CNJ, segundo a reportagem, a determinação de consulta obrigatória aos sistemas de registro de armas assim que for instaurado um inquérito policial ou logo que uma denúncia for recebida pela Justiça. Nesses casos, havendo registro de armamento no nome do investigado, a licença seria suspensa, e os equipamentos deveriam ser recolhidos pela PF ou pelo Exército.

A Gazeta do Povo pediu mais informações ao CNJ sobre a medida, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.

Para Douglas Lima Goulart, especialista em Direito Penal e sócio do escritório Lima Goulart e Lagonegro Advocacia Criminal, o caso Roberto Jefferson demonstra que o tratamento da suspensão da licença é algo a ser aperfeiçoado no Brasil. Segundo ele, a norma que impede a aquisição de arma de fogo para quem se torna réu em processo judicial, conforme o decreto 9.845/2019, possui brechas.

O primeiro problema apontado por Goulart está ligado ao fato de que a comprovação de bons antecedentes ocorre por meio de certidões de antecedentes criminais, mas estas somente são exigidas em relação ao estado de domicílio do requerente; para os demais estados, basta uma declaração do interessado sobre a ausência de apontamentos criminais.

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Outra brecha está ligada ao indivíduo que venha a ser processado ou investigado após a obtenção da licença de CAC. Para ele, há falhas na comunicação automática ao Exército diante da nova condição do CAC em relação à Justiça. “Em regra, isso só vem a ocorrer no momento da renovação, quando o indivíduo precisa comprovar novamente a posse dos requisitos para a licença. Até lá, é normal que ele permaneça com a autorização”, afirma o especialista em Direito Penal.