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O presidente Jair Bolsonaro| Foto: Evaristo Sá/AFP

O veto do presidente Jair Bolsonaro à destinação de cerca de R$ 8,6 bilhões do saldo remanescente do Fundo de Reservas Monetárias (FRM) aos estados e municípios, para combate à pandemia do coronavírus, virou um novo cabo de guerra entre o governo e o Congresso.

Parlamentares e secretários estaduais de Fazenda estão articulando nos bastidores a derrubada do veto, pois afirmam que havia um acordo com a equipe técnica do governo para a destinação dos recursos aos governos locais. O governo, por sua vez, diz que não houve acordo e que o veto foi necessário porque o dispositivo feria regras orçamentárias e o presidente poderia cometer um crime de responsabilidade fiscal.

O veto foi publicado no Diário Oficial da União de quarta-feira (3), junto com a extinção do FRM, administrado pelo Banco Central. O fundo já estava inativo, mas tem um saldo remanescente de cerca de R$ 8,6 bilhões.

A ideia inicial do governo era extinguir o fundo e usar os recursos para abater a dívida pública, mas na tramitação da medida no Congresso foi decidido por unanimidade destinar o dinheiro aos governos locais para aquisição de materiais de prevenção à propagação da Covid-19. Metade dos recursos ficaria com os estados e metade iria para os municípios.

Ao justificar o veto à transferência dos recursos do fundo a estados e municípios, Bolsonaro afirmou que atendeu a um pedido do Ministério da Economia e da Advocacia-Geral da União (AGU). As pastas entenderam que os incisos que autorizavam a transferência criavam uma despesa obrigatória sem indicar o respectivo impacto orçamentário e financeiro, o que violaria o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

O ME e a AGU também alegaram que a destinação dos recursos foi inserida no projeto original – a medida provisória 909/2019, de autoria do Poder Executivo – por meio de emenda parlamentar, o que violaria aos “princípios da reserva legal e do poder geral de emenda”.

O ministro da Secretaria-Geral e subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, Jorge Oliveira, usou a sua conta oficial no Twitter para explicar que o veto ao repasse do dinheiro foi feito “para não ferir regras orçamentárias e cometer crime de responsabilidade”. Ele ainda afirmou que o governo já sancionou outra lei para ajudar estados e municípios, a que prevê um repasse de R$ 60 bilhões e suspensão de dívidas.

Parlamentares acusam governo Bolsonaro de descumprir acordo

Os parlamentares, porém, discordam dos argumentos do governo. O relator do projeto na Câmara, deputado Luís Miranda (DEM-DF), afirmou à Gazeta do Povo que o texto foi construído em parceria com o Banco Central, o Ministério da Economia e a Secretaria de Governo (Segov).

Segundo o deputado, em nenhum momento os técnicos do governo se opuseram à destinação dos recursos aos estados e municípios para combate à Covid-19. Eles só pediram que o dinheiro fosse usado somente para a saúde, o que foi atendido pelos parlamentares. “Tanto que o líder do governo no Congresso [senador Eduardo Gomes] foi o relator da matéria quando chegou ao Senado”, explicou à reportagem.

O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ficou surpreso com a decisão de Bolsonaro. "A informação que eu tinha dos deputados era que tinha ocorrido um acordo do governo com os parlamentares, inclusive para a destinação desses recursos. De fato, surpreendeu o veto do governo em relação a esses 8,6 bilhões. O veto é um direito do presidente. Cabe ao Parlamento chamar uma sessão do Congresso e votar pela manutenção ou derrubada do veto", relatou a jornalistas.

A líder do PSL na Câmara, deputada Joice Hasselmann (PR), classificou o veto como inadmissível. “Enquanto isso, o Presidente usa a sua Bic, a sua famosa caneta Bic, para vetar um projeto que nós aprovamos por unanimidade aí na Casa, que destinava 8 bilhões e 600 milhões de reais para o combate ao coronavírus. Quer dizer, é inadmissível”, disse durante sessão plenária na quarta-feira (3).

O projeto foi aprovado de forma simbólica na Câmara dos Deputados, já que havia acordo para aprovação. Votações simbólicas só são feitas quando há acordo, para acelerar o processo. No Senado, a votação foi individual e eletrônica, mas mesmo assim a aprovação foi unânime, com 75 votos a favor do texto.

Ministério da Economia diz que não houve acordo com estados e municípios

Em nota enviada à Gazeta do Povo, o Ministério da Economia nega o acordo para destinação dos recursos a estados e municípios. “O que o Ministério da Economia estava de acordo era manter a destinação para o combate ao coronavírus, apenas isso. A parte que transferia os recursos para estados e municípios deveria ter sido retirada.”

A pasta informou, ainda, que sempre se posicionou contrária à destinação dos recursos aos estados e Municípios por dois motivos. “O primeiro seria o fato de estar sendo criadas despesas obrigatórias que têm impacto fiscal e estão sujeitas ao teto dos gastos e sem existência de dotação orçamentária e sem estimativa de impacto. Além disso, e mais importante, todo acordo para transferência de recursos da União para Estados e Municípios estava dentro do PLP 39 (hoje LC 173), que destina mais de R$ 60 bi para estados e municípios, além de suspensão de dívidas e controle de despesas”, diz o texto.

O ministério afirma, ainda, que os recursos do Fundo de Reserva Monetária “são importantes para a gestão da dívida pública e para gastos do Tesouro Nacional”.

Congressistas e secretários de Fazenda defendem derrubada do veto

Vários deputados e senadores já começaram a se mostrar favoráveis a derrubada do veto presidencial. O líder do Cidadania na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), pediu a Maia que interceda junto ao presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para convocar para a semana que vem uma sessão do Congresso para análise do veto.

O senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) também pediu agilidade em convocar a sessão. Ele classificou como “constrangedor” o veto. O senador Jean Paul Prates (PT-RN) diz que o presidente Bolsonaro “veta, desmoraliza a unanimidade do Senado e o próprio líder do Governo, que nos pediu que votássemos com essa condição [a de destinar os recursos para a saúde]”.

O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) encaminhou um ofício ao Congresso Nacional pedindo a derrubada do veto. O ofício é assinado pelo presidente do comitê, Rafael Fonteles, secretário de Fazenda do Piauí.

O documento diz que os estados e municípios enfrentam quedas substanciais de receita e aumento de despesas em virtude da crise do coronavírus e que o repasse de recursos é fundamental para manter o fluxo financeiro dos entes e para garantir a normalidade da prestação dos serviços públicos à população.

O Comsefaz também critica o uso dos recursos para a gestão da dívida pública. “O que, no momento, não se mostra mais relevante do que a sua destinação para o combate à pandemia em curso”, diz no ofício. Ainda não está claro se, com o veto, os recursos poderão mesmo ser usados para abater a dívida ou se eles vão cair num “limbo jurídico”.

Segundo a Gazeta do Povo apurou, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, deve se reunir com líderes na segunda-feira (8) para decidir se convoca a sessão conjunta das duas Casas. A tendência é que ele paute o veto para discussão na semana que vem.

A derrubada do veto ainda é incerta, pois líderes do Centrão não se manifestaram sobre o tema. Parte desse bloco virou base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro.

Parlamentares que são favoráveis à derrubada vão defender que os motivos alegados oficialmente pelo presidente para o veto são contestáveis. Técnicos legislativos apontam que as despesas que seriam custeadas com os R$ 8,6 bilhões não são permanentes e nem obrigatórias, como alegou o governo.

Eles também devem usar em defesa da derrubada do veto o artigo 3º da Emenda Constitucional 106/2020, que criou o “Orçamento de Guerra” durante este período de pandemia. O artigo permite a expansão da despesa pública mesmo sem dotação orçamentária e sem estimativa de impacto desde que a despesa não seja permanente e seja utilizada exclusivamente para o combate à pandemia e seus efeitos sociais e econômicos.

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