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Fachada do Supremo Tribunal Federal (STF).| Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido acusado, nos últimos tempos, de interpretar de forma excessivamente flexível e subjetiva a Constituição. E um dos principais motivos da falta de rigor e do crescente subjetivismo, para alguns juristas, é o uso indiscriminado das decisões monocráticas – isto é, tomadas por um só magistrado, sem a participação de um colegiado.

Um projeto de lei (PL) que foi desengavetado pela nova presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, deputada Bia Kicis (PSL-DF), pode ajudar a amenizar esse problema. O PL 11.270/2018, de autoria do deputado João Campos (Republicanos-GO) e de relatoria do deputado Felipe Francischini (PSL-PR), quer limitar as possibilidades de decisões monocráticas em alguns tipos de decisões do STF.

O projeto se destina especificamente a Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e a Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs). O principal objetivo é enfatizar algo que já estava sugerido nas leis sobre as ADIs e ADPFs: que as decisões de um só juiz servem apenas para casos excepcionais. O texto do PL estabelece critérios mais claros para definir essa excepcionalidade.

Segundo Rafael de Lazari, doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, o PL busca acabar com a “esquizofrenia decisória” que tomou conta do STF. Ele destaca que muitas leis ficam em maturação por anos no Congresso, mas, depois de um longo processo de debate, elaboração do texto e votações, “um ministro, de forma monocrática, suspende toda essa atividade”. “Fica a sensação de que um ministro, de forma monocrática, vale mais do que toda essa maturação”, afirma Lazari.

Um exemplo desse fenômeno – citado, inclusive, na justificação do PL – foi a decisão de 2018 do ministro Marco Aurélio Mello que, monocraticamente, possibilitou a liberação de todos os presos do país que tinham condenação em segunda instância, mas sem decisão transitada em julgado. A decisão foi revogada pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, mas, um ano depois, o tema foi levado a Plenário, e o Supremo decidiu derrubar a prisão após condenação em segunda instância.

Um levantamento de 2019 do portal jurídico Jota mostra a evolução das decisões monocráticas no STF, e deixa evidente a tendência que a Câmara pretende barrar: em 2010, o STF tomou 164 decisões monocráticas em ADIs; em 2011, 190; em 2012, 213; O número foi subindo gradativamente e, em 2018, chegou a 519. As decisões monocráticas em ADPFs também aumentaram pouco a pouco: em 2010, foram 191; em 2015, 285; em 2018, chegaram a 650.

Outros tipos de ação no STF, como a Ação Direta por Omissão (ADO) e a Ação Direita de Constitucionalidade (ADC) não entram no escopo do projeto de lei. Segundo Lazari, o motivo da prioridade do PL a ADIs e ADPFs é que elas têm efeitos jurídicos mais expressivos que as ADOs e ADCs.

Em 2018, um projeto semelhante ao PL 11.270/2018 passou pela Câmara, mas ficou travado no Senado. O projeto atual engloba e amplia as previsões do antigo, acrescentando artigos que não estavam presentes no anterior.

Quais são as mudanças propostas pelo projeto sobre decisões monocráticas

O projeto sobre decisões monocráticas quer alterar as leis nº 9.868 (das ADIs) e nº 9.882 (das ADPFs), ambas de 1999. O seu principal objetivo é esclarecer algo que já estava sugerido nessas leis: que as decisões monocráticas devem ser tomadas em casos excepcionais.

“As novas redações são de uma clareza solar, evidente”, diz Lazari. “Elas retiram qualquer margem interpretativa. As redações hoje são claras o suficiente, mas deixam algumas portas para interpretação em sentido contrário. As novas redações vêm para reforçar algo que já está vigente hoje.”

Duas das mudanças são tão sutis que apenas adicionam palavras para enfatizar a mensagem do texto original.

Uma delas adiciona a expressão “exclusivamente” a um artigo da lei nº 9.868, para deixar claro que a medida cautelar nas ADIs pode ser concedida exclusivamente por decisão da maioria dos ministros, ou seja, via Plenário do STF.

A outra, que altera a lei nº 9.882, sobre as ADPFs, adiciona a palavra “somente” ao texto original da lei, para dizer que somente “em caso de extrema urgência e perigo de lesão grave, devidamente fundamentados, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno”.

Além dessas mudanças pontuais, o PL adiciona dois artigos novos a cada uma dessas leis, ambos de teor idêntico.

O primeiro deles estabelece que uma decisão monocrática tomada durante o recesso do STF para ADIs ou ADPFs deverá examinada pelo Plenário do STF até a oitava sessão depois da retomada das atividades. O segundo diz que a decisão monocrática é “inadmissível” se já houver uma decisão colegiada do STF em sentido contrário.

Qual seria o impacto da aprovação do PL?

Lazari diz que as novidades propostas pelo PL das decisões monocráticas, se aprovadas, “reforçariam as decisões colegiadas do Supremo”. “Só o Plenário poderia alterar o Plenário”, afirma.

Ele esclarece, no entanto, que uma lei nesse sentido não alteraria as decisões monocráticas que já foram tomadas. “No Direito Processual, temos o princípio de que o tempo rege o ato. Tecnicamente, o novo entendimento valeria a partir da nova redação em diante”, explica.

O jurista avalia, no entanto, que seria oportuno, caso a lei fosse aprovada, que as decisões monocráticas tomadas anteriormente fossem pautadas aos poucos para votação em Plenário. “Na minha opinião, todas essas liminares monocráticas pendentes deveriam ser gradativamente pautadas para que a gente desse uma segurança jurídica maior”, diz.

Há centenas de decisões monocráticas que esperam julgamento no Plenário. Por enquanto, prevalece o entendimento tomado fora do colegiado. Uma delas é a liminar concedida há quase oito anos pelo então ministro Joaquim Barbosa, que suspendeu a Emenda Constitucional 73, que criava quatro novos tribunais regionais federais. A criação desses tribunais está suspensa desde 2013, e espera julgamento em Plenário.

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