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Está tramitando no Congresso um projeto de lei do Partido Liberal para aumentar a pena para membros do crime organizado que controlam território ou "fecham" pequenas cidades no interior do país para atacar agências bancárias. O projeto de lei 5.365/2020 foi aprovado na Comissão de Segurança Pública (CSP) do Senado na terça-feira (18) em meio a uma onda de violência de debates políticos sobre quem são os responsáveis pela alta criminalidade no Brasil.
O projeto foi apresentado inicialmente na Câmara pelo deputado Sanderson (PL-RS). Ele define o crime de "domínio de cidades" com a utilização de barricadas e armamento pesado nas mãos de criminosos para controle de territórios. Também trata de ações criminosas que ficaram conhecidas em todo o Brasil como “novo cangaço” (ataque a cidades pequenas para assaltar bancos) como crimes hediondos e, portanto, com penas que poderão variar de 15 a 30 anos de prisão. Em alguns casos, a pena subiria para até 40 anos de reclusão.
O PL das Barricadas avançou no Senado na mesma semana em que a segurança pública virou polêmica. Na quarta-feira (19), o Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski disse que "a polícia prende mal e o Judiciário é obrigado a soltar". A declaração gerou uma onda de críticas de associações policiais e políticos e o ministro disse que sua frase foi tirada de contexto. O ministro foi convidado a comparecer a enterros de policiais, que acontecem quase diariamente "antes de fazer declarações que ofendem a honra e a história das instituições policiais e de seus integrantes que garantem a paz social e a governabilidade do país".
Na quinta-feira, o policial (20) Felipe Marques Monteiro, copiloto de um helicóptero da Polícia Civil, levou um tiro na cabeça dentro da aeronave durante uma operação na Vila Aliança, favela do Rio de Janeiro controlada pelo crime organizado. O delegado Felipe Curi, secretário da Polícia Civil disse que o ataque ao helicóptero "demonstra claramente o empoderamento dessas organizações criminosas que se fortaleceram após as restrições às operações policiais impostas pela ADPF 635".
Ele se referiu à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental do Supremo Tribunal Federal, conhecida como ADPF das Favelas, que vem impedindo desde 2019 a polícia de combater criminosos em áreas dominadas pelo crime organizado no Rio. O processo deve voltar a ser analisado no Supremo nesta semana.
Após a análise na Comissão de Segurança Pública, o PL das Barricadas segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser submetido à votação no Plenário. Para se tornar lei, após a eventual aprovação, ele precisa ser sancionado pelo presidente da República. Membros da Comissão de Segurança Pública esperam que isso ocorra ainda neste ano, tendo em vista que o projeto tramita há cerca de cinco anos no Congresso diante de um cenário de avanço desta modalidade criminal no país.
O projeto se refere a barricadas porque facções criminosas cariocas obrigam moradores de favelas a construir barricadas de ferro e concreto nas entradas das comunidades. O objetivo é retardar a entrada da polícia e de criminosos de facções rivais.
Já o novo cangaço e o domínio de cidades com intimidação violenta, que também é descrito no projeto, é uma modalidade criminosa caracterizada por assaltos violentos e altamente organizados, geralmente contra bancos, transportadoras de valores, estabelecimentos comerciais e roubos a cargas comumente praticadas em cidades pequenas e médias no interior do país. Os criminosos atuam em grandes grupos, fortemente armados, e utilizam táticas de intimidação, como fazer reféns em escudos humanos e bloquear vias para dificultar a ação policial.
Para o deputado Sanderson, autor do PL, o domínio de cidades tem sido uma prática utilizada pelo crime organizado para comandar territórios em cidades pequenas, médias e de grande porte e se alastra pelo Brasil, necessitando de uma resposta à altura. “A Câmara dos Deputados está dando essa resposta à altura para que esse tipo de crime seja tratado de forma autônoma e com maior rigor, como a situação exige”.
O PL estipula ainda uma série de agravantes que aumentam a pena para pessoas condenadas por esses crimes, como danos ao patrimônio privado ou coletivo, utilização de reféns, cooptação de menores de 18 anos ou ações que resultem em mortes.
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O projeto, originado na Câmara dos Deputados com autoria do deputado federal Sanderson (PL-RS), já havia sido aprovado pela Comissão de Defesa da Democracia (CDD) no Senado, mas com ressalvas.
O relator na CDD, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) disse que é preciso impor limites à regra prevista no projeto enquadrando apenas os casos em que o criminoso impeça as ações das forças policiais para praticar crimes contra o patrimônio, como grandes roubos, mas não deve se aplicar a manifestações ou movimentos políticos e sociais legítimos.
“O objetivo não é impedir manifestações políticas ou dos movimentos. Isso aqui é uma coisa para combater tráfico e milícia que estão estipulando um domínio em alguma localidade com armas de guerra. Para que respondam com uma pena realmente grave”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) que é o relator do projeto na CSP.
Nas manifestações de 2013 e 2014 contra aumento de tarifas de ônibus e contra a Copa do Mundo no Brasil, criminosos de viés esquerdista conhecidos como black blocs usaram barricadas improvisadas para dificultar o trabalho da polícia enquanto promoviam depredação de patrimônio público e privado em diversos estados do Brasil. Parlamentares e analistas mostram preocupação, porém, com a imputação de crimes políticos a manifestantes de direita que realizaram atos de vandalismo nos protestos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo alertam que, além da garantia de não ser usada como medida de perseguição ou represália política, a legislação deve prever o real endurecimento de penas aos casos crescentes de domínio de cidades com intimidação violenta. Especialistas também alertam que é preciso estar atento a eventuais penalizações a cidadãos cooptados e coagidos por organizações criminosas para construção de barricadas que demarcam territórios dominados por traficantes e dificultam acesso e ações policiais.
“Esse tipo de crime exige uma atuação forte e integrada para dissuadir os criminosos. O recrudescimento do cumprimento das penas é uma das formas de persuasão para a não perpetração do crime. No entanto, o sistema de cumprimento de pena deve receber fortes investimentos, no intuito de contribuir com essa persuasão”, descreve o advogado e especialista em segurança Pública, Alex Erno Breunig.
Breunig alerta que não basta um crime estar previsto em lei. A legislação tem que ser cumprida e as penas aplicadas com rigor. “O cumprimento de pena para crimes de maior potencial ofensivo, especialmente os hediondos, tem que possibilitar a segregação dos apenados, com presídios adequados para reincidentes, faccionados e agressores de policiais”.
Para o sociólogo e especialista em segurança Pública, Marcelo Almeida, a legislação não pode ser usada contra manifestantes legítimos e lembra que, em muitos casos, sobretudo em regiões dominadas por organizações criminosas, moradores de favelas são forçados a construir barricadas para proteção das facções.
“E nestes casos, esse cidadão que foi obrigado a construir essa barricada sob forte ameaça à sua vida e de sua família, será penalizado com até 30 anos de reclusão? Isso também poderá forçar que as organizações criminosas cooptem ou forcem, cada vez mais, os moradores a operar por e para eles”, reforça.
Para o advogado Alex Erno Breunig, esta coação é uma realidade, e, por isso, o Estado deve “se aparelhar para identificar quem está cometendo crimes por livre iniciativa e quem está agindo por coação irresistível”.
“Esse tipo de criminoso não se intimida com facilidade, portanto, além de alterar a lei é necessário garantir o cumprimento rigoroso da pena, sem benefícios como visitas íntimas, saídas temporárias ou uso de celulares na prisão, sob pena de ser uma medida inócua, mas isso se aplica aos verdadeiros criminosos não a quem por ventura foi cooptado ou coagido por ele”, reforça.
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Segundo o advogado Breunig, é imprescindível que ocorram investigações céleres e eficiente sobre os crimes, com rastreamento de valores e destinação dos bens roubados. “Nesse ponto, há de se investir nas polícias investigativas e especialmente nas polícias científicas”, acrescenta.
O senador Flávio Bolsonaro disse que o PL foi aperfeiçoado para endurecimento das leis contra criminosos. “O crime de domínio de cidades e intimidação violenta apresentam tipos penais bastante abertos e que se assemelham podendo levar o operador do Direito a erro ao tipificar a conduta no caso concreto”, descreve.
Como exemplo, o senador questiona a qual crime um indivíduo responderia ao explodir bens públicos ou privados, bloqueando vias de tráfego, impedindo a atuação da polícia com o objetivo de praticar um ato ilícito. “Com uma alteração proposta pelo PL no Código Penal poderia ser tipificada tanto no crime de domínio de cidades quanto no crime de intimidação violenta. Sendo assim, por meio do substitutivo que apresentamos, alteraremos o Código Penal com o objetivo de tipificar unicamente o crime de domínio de cidades com intimidação violenta [como crime hediondo]”.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) afirmou durante a sessão do dia 18 que “está na hora de se mandar mensagens duras ao crime” organizado no Brasil.
“Fui impedida de entrar em uma comunidade quando fui ministra de estado [no governo de Jair Bolsonaro]. É uma comunidade que tem um número muito grande de crianças com doenças raras, o prefeito dessa capital, que por questão ética e de segurança não vou citar o nome, entregou o programa de habitação popular e fez de uma forma muito bem intencionada que 10% das moradias eram destinadas a mães com crianças com doenças raras (...) o crime disse que eu só entraria e poderia circular na comunidade se negociasse com o chefe do crime. Impediram uma ministra de circular numa comunidade”, reforça.
Segundo a senadora, as pessoas que a impediram de entrar naquela comunidade, com base no que prevê o PL em tramitação, estariam respondendo por uma pena maior caso ele já estivesse aprovado.
De acordo com o texto do PL, a principal finalidade da proposta é fortalecer o combate aos grupos armados que demarcam, atacam e saqueiam cidades pelo Brasil, além de promover um enfrentamento a organizações criminosas que se utilizam de arsenal de guerra e isolamento de áreas em domínio territorial. Entre os exemplos estariam as regiões dominadas pelo Terceiro Comando Puro (TCP) e o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro, que com uso de barricadas dificultam acesso das forças de segurança em regiões de controle intenso de criminosos.
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