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Empresas estão com dificuldades para ter acesso ao crédito disponibilizado pela MP 944.
Empresas estão com dificuldades para ter acesso ao crédito disponibilizado pela MP 944.| Foto: Daniel Derevecki/Arquivo/Gazeta do Povo

Uma das principais medidas do governo para ajudar na sobrevivência das pequenas e médias empresas durante a pandemia do coronavírus não vem funcionando. O governo e os bancos privados disponibilizaram R$ 40 bilhões em uma nova linha de crédito para pagar a folha salarial desses negócios por dois meses, mas pouco mais de um mês de programa somente 61.657 empresas contrataram R$ 1,4 bilhão em empréstimos para bancar o salário de 1.032.477 trabalhadores (dados atualizados até o dia 11 de maio).

Os números estão bem abaixo da expectativa do Ministério da Economia e do Banco Central. O governo espera que até 1,4 milhão de pequenas e médias empresas venham a contratar os R$ 40 bilhões em empréstimo oferecidos pelo programa – chamado oficialmente de Programa Emergencial de Suporte a Empregos. A expectativa é que a medida beneficie 12,2 milhões trabalhadores, que terão seus salários garantidos por dois meses.

A linha de crédito é destinada para companhias que tenham faturado em 2019 mais de R$ 360 mil e até R$ 10 milhões. Ela deve ser contratada junto aos bancos. A taxa de juros cobrada é de 3,75% ao ano e as empresas têm carência de seis meses para começar a pagar, e um prazo de 30 meses para pagamento, totalizando em 36 meses o prazo do empréstimo.

O dinheiro só pode ser usado para financiar por dois meses a folha de pagamento e está restrito à parcela dos salários até o valor de dois salários-mínimos. O dinheiro é pago diretamente aos funcionários, sem intermediação das empresas. As empresas não podem demitir sem justa causa empregados por até 60 dias.

A linha de crédito é financiada em grande parte pelo Tesouro (R$ 34 bilhões) e em menor parte pelos bancos privados (R$ 6 bilhões). A operacionalização é do BNDES. O programa foi anunciado no dia 27 de março pelo presidente Jair Bolsonaro e desde o dia 6 de abril está em operação. O crédito pode ser tomado até 30 de junho de 2020.

Por que as empresas enfrentam dificuldades?

A Gazeta do Povo consultou especialistas, o governo e o relator da medida provisória que instituiu o programa (MP 944/2020) para entender os motivos para a linha de crédito não ter deslanchado, mesmo com muitas empresas precisando de acesso a dinheiro num momento de queda de demanda. Os principais motivos elencados foram:

  • Empresas com folha de pagamento não bancarizada;
  • Exigências dos bancos versus empresas com restrições;
  • Exigência de que a empresa não demita o trabalhador;
  • Valor baixo do empréstimo; e
  • Falta de comunicação.

O programa prevê que o crédito só pode ser contratado por empresas com folha salarial bancarizada. Com isso, empresas que costumam pagar seus funcionários em dinheiro ou cheque não têm acesso à linha.

“Por exemplo, tem uma farmácia que paga o funcionário em dinheiro no RH [departamento de recursos humanos], ela não está participando [do programa]. O pagamento direto no RH [em dinheiro] talvez seja a realidade da maior parte dessas empresas de pequeno e médio porte”, diz o deputado Zé Vitor (PL-MG), relator da medida provisória que criou o programa.

Outra dificuldade é na hora de contratar a linha com o banco. Apesar de o governo ter criado e disponibilizado o programa, a palavra final é do banco, a quem compete analisar o histórico de crédito da empresa e definir se vai liberar o dinheiro ou não.

"É facultada à instituição financeira a adesão. É uma medida que vai atender mais às empresas que possuem um melhor e maior relacionamento bancário com as instituições financeiras. Por exemplo, onde ela [a empresa] já tem conta e tem boa relação. Se houver uma restrição, como numa análise de crédito, o banco não é obrigado [a liberar o dinheiro]”, explica o economista Antonio Everton, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), José César da Costa, diz que, neste momento de crise, as empresas não têm como atender a todas as exigências que estão sendo feitas pelos bancos para liberar o empréstimo. “O empresário não tem como atender às reivindicações dos bancos. Os bancos estão exigindo garantias. Não pode ter protesto [dívidas contestadas em cartório], tem que ter anterioridade de seis meses no SPC e Serasa.”

Adilson Seixas e Carlos Ponce, sócios da Loara, especializada em soluções em créditos para empresas, lembram que o Banco Central não divulgou o número de empresas que tiveram seu pedido a crédito negado. “Apetite [pelo crédito] há, mas não adianta o governo somente disponibilizar uma linha ou um recurso. A questão é como isso vai chegar na ponta. Enquanto o banco tiver tomando a decisão final, haverá restrições”, diz Ponce.

O secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, afirmou que outro empecilho pode ser a contrapartida de exigir que a empresa beneficiada não demita sem justa causa os empregados por até 60 dias depois do recebimento do crédito. “A empresa pensa: 'estou fazendo uma dívida que vou ter que pagar depois e, além disso, estou me comprometendo a manter trabalhador’. Se estou em um setor muito afetado, prefiro não usar esse crédito e usar a MP trabalhista”, disse na segunda-feira (11), em live promovida pelo BTG.

Seixas e Ponce pontuam outra exigência que pode estar afetando o desempenho do programa: a linha financia o pagamento da folha de até dois salários mínimos por funcionário.

“Até semana passada, 19,3 mil empresas tomaram R$ 413 milhões de crédito. Você tem um ticket médio de R$ 21 mil por empresa. E um valor por funcionário de R$ 1,3 mil. O valor acaba sendo muito baixo. A necessidade [de crédito] da empresa hoje, que está passando por um processo de queda de faturamento, acaba sendo maior. Ela tem que enfrentar toda a burocracia do banco para pegar R$ 20 mil, R$ 30 mil, ao passo que se ela enfrentar essa mesma burocracia ela pode pegar um valor que talvez ela precisa, que seja um valor maior”, afirma Ponce.

Por fim, o deputado Zé Vitor diz que falta informação para muitas empresas sobre a linha. “Temos que melhorar a comunicação do programa”, afirma o relator.

Em nota, o Banco Central afirmou que a exigência da folha bancarizada é para garantir que os recursos sejam direcionados diretamente para as contas dos empregados. A instituição defendeu ainda que o programa “terá pleno efeito” a partir de maio, quando as empresas pagarão a folha de abril.

O que pode ser feito

Os especialistas consultados pela Gazeta do Povo dizem que o programa em si é bom, pois oferece uma taxa de juros baixa, um bom prazo de carência e um prazo de pagamento longo. Mas defendem que seja aperfeiçoado para tentar fazer com que o dinheiro chegue na ponta.

O presidente da CNDL, José César da Costa, defende que o governo assuma o risco de um eventual calote, não deixando esse risco com o banco. “O governo precisa ser o garantidor do crédito.” Ele também afirma que os bancos poderiam, ao invés de exigir garantias reais, exigir um ou dos avalistas para liberar o dinheiro.

Adilson Seixas e Carlos Ponce, sócios da Loara, lembram que o Orçamento de Guerra, já promulgado, deve ajudar a destravar um pouco a linha, pois durante a pandemia os tomadores de crédito não precisam mais apresentar alguns documentos, como certidões negativas de débito.

A MP 944/2020 – que criou o programa – ainda será votada pelo Congresso Nacional. A previsão do relator na Câmara, deputado Zé Vitor, é apresentar o seu relatório no fim desta semana ou no início da próxima. O parlamentar confirmou à Gazeta do Povo que estuda junto ao governo uma forma de permitir que empresas com a folha não bancarizada tenham acesso ao crédito e também uma forma de melhorar a comunicação.

O deputado também deve propor mudar os limites de faturamento para que mais empresas possam ter acesso à linha e incluir os produtores rurais.

Microempresa ainda sem crédito barato

O programa criado pela MP 944/2020 para financiar a folha é voltado somente para pequenas e médias empresas. As microempresas, ou seja, aqueles negócios com faturamento de até R$ 360 mil por ano não são abarcados pela medida.

O governo não propôs um projeto específico para os micro empreendedores. Diante da lacuna, o senador Jorginho Mello (PL/SC), presidente da Frente Parlamentar Mista da Micro e Pequena Empresa, apresentou um projeto para criar o Pronampe, uma linha de crédito especial para pequenas e microempresas pedirem empréstimos de valor correspondente a até 30% de sua receita bruta obtida no ano de 2019.

O projeto já foi aprovado pelo Congresso e falta a sanção do presidente Jair Bolsonaro para entrar em vigor.

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