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A declaração de falsidade de um dos documentos que deu início à Operação Zelotes pode gerar uma série de pedidos de anulação de processos. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que, a partir da anulação, os envolvidos podem se basear na teoria dos "frutos da árvore envenenada" para alegar que uma prova inválida pode invalidar todo o processo.
A Operação Zelotes foi uma investigação da Polícia Federal (PF) que apurou um esquema de corrupção no Carf, órgão do Ministério da Fazenda, responsável por julgar recursos de empresas e pessoas físicas em dívidas com a União.
Réu em cinco ações penais na Zelotes, o ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) Jorge Victor Rodrigues acionou a Justiça para pedir que um relatório de inteligência financeira (Rif) do Coaf fosse considerado falso. Essa é uma das principais provas contra ele.
O pedido de Rodrigues foi aceito pela Justiça. A declaração de falsidade faz parte de uma decisão proferida pelo juiz Antonio Claudio Macedo da Silva, da 10ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal. A decisão foi divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo. O juiz atestou a falsidade por considerar que não há documentos que comprovem o que está no relatório do Coaf.
O documento declarado falso é um relatório de inteligência financeira (Rif) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que apontou movimentações atípicas em maio de 2005. Trata-se de uma operação de R$ 2,8 milhões que teria sido realizada em uma conta da SBS Consultoria Empresarial no Bradesco. A empresa era de Jorge Victor Rodrigues.
Esse relatório desempenhou um papel significativo em algumas investigações da Operação Zelotes. A defesa de Rodrigues afirma que as informações presentes nesse Rif são falsas e que pediu o trancamento das ações penais contra ele. (Leia mais sobre a questão abaixo.)
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Pedido relacionado ao relatório já havia sido julgado
O ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) Jorge Victor Rodrigues já havia alegado anteriormente que o relatório produzido pelo Coaf seria falso. O pedido, chamado de incidente de falsidade, no entanto, foi julgado improcedente pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, responsável pela causa em 2023. Na decisão, o juiz pediu ainda esclarecimentos ao Coaf sobre o Relatório de Inteligência Financeira (Rif). O relatório também teria passado por perícia técnica.
Já na decisão mais recente, o juiz Antonio Claudio Macedo da Silva apontou que o Coaf não atendeu às solicitações da Justiça. “[...] O COAF não esclarece o porquê jamais encaminhou a este Juízo, apesar de diversas vezes instado para tal, os documentos que deram origem ao RIF 12225, e junta documentos irrelevantes para o presente incidente de falsidade, é dizer, não junta a documentação que embasou a produção do RIF”, escreveu Macedo da Silva.
A documentação mencionada pelo magistrado se refere a comunicações e recibos que teriam baseado a elaboração do relatório. Assim, na decisão, o juiz Macedo da Silva apontou a “inexistência de suporte fático” do relatório. O juiz mencionou ainda uma “evasividade inadmissível” do Coaf “para um órgão central ao controle do moderno fenômeno da lavagem de dinheiro”.
Operação Zelotes teve múltiplas fontes de prova, apontam analistas
Deflagrada em 2015, a Operação Zelotes apurou um esquema de compra de decisões no Carf, causando prejuízo de bilhões de reais aos cofres públicos. Diversas empresas e pessoas físicas foram investigadas e condenadas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Em diversas fases, as investigações da Polícia Federal chegaram, inclusive, a autoridades integrantes do governo federal da época - membros da gestão ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O ex-ministro Antonio Palocci e o ex-ministro Guido Mantega foram alguns dos envolvidos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a ser declarado réu nos desdobramentos da Operação, mas acabou absolvido. No caso de Mantega, a Justiça Federal encerrou o processo devido à prescrição da pena.
A partir da declaração de falsidade do relatório do Coaf, os envolvidos devem apresentar pedido de extensão de nulidade de todas as provas. O pedido, no entanto, tem que atender a alguns requisitos.
“Devem mostrar prejuízo a cada parte, especificamente. Como o relatório não é sobre um conjunto de provas, mas sobre uma prova específica, mais provável que não contamine o todo e o processo siga contra os demais acusados”, explicou o advogado Georges Humbert, pós-doutor em Direito.
Além disso, diante da complexidade da Operação, analistas avaliam que há uma farta gama de provas no processo e, por isso, não seria possível anular toda a Operação em razão da declaração de falsidade atestada pelo juiz Antonio Claudio Macedo da Silva.
“A Operação baseou-se em múltiplas fontes de prova, incluindo colaborações premiadas, quebras de sigilo bancário e fiscal interceptações telefônicas, além de outros relatórios de inteligência financeira”, apontou o advogado Alessandro Chiarottino, especialista em Direito Constitucional.
Neste sentido, os analistas afirmam que a teoria dos frutos da árvore envenenada tem limitações. Apesar dos pedidos de anulação de outros envolvidos, a avaliação de advogados consultados pela reportagem é de que não é possível que essa decisão invalide toda a Operação.
“A Operação como um todo abrangeu uma ampla gama de casos e investigados, envolvendo diversas empresas e indivíduos”, disse Chiarottino.
Para ele, embora o documento tenha sido crucial em alguns casos, não há evidências de que ele tenha sido essencial para a maioria dos processos no âmbito da Operação Zelotes.
“Há outras provas que são totalmente independentes de uma suposta prova que esteja envenenada e que consequentemente seja considerada ilícita, como é o caso deste relatório”, observou a advogada Vera Chemim, especialista em Direito Constitucional.
Para ela, no entanto, do ponto de vista político, a tendência é de que ocorram mais anulações. “A exemplo da Operação Lava Jato, essa Operação Zelotes está igualmente ameaçada de ser totalmente invalidada, por meio deste suposto relatório que seria falso”, afirmou a advogada.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o advogado José Francisco Fischinger, responsável pela defesa de Jorge Victor Rodrigues, afirmou que o cliente foi indevidamente incluído na Operação Zelotes por causa do relatório do Coaf. Ele afirmou que o documento é falso, que o entendimento da defesa é de que todas as provas estão contaminadas e também que já pediu o trancamento das ações penais.
"Nosso cliente foi indevidamente trazido para as investigações da Operação Zelotes a partir de um relatório de inteligência financeira (RIF) do COAF completamente falso, na medida em que as informações constantes desse documento não correspondem a nenhuma operação bancária que tenha sido realizada pela empresa dele ou por ele como pessoa física. Ou seja: os dados falsos provocaram a indevida instauração de investigação contra Jorge Victor. Como todas as medidas cautelares adotadas contra ele tiveram como origem única o RIF falso, entendemos que todas as provas produzidas estão contaminadas. Chamamos de “prova ilícita derivada”, no contexto da teoria dos “frutos da árvore envenenada”. Por essa razão, uma vez reconhecida a falsidade, postulamos o trancamento das ações penais a que responde o cliente e temos confiança no restabelecimento da justiça", afirmou o advogado.
A reportagem também pediu o posicionamento do Ministério Público Federal (MPF) sobre a declaração de falsidade do relatório do Coaf determinada pela Justiça, mas não houve retorno até a publicação da matéria.