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Ministros do STF recebem Lula em novembro, após sua vitória na disputa presidencial
Ministros do STF recebem Lula em novembro, após sua vitória na disputa presidencial| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder intensificou o processo de desmantelamento da Lava Jato iniciado em 2019. Mas agora, além de investigações e condenações anuladas, a elite do Judiciário iniciou um processo de retaliação contra os protagonistas da maior operação de combate à corrupção do país. O caso mais evidente foi a cassação, sem previsão legal, do mandato de deputado federal do ex-procurador Deltan Dallagnol. O próximo alvo, já anunciado na imprensa, é o ex-juiz e senador Sergio Moro.

A anulação das condenações de Lula, em 2021, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), seguida de sua vitória eleitoral no ano passado, celebrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reforçou como nunca a narrativa falaciosa dos inimigos da Lava Jato de que a operação se resumiu a uma perseguição política, como se não tivessem existido inúmeras denúncias provadas de corrupção contra o petista e seu entorno durante seus outros mandatos.

Parte relevante das decisões contra Dallagnol e Moro vêm de ministros muito próximos do mundo político e interessados em se cacifar para postos mais altos do Judiciário ou influenciar nomeações a cargo de Lula.

O ex-procurador, por exemplo, foi cassado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com base no voto de Benedito Gonçalves, ministro nomeado por Lula para o Superior Tribunal de Justiça em 2008 e que há 20 anos se coloca como candidato a uma vaga no STF. Ele ganhou ainda mais força quando liderou o julgamento para tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível.

Outro interessado no STF que proferiu decisões contra Dallagnol foi Luís Felipe Salomão, nomeado por Lula em 2008 para o STJ. No ano passado, ele capitaneou a decisão que condenou o ex-procurador a indenizar o presidente em R$ 75 mil por causa da entrevista coletiva à imprensa em 2016 na qual o apresentou como chefe de organização criminosa.

Neste ano, como corregedor-nacional de Justiça, cargo que ocupa no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ele resolveu fazer uma inspeção na 13ª Vara Federal de Curitiba, especialmente depois do afastamento do juiz Eduardo Appio, que vinha revertendo decisões da operação. Salomão, além disso, encabeçou a decisão de fevereiro, do CNJ, que afastou do cargo o juiz federal Marcelo Bretas, que conduzia os processos da Lava Jato no Rio de Janeiro.

Outras medidas contra Moro e Dallagnol

Em junho deste ano, o ministro do STJ Humberto Martins, que ao menos até o ano passado almejava chegar ao STF, encabeçou o julgamento que revalidou a decisão do ano passado, do Tribunal de Contas da União (TCU), que cobra de Dallagnol R$ 2,8 milhões pelas diárias e passagens pagas pelo Ministério Público Federal a outros integrantes da extinta força-tarefa de Curitiba. Acompanharam Martins, entre outros ministros, João Otávio de Noronha e Mauro Campbell, também sempre cotados para assumir uma vaga no STF.

A decisão do TCU, aliás, teve como pivô o presidente do órgão, Bruno Dantas, outro interessado numa vaga para o STF. Neste mês, para intensificar a empreitada contra a Lava Jato, ele pediu à Corte acesso às supostas mensagens trocadas por ex-procuradores. Ele diz que foi citado numa das conversas e agora quer usá-la para processar Moro e Dallagnol – esse objetivo esbarra de frente com um princípio elementar do direito, que proíbe o uso de provas ilícitas – no caso, obtidas clandestinamente por hackers – para acusar alguém.

A fritura de Sergio Moro, por sua vez, tem como um dos principais expoentes Gilmar Mendes, decano do STF e o mais influente no meio político. Em abril deste ano, por provocação do ministro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o senador por causa de um vídeo antigo, disseminado num fim de semana nas redes sociais, em que ele brincava, numa festa junina, que poderia “comprar um habeas corpus” de Gilmar. Foi acusado de calúnia.

Dentro do STF, quem também está no encalço de Moro é Dias Toffoli, que busca se reaproximar de Lula após um período de afastamento. Em junho, o ministro anulou todas as provas que pesavam contra o advogado Rodrigo Tacla Duran, acusado de lavagem de dinheiro, mas que acusa Moro de extorsão, e mandou a PGR apurar declarações do empresário e ex-deputado Antônio Celso Garcia, conhecido como Tony Garcia. Ele diz que atuou como “agente infiltrado” de Moro no caso Banestado, no início dos anos 2000.

Antes de Toffoli, Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, abriu uma investigação contra Moro com base nas acusações de Tacla Duran, nunca provadas. O caso poderá ser conduzido no STF por Cristiano Zanin, novo ministro do STF escolhido por Lula e antigo desafeto de Moro na Lava Jato.

Antes de deixar o STF, Lewandowski, que sempre foi crítico da Lava Jato, também contribuiu para demolir ainda mais o legado da operação. Após anular provas colhidas junto à Odebrecht contra Lula, ele estendeu essa decisão a vários outros réus da Lava Jato, pondo fim a inquéritos e ações a que respondiam na primeira instância da Justiça. Nessa leva, foram beneficiados o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), o ex-senador Edison Lobão, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, o ex-presidente da Fiesp Paulo Skaf, o almirante Othon Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, entre outros.

Outros poderosos também se beneficiaram do desmonte da Lava Jato no STF. Em junho, a Primeira Turma do STF rejeitou uma denúncia por corrupção contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), baseada na delação premiada do ex-doleiro Alberto Youssef. O caso remonta a 2012, quando um assessor de Lira foi flagrado no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com R$ 106,4 mil em espécie, antes de embarcar para Brasília. Ao analisar a acusação, André Mendonça, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes concluíram que não havia provas contra Lira, seguindo assim o parecer da PGR, que decidiu retirar as acusações que havia feito inicialmente contra o deputado.

Appio na 13ª Vara Federal de Curitiba

Outra parte do desmonte da Lava Jato começou a ser operada na 13ª Vara Federal de Curitiba pelo juiz federal Eduardo Appio. Crítico notório de Moro e Dallagnol, ele assumiu o posto no início do ano, e passou a proferir decisões que colocavam em xeque atos considerados cruciais para a operação. Em março, por exemplo, ele mandou prender o doleiro Alberto Youssef, personagem-chave e primeiro delator da operação. Com base numa nova representação da Receita, o juiz afirmava que ele escondia valores que deveria devolver e tinha endereço incerto. A decisão foi depois derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

Naquele mesmo mês, Appio tomou o depoimento do advogado Rodrigo Tacla Duran, o que desencadeou a investigação que depois chegou ao STF contra Moro.

Em maio, o juiz convocou Dallagnol a depor sobre sua ligação com Walter José Mathias Junior, procurador responsável pelos casos de Tacla Duran, que sempre rejeitou as acusações do advogado. No mesmo mês, ele mandou a Polícia Federal reabrir as investigações sobre um grampo clandestino encontrado por Youssef em sua cela em 2014, quando estava preso na superintendência da corporação no Paraná.

Há o receio de anulação de toda a delação do doleiro, caso se considere que ele teria sido gravado de forma irregular durante sua prisão preventiva.

Appio, no entanto, foi afastado ainda em maio da Lava Jato, depois que veio à tona uma gravação em que ele teria supostamente tentado intimidar o filho do desembargador Marcelo Malucelli, do TRF4, que vinha anulando boa parte de suas decisões.

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