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Suposto golpe

Divergência de Fux abre caminho para Bolsonaro, assim como Lula, anular eventual condenação

Ministro Luiz Fux durante sessão da Primeira Turma do STF que analisa denúncia contra Bolsonaro e mais 7 acusados
Ministro Luiz Fux durante sessão da Primeira Turma do STF que analisa denúncia contra Bolsonaro e mais 7 acusados (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

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A divergência do ministro Luiz Fux durante o julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, contrária à competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar o caso, levantou para a defesa a possibilidade de eventual anulação, no futuro, de eventual condenação por tentativa de golpe.

As críticas do ministro sobre a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também chamaram a atenção das defesas, que também poderão, no futuro, suscitar a anulação de toda a colaboração e de toda a investigação baseada nela.

Durante a análise de questões preliminares - questionamentos sobre a regularidade da investigação - levantadas pelas defesas de Bolsonaro e de outros sete acusados, Fux acolheu o pedido para retirar o caso do STF, por ausência de foro privilegiado dos envolvidos; e defendeu, se fosse mantida a competência da Corte, a remessa do caso para o plenário, composto por todos os 11 ministros.

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Fux ficou vencido, uma vez que Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin – os outros integrantes da Primeira Turma – votaram pela competência do STF e da Primeira Turma. Mas, em seu voto, o próprio Fux alertou que a falta de competência é causa para anulação de todo o processo, na fase seguinte do caso.

“A incompetência absoluta é um vício que é passível de ser alegado, inclusive, na rescindibilidade do julgado. E nós aqui, na Primeira Turma, temos vários habeas corpus, que foram impetrados, e que por incompetência absoluta, foram concedidas as ordens”, afirmou ao divergir.

Antes, Fux afirmou que a questão do foro não é pacífica no STF e que, no último dia 11 de março, votou contra a maioria dos ministros, que mudaram o entendimento anterior sobre o assunto, para estabelecer que autoridades mantêm o foro na Corte após a saída do cargo, caso sejam investigados por crimes cometidos durante o mandato.

“Essa matéria não é tão pacífica, essa matéria já foi mudada e remudada e voltou-se a tese original várias vezes [...] Ou nós estamos julgando pessoas que não exercem funções públicas, ou estamos julgando pessoas que têm essa prerrogativa e o local correto seria efetivamente o plenário”, afirmou.

Após o julgamento, o advogado Matheus Milanez, que defende o general e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno, disse à Gazeta do Povo que a divergência abre um caminho para a anulação de eventual condenação.

Lembrou que isso ocorreu no caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que após condenação em três instâncias, teve o processo anulado no STF por falta de competência da 13ª Vara Federal de Curitiba.

“O caso do Lula foi isso. Na época, o Cristiano Zanin [que defendia o presidente] entrou com um HC [habeas corpus] falando que a 13ª Vara Federal de Curitiba é incompetente, porque não tem conexão probatória, não é o mesmo fato nem o mesmo território. Na época, o juiz federal, o TRF, o STJ e o STF validaram. Só que esse HC bateu no gabinete do Edson Fachin e ele guardou, não julgou o mérito. Dois anos depois, ele traz o mérito e dá provimento”, disse.

“O que Fux falou é isso: questões de nulidade absoluta podem ser arguidas a qualquer momento. ‘Ah, mas já venceu aqui o ponto’. Mas se vai para frente e levantar e tiver nulidade, caiu. Então, o que ele quis dizer foi: a gente tem que analisar isso agora, porque se a gente deixar para analisar lá na frente, pode perder o processo inteiro”, completou.

O procurador de Justiça de São Paulo César Dario Mariano da Silva, mestre e especialista em Direito Penal, considera “estranho” o entendimento de julgar Bolsonaro e todos os outros envolvidos no 8 de janeiro de 2023 no STF.

Para ele, há contradição até pelo fato de os primeiros condenados terem sido julgados no plenário, e agora o caso tramitar na Primeira Turma. “Deveria todo mundo ser julgado pelo pleno para acabar essa desconfiança que vai existir. E isso eu não tenho a menor dúvida que vai acabar ficando essa desconfiança de que há uma prejulgamento, com a condenação de todos os acusados.”

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Ressalvas de Fux sobre delação de Cid também abrem caminho para anulação

Outro problema apontado por Fux em seu voto, e que chamou a atenção das defesas, se refere à colaboração do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Os advogados do ex-presidente e de outros denunciados defenderam a nulidade da delação premiada, apontando coação. Lembraram do áudio, revelado no ano passado, em que ele dizia que era pressionado a confirmar as hipóteses da PF, o fato de ter omitido, nos primeiros depoimentos, uma suposta participação do ex-ministro Walter Braga Netto no financiamento de uma operação para executar Moraes.

A lei diz que a colaboração deve ser voluntária e que ela é apenas um meio para a obtenção de provas. As declarações não servem para acusar e tudo o que um delator diz deve ser comprovado pela investigação para ter validade.

Em seu voto, Fux fez fortes ressalvas à delação. Votou para manter sua validade nesse momento, mas não descartou, no futuro, uma anulação. “Nove delações não representam nenhuma delação. Não tenho a menor dúvida que houve omissão. Tanto que foram feitas nove delações [...] Vejo com muita reserva nove delações do mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade. Me reservo o direito de analisar no momento próprio a nulidade e eficácia dessas delações sucessivas”, disse o ministro.

Na saída do julgamento, o advogado que chefia a defesa de Bolsonaro, Celso Vilardi, disse que o STF “inovou” ao analisar a regularidade da delação de Cid. “Na minha visão, o Supremo, de certa forma hoje, inovou, de certa forma, a jurisprudência”, afirmou. Na equipe da defesa, os advogados veem no voto de Fux argumentos fortes para anular a delação futuramente. Nesse caso, assim como ocorreu na Lava Jato – como nos casos de Marcelo Odebrecht e Antonio Palocci – todas as provas colhidas a partir da delação podem cair, se no futuro o STF considerar que houve pressão indevida.

Durante sua sustentação, Vilardi apontou uma inversão no procedimento da colaboração. Disse que, pela lei, a polícia deve confirmar os relatos do delator, mas que, no caso de Mauro Cid, ele foi pressionado a corroborar a versão prévia da PF.

Para Cesar Mariano da Silva, a colaboração deveria ser anulada. “Essa delação é mais que nula pelo fato de não ter tido voluntariedade, de ter tido a participação direta do juiz na delação, o que a lei de delação veda expressamente. De ter tido aquelas ameaças veladas”, disse, em referência à audiência, no fim do ano passado, em que Moraes ameaçou investigar o pai, a esposa e a filha de Mauro Cid se ele não dissesse a “verdade” – no caso, as suspeitas da PF em relação a Braga Netto.

“A delação não tem credibilidade nenhuma porque Cid teve diversas versões, cada vez ele falava uma coisa, qual delas que vale?”, disse ainda o procurador e professor.

Para ele, a denúncia será recebida e Bolsonaro se tornará réu – o julgamento sobre o mérito da denúncia será retomado nesta quarta-feira (26).

Advogado e doutor em Direito Penal pela USP, Matheus Herren Falivene concorda que as objeções de Fux sobre a competência e a delação de Cid são “muito relevantes”. “Especialmente as contradições na colaboração premiada de Mauro Cid, fatos que, no futuro, podem levar a questionamentos e à anulação de uma eventual condenação.”

Para o procurador de Justiça do Rio de Janeiro e professor de Direito Penal Marcelo Rocha Monteiro, “é evidente que houve coação”. “O próprio juiz participa da delação. É uma negociação entre as partes, não envolve o juiz. E ele participa de uma forma que nós assistimos em vídeo”, disse.

Ele também critica o fato de Moraes, que figura como vítima no caso, e Flávio Dino, que já chamou Bolsonaro de “demônio”, não serem impedidos de julgarem o caso – nesta terça, a Primeira Turma confirmou a participação deles no julgamento.

“Não cabe análise jurídica desse julgamento. Esse julgamento é aquilo que na Rússia, do Stalin, na União Soviética, se chamava ‘show trial’. É um julgamento espetáculo, o roteiro, o script já está todo pronto. Eu afirmo com absoluta convicção, que não só a denúncia será recebida. Mas também que Bolsonaro já está condenado, já estão todos condenados. O que está acontecendo é mera formalidade, estamos vendo um teatro”, afirmou Monteiro.

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