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Funai recorre ao STF para impedir ações baseadas no marco temporal para demarcação de terras indígenas.
Funai recorre ao STF para impedir ações baseadas no marco temporal para demarcação de terras indígenas.| Foto: Mário Vilela/Funai/Divulgação

Agricultores podem ser impedidos de usar lei do marco temporal em processos contra a demarcação de terras no Brasil. A proibição foi solicitada por meio de uma petição da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que quer a suspensão de todos os processos judiciais que busquem a aplicação da Lei 14.701/2023.

A ação da Funai gerou reações do agronegócio, em especial da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que foi a principal responsável pela aprovação e promulgação da lei, após intensas batalhas com os poderes Judiciário e Executivo. Para a bancada do agro, a petição da Funai, na prática, tenta impedir os produtores rurais de questionar eventuais ilegalidades praticadas pela autarquia com base na lei aprovada no Congresso.

A ação da Funai foi seguida por uma petição de indígenas catarinenses, que reforçam a posição da Funai. As petições foram protocoladas no Supremo Tribunal Federal (STF) junto ao processo do Recurso Extraordinário (RE) 1017365/SC, que culminou no julgamento que derrubou a tese do marco temporal.

Além disso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entrou com um pedido de tutela provisória de urgência para acelerar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7582 , que pede a inconstitucionalidade da lei do marco temporal aprovada no ano passado pelo Congresso.

Essas ações se somam ao impasse relacionado ao marco temporal para demarcação de terras indígenas, adicionando novos elementos à briga entre as teses defendidas e intensificando a judicialização do tema. A batalha travada em 2023 entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário deve permanecer em 2024 e a palavra final sobre o marco temporal ainda não tem data para sair.

Lei do marco temporal faz governo colocar o pé no freio nas demarcações 

A petição da Funai, se baseia, em especial, no fato de o acórdão sobre o julgamento encerrado em setembro no STF ainda não ter sido publicado. O órgão pediu a suspensão dos processos para novas demarcações, já que, o andamento destas ações poderia resultar no atendimento a pedidos de proprietários de terra que usem a lei do marco temporal a seu favor.

No entendimento do Funai, caso os processos de demarcação não sejam suspensos, há risco de "lesão grave e de difícil reparação às comunidades indígenas". Na petição, o órgão aponta ainda três vantagens para a suspensão: evitar a prática de atos processuais em contrariedade com o que vier a ser decidido, promover uma resposta uniforme após o julgamento e evitar eventuais ações rescisórias.

De acordo com o documento protocolado pela Funai, o fato de o acórdão não ter sido publicado “impede a atuação dos legitimados no sentido de analisar a viabilidade ou não da interposição de recurso”. Sendo assim, não seria possível a “inteira compreensão do julgado”, de acordo com a petição.

Na petição ao STF a Funai, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), alega que uma incerteza paira sobre o tema após o Congresso aprovar lei que estabelece o marco temporal logo depois de o Supremo invalidar a tese. Apesar de o processo no qual a petição foi apresentada não tratar da lei do marco temporal aprovada pelo Congresso, a Funai também menciona a sua promulgação. Para o órgão, a lei tem “flagrante contrariedade” com o julgamento do marco temporal e isso teria despertado a possibilidade de retomada de inúmeras decisões de reintegração de posse em casos como os da Bahia e do Mato Grosso do Sul.

Entre os motivos apresentados na petição, a Funai pontua ainda que a decisão proferida no julgamento do marco temporal não deve ser aplicada, “uma vez que ainda se sujeita a possíveis aclaramentos ou, até mesmo, regulamentação, principalmente no que se refere aos procedimentos de indenização dos ocupantes”, argumentam os procuradores da AGU no documento.

Neste sentido, a presidente da Funai, Joenia Wapichana chegou a afirmar que já teria deixado de dar encaminhamento a pelo menos dois processos de demarcação. “Eu já iria assinar duas terras, mas aí veio o marco temporal e agora precisamos avaliar o impacto da nova legislação, vamos esperar derrubar essa lei. Se continuarmos, podemos prejudicar os parentes”, disse Wapichana durante a 43ª Assembleia Geral da Região das Serras, que aconteceu no dia 7 de janeiro de 2024.

Bancada do agronegócio discorda da ação e reforça validade da lei do marco temporal 

Ao discordar da ação, a bancada do agronegócio afirmou sobretudo entender que o pedido da Funai busca o caminho da decisão monocrática em um “processo que sequer tem a possibilidade de avaliar o mérito da lei”. “O que se vê, em verdade, é a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) buscando salvo-conduto para não aplicar a Lei 14.701/2023”, pontuou o comunicado.

O argumento tem fundamentação nas ações protocoladas após a promulgação da lei do marco temporal. Uma ação, iniciada por PP, PL e Republicanos, busca consolidar a constitucionalidade da lei, enquanto outras duas, protocoladas por partidos de esquerda, buscam atestar a inconstitucionalidade do marco temporal.

Em discurso no plenário da Câmara dos Deputados, o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR) destacou a validade da lei do marco temporal. "Nós aprovamos na Câmara o projeto do Marco Temporal. Aprovamos no Senado, o Presidente da República vetou, nós derrubamos o veto com mais de 380 votos nas duas Casas, o presidente do Congresso Rodrigo Pacheco promulgou. É lei, está vigente, existe, vale e tem que ser respeitada", disse o presidente da FPA.

Para a bancada do agronegócio, a temática da demarcação de terras indígenas deve ser baseada na lei do marco temporal aprovada pelo Congresso e promulgada no começo de 2024. "Não é admissível que se busque a vedação do acesso à justiça por interessados no cumprimento da Lei. É primordial, em um Estado Democrático de Direito, pautado na separação das funções do Poder, que ao cidadão seja garantido o acesso ao Judiciário, em eventual violação a seus direitos”, diz a nota emitida pela FPA.

CNA diz que intenções processuais da Funai são abusivas 

A suspensão proposta pela Funai também teve manifestação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A Confederação, que representa o setor produtivo do agronegócio, pediu indeferimento integral do requerimento feito pel Funai. Em petição apresentada junto ao STF, os argumentos da Funai são classificados pela CNA como “abusivos” e “surpreendentes".

“É evidente que o órgão indigenista está apenas fazendo jogo de palavras para tentar, de forma temerária, se liberar de cumprir o que foi decidido pelo STF. O pedido da Funai tenta passar a ideia de que não houve julgamento, de que não houve fixação de teses, de que não há manifestação do Plenário do Tribunal, pretendendo, assim, reviver efeitos de uma decisão monocrática de maio de 2020 em oposição a um julgamento plenário do STF”, pontua o documento da CNA.

A decisão monocrática de maio de 2020, mencionada pela CNA, se refere à decisão que paralisou as demarcações de terras indígenas durante a pandemia de Covid-19. Nela, o ministro Edson Facchin decidiu que a suspensão dos processos de demarcação duraria até o fim da pandemia ou até o fim do julgamento sobre o marco temporal. Ambas as hipóteses já foram superadas, sendo assim, não haveria impedimento para o andamento dos processos, de acordo com a CNA.

Para a CNA, a Funai estaria também tentando subverter o processo. “Não resta dúvida de que se busca, em realidade, a subversão processual pautada na ideia de que uma decisão monocrática já superada teria validade sobre o próprio julgamento plenário do próprio STF. E é disso que se trata o pedido da FUNAI: descontente com as 13 (treze) teses fixadas, quer reviver a decisão liminar de maio de 2020".

Na petição, a CNA reforça ainda a validade da lei do marco temporal, argumentando que o único meio possível para invalidar a lei é por meio do julgamento das ações protocoladas após a promulgação da mesma. Neste caso, a confederação pontua que seria necessário julgar ao menos a Ação declaratória de constitucionalidade (ADC) 87, apresentada pelo PP, PP e Republicanos para consolidar a constitucionalidade da lei.

“Não há qualquer decisão do Plenário do STF que tenha suspendido os efeitos da mencionada lei nos autos da ADC nº 87, único instrumento processual do controle concentrado de constitucionalidade no qual decisão desse porte poderia ser tomada”, pontua documento.

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