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O deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ), relator do projeto de ajuda aos estados: divergências de números e acusações de fake news.
O deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ), relator do projeto de ajuda aos estados: divergências de números e acusações de fake news.| Foto:

Um projeto de socorro financeiro aos estados que tramita na Câmara dos Deputados abre caminho para R$ 55 bilhões em garantias da União a novos empréstimos a serem contratados pelos governos regionais, medida que tem sido vista como uma reedição da “farra das garantias” promovida entre 2012 e 2014, no governo Dilma Rousseff (PT), e que foi seguida de uma quebradeira dos estados logo à frente. A conta do calote foi paga pela União.

Com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deputados discutem uma proposta para socorrer governadores e prefeitos no enfrentamento da pandemia do coronavírus. Além da ampliação do endividamento, o texto também prevê compensação da perda na arrecadação nos caixas regionais durante a crise. Classificado como “bomba fiscal” pela equipe econômica, que estima impacto de R$ 159,7 bilhões, e criticado por economistas por elevar gastos para além de 2020, o projeto teve a votação adiada para a semana que vem.

Maia e o relator do projeto, Pedro Paulo (DEM-RJ), questionaram os números do governo. O relator chegou a enviar para os congressistas mensagens afirmando que os números do governo eram fake news. O governo propôs um acordo para que ambas as partes façam as contas conjuntamente. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo apurou, a ideia é que os números possam ser validados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Como foi a “farra das garantias” no governo Dilma

Em 2013, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff avalizou cerca de R$ 60 bilhões em empréstimos contratados pelos estados. Menos de três anos depois, no início de 2016, o Rio de Janeiro foi o primeiro a atrasar pagamentos, seguido nos anos seguintes por outros estados como Goiás e Minas Gerais.

Na gestão petista, estados já com contas deterioradas e baixa capacidade de pagamento foram priorizados nas concessões de garantias da União. Na época, não era uma lei, mas sim uma portaria do Ministério da Fazenda que permitia uma concessão excepcional do aval. O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação e responsabilizou o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-ministro do Tesouro Nacional Arno Augustin pelos prejuízos arcados pela União com essas operações. Eles foram multados pela irresponsabilidade na concessão das garantias.

Se um estado não paga um empréstimo que tenha a garantia federal, o Tesouro precisa quitar a parcela junto à instituição financeira ou ao organismo multilateral, mas nem sempre consegue recuperar os valores porque decisões judiciais “blindam” os cofres dos estados.

Desta vez é diferente, afirmam defensores do projeto

Agora, na avaliação de técnicos ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato, não haverá base para qualquer responsabilização caso o filme se repita. A União não estará livre de prejuízos, mas o texto dá “roupagem legal” a essas operações.

Na defesa do projeto, Maia tem dito que o “espaço fiscal” para novas operações é menor que o máximo histórico visto na época da farra das garantias. No entanto, os técnicos alertam que o espaço para novas garantias vem acompanhando de uma suspensão de R$ 47,6 bilhões em dívidas dos governos regionais – o que na prática significa um espaço de R$ 102,6 bilhões, sem incentivos à boa gestão fiscal.

Pelo projeto, estados com classificação D, a pior de todas em termos de capacidade de pagamento, poderão contratar novos empréstimos. As regras atuais vedam a concessão de novos financiamentos com aval da União a esses governos, a não ser que eles ingressem em algum programa de socorro do governo federal e se comprometam com medidas de ajuste nas contas, como cortes em gastos com pessoal e venda de estatais.

O maior problema de liberar uma montanha de dinheiro novo é que alguns estados já não conseguem pagar salários de servidores ou contratos com fornecedores. Embora as novas dívidas não precisem seguir o trâmite regular de um pedido de aval à União e tenham carência no pagamento das prestações até 2022, a conta das primeiras parcelas chegaria para o próximo governo. Elas se somariam à retomada do pagamento de parcelas das dívidas que já existem hoje e que o projeto também quer suspender. Seria um alívio de R$ 47,6 bilhões com essa medida.

Técnicos alertam para nova crise nos estados

A avaliação entre técnicos que acompanham as contas dos estados é de que a concessão de garantia sem análise da capacidade de pagamento pode gerar outra crise nos estados, assim como ocorreu entre o fim de 2015 e o início de 2016. Foi quando a última renegociação de dívidas com a União foi deflagrada, e os primeiros estados começaram a parcelar salários de servidores – alguns não conseguiram regularizar a situação.

Um aumento da dívida sem uma avaliação criteriosa dos motivos pode arranhar a imagem e a credibilidade da sustentabilidade fiscal do país perante o mercado financeiro, que é quem compra títulos da dívida pública brasileira e financia o governo. Esse custo de financiamento, que nos últimos anos caiu bastante, poderia subir.

Relator deixa porta aberta para alterações

A proposta ainda prevê outros R$ 41,1 bilhões em compensações aos estados por perdas em receitas próprias, dinheiro sem carimbo que poderia ser gasto com despesas não prioritárias num momento de crise. Pedro Paulo disse ao jornal O Estado de S.Paulo que, se o governo federal aceitar essa injeção de recursos da União para compensar as perdas de arrecadação do ICMS (imposto estadual) e ISS (imposto municipal), ele retira do texto o trecho que permite aos estados tomar mais empréstimos com garantia da União em até 8% das receitas.

Rodrigo Maia, por sua vez, acenou com uma redução da margem para a ampliação do endividamento dos estados. Em vez de permitir que a dívida suba em até 8% da receita corrente líquida, Maia admitiu reduzir esse porcentual para 5% ou 6%, desde que a compensação pela perda das receitas aos governos regionais seja ampliada de três para quatro ou cinco meses. A reportagem apurou que a ideia é permitir que estados bons pagadores (com notas A e B) consigam ampliar as dívidas em até 6% das receitas e os com notas piores (C e D) fiquem restritos a 5%.

"A suspensão da dívida é essencial. Os estados não podem emitir títulos para investir nas ações da Covid-19, é uma prerrogativa da União e só o Banco Central pode imprimir moeda"

Henrique Meirelles, secretário da Fazenda de São Paulo.

Segundo Maia, o governo federal adotou o discurso de “pauta bomba” como pretexto para inviabilizar a votação do projeto, que irá beneficiar principalmente estados do Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro, governados, respectivamente, por João Doria (PSDB) e Wilson Witzel (PSC), adversários de Jair Bolsonaro. “Transformar o debate sério que nós sempre fizemos e continuamos fazendo num debate de pauta-bomba porque, na verdade, o governo federal não quer atender os estados do Sudeste... Nesse debate eu não vou entrar. Eu vou entrar no debate técnico”, afirmou Maia.

Em entrevista ao lado de Witzel à Super Rádio Tupi, Maia disse que o Rio deve receber R$ 3 bilhões ou R$ 4 bilhões em garantia de arrecadação do ICMS com compensação por três ou quatro meses. Além disso, projetou mais R$ 2 bilhões em empréstimos para o governo. Para o secretário de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, o projeto é absolutamente necessário. “A suspensão da dívida é essencial. Os estados não podem emitir títulos para investir nas ações da Covid-19, é uma prerrogativa da União e só o Banco Central pode imprimir moeda”, disse.

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