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Por que congressistas dos EUA enviaram a Biden uma carta contra a Lava Jato
O Capitólio dos Estados Unidos, sede do Congresso americano.| Foto: BigStock

Parlamentares do Partido Democrata dos Estados Unidos enviaram na última segunda-feira (7) uma carta ao procurador-geral do país, Merrick Garland, pedindo esclarecimentos sobre a colaboração oferecida pelo governo norte-americano à Operação Lava Jato alguns anos atrás. O documento contém elementos que mostram uma motivação política pró-Lula da parte dos democratas – o mesmo partido do presidente Joe Biden.

Um documento semelhante já havia sido enviado em 2019 ao então procurador-geral William Barr, mas os parlamentares alegam que não receberam “uma resposta substantiva” . Por isso, estão agora reiterando o pedido.

Entre os signatários da carta está Alexandria Ocasio-Cortez, uma das mais célebres figuras democratas na atual composição do Congresso norte-americano. O grupo é liderado por Hank Johnson, deputado que em 2019 já se manifestou contra o acordo entre Brasil e EUA que permite aos americanos o uso da base de lançamentos de foguetes de Alcântara, no Maranhão.

Entre as preocupações sobre a Lava Jato mencionadas na carta está o fato de que os Estados Unidos teriam colaborado com uma operação que a própria Justiça brasileira reconheceu como violadora do devido processo legal.

“O STF brasileiro concluiu no mês passado que o ex-juiz criminal federal de Curitiba, Sérgio Moro, violou o devido processo com suas condenações parciais e vieses proferidos contra o presidente Lula“, diz o documento.

“Em outubro de 2015, 17 membros do DOJ (Departamento de Justiça), do FBI e do Departamento de Segurança Interna visitaram Curitiba para receber uma instrução completa dos promotores da Lava Jato sobre suas investigações e procedimentos em andamento”, continua a carta.

Outro fato mencionado no texto é o acordo entre autoridades brasileiras e norte-americanas prevendo que parte das multas do processo contra empresas brasileiras aplicadas de acordo com a Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior dos EUA (FCPA, na sigla em inglês) iria para o Ministério Público brasileiro e ajudaria na criação de uma fundação privada administrada por membros do MP. Essa fundação não chegou a operar, depois de receber fortes críticas e ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

No ano passado, em entrevista ao UOL, o procurador da República Deltan Dallagnol reconheceu que o acordo para a criação da fundação foi uma má ideia. "Esse acordo não foi compreendido e gerou muitas críticas. Ainda que naquele momento tenha parecido a melhor solução, não foi boa. Quando a gente analisa com visão retrospectiva, pelo desenrolar dos fatos, aquela decisão pode não ter sido a melhor do ponto de vista de resultado", disse.

Elementos sugerem motivação pró-Lula na carta contra a Lava Jato

Diversos elementos contidos na carta dos congressistas democratas ao governo Biden indicam haver uma motivação pró-Lula no documento.

Para o analista político Márcio Coimbra, presidente da Fundação Liberdade Econômica, a própria irrelevância do tema da carta para a política norte-americana deixa entrever que o documento está mais direcionado ao Brasil do que aos Estados Unidos, embora tenha sido encaminhado ao governo norte-americano.

Segundo Coimbra, a carta parece ser “um movimento orquestrado pela ala mais à esquerda do Partido Democrata para desacreditar uma opção de centro no Brasil, que poderia ser alguém ligado à Lava Jato, e fortalecer a ideia do Lula”. O analista diz que vários dos signatários da carta pertencem ao lado mais extremo da esquerda do Congresso norte-americano, que é menos alinhada ao atual presidente, o também democrata Joe Biden.

Outro indício de que a carta seria uma tentativa de fortalecer a narrativa pró-Lula no Brasil é que, no mesmo dia de seu envio, ela foi reproduzida e apoiada por iniciativas como o Defend Democracy in Brazil e o U.S. Network for Democracy in Brazil – projetos que vendem internacionalmente a ideia de que a democracia no Brasil está sob ameaça, e que costumam sinalizar apoio ao movimento Lula Livre. O Instituto Lula também republicou a carta em seu site.

Para Coimbra, outra motivação da carta pode ser o desejo de parte dos democratas americanos de estreitar relações com a esquerda de países latino-americanos, para viabilizar apoios posteriores. Alexandria Ocasio-Cortez, por exemplo, tem os latinos como parte importante de seu eleitorado.

MPF e Moro se manifestam

Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) reafirma a legalidade da cooperação internacional praticada pela Lava Jato e diz que as colaborações sempre ocorreram por vias oficiais. “Nenhum documento foi utilizado pela força-tarefa Lava Jato sem ter sido transmitido pelos canais oficiais, ressalvadas situações de urgência informadas nos autos”, esclarece o MPF.

O Ministério Público critica as “repetidas reportagens” apontando “possíveis ilegalidades na realização de contatos diretos entre autoridades brasileiras e estrangeiras para o intercâmbio de informações no decorrer da Operação Lava Jato”.

Segundo o MPF, reportagens de alguns meios jornalísticos “ignoram os esclarecimentos que já foram prestados anteriormente pelo MPF, no sentido de não haver qualquer ilegalidade nos procedimentos realizados, como inclusive já foi reconhecido pela Corregedoria do órgão”.

O MPF acrescenta que “a troca de informações de inteligência e a cooperação direta entre autoridades estrangeiras é absolutamente legal e constitui boa prática internacional”, incentivada por diversos órgãos competentes do Brasil e do exterior.

O MPF diz que recebeu, no âmbito da operação Lava Jato, 653 pedidos de cooperação de 61 países, dos quais 597 pedidos de 58 países foram aceitos. “Essa cooperação internacional, que inclui a repatriação de valores, integra o esforço da Lava Jato que já resultou em mais de R$ 4,3 bilhões devolvidos aos cofres públicos. Cumpre ainda destacar que, em virtude da cooperação internacional, a força-tarefa Lava Jato revelou diversos crimes praticados no exterior, que utilizaram especialistas financeiros e contas clandestinas. Assim, o intercâmbio de informações com autoridades estrangeiras foi fundamental para conferir eficiência e resultados positivos para a investigação”, conclui o MPF.

Para os procuradores que integraram a força-tarefa da Lava Jato, a carta enviada pelos congressistas não deverá ter efeito importante na Justiça brasileira. “Considerando a legalidade de todos os atos praticados, não teria nenhuma consequência”, afirmam.

Já o ex-juiz Sergio Moro afirmou, por meio de sua assessoria, que “não há nada de irregular ou ilegal” na colaboração entre EUA e Lava Jato. “Quem afirma o contrário não conhece a cooperação jurídica internacional. Os únicos interesses envolvidos foram os de aplicar a lei em cooperação internacional a casos graves de suborno transnacional, como ocorre normalmente entre autoridades de países diversos”, diz Moro.

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