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Com aproximadamente 42 mil faccionados e pelo menos mil deles vivendo em outros países, segundo o Gaeco do Ministério Público de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) está avançando nos Estados Unidos com imigrantes ilegais. Eles são conhecidos pela facção e autoridades em segurança pública como “soldados” do crime.
Os membros do PCC passaram a entrar nos Estados Unidos com os objetivos de fugir da justiça brasileira, de fazer lavagem de dinheiro e de realizar tráfico de armas para o Brasil.
Segundo a polícia, a facção brasileira estaria até tentando levar cocaína para o país. Mas esse movimento ocorre em pequena escala porque as rotas de tráfico de drogas para os Estados Unidos são controladas por cartéis mexicanos.
Alertas sobre o avanço do PCC nos Estados Unidos vêm sendo dados por autoridades brasileiras e americanas há mais de uma década, mas o nível de preocupação vem crescendo recentemente. Serviços de inteligência dos EUA têm identificado um número cada vez maior de membros da organização criminosa brasileira entrando ilegalmente no país.
Segundo investigações da Polícia Federal e do governo dos EUA, Miami, na Flórida, aparece como uma das regiões preferidas. Mas há registros da presença de criminosos em Massachusetts, cuja capital é Boston, e no estado da Pensilvânia, onde vivem muitos brasileiros.
A unidade de Operação de Fiscalização e Remoção (ERO, na sigla em inglês), do governo americano, tem enviado relatórios às autoridades brasileiras sobre um elevado número de faccionados presos na região de Boston, em Massachusetts. Todos estão sendo deportados ao Brasil.
Entre os exemplo está um homem de 42 anos, membro do PCC, e que foi preso nos Estados Unidos em agosto passado. Ele é suspeito de participar de um esquema de lavagem de dinheiro que teria movimentado cerca de R$ 1,2 bilhão para a facção, segundo autoridades brasileiras e americanas.
"Com uma extensa rede em toda a América Latina e uma presença global em expansão, o PCC representa uma das organizações de tráfico de drogas mais importantes e preocupantes da região", disse o subsecretário do Tesouro para o Terrorismo e a Inteligência Financeira dos EUA, Brian Nelson, em uma de suas manifestações públicas recentes sobre a facção criminosa.
PCC elimina terceiros em esquemas de tráfico
O governo americano reconhece que a presença do PCC em território nacional não é recente, mas está avançando de forma preocupante.
A movimentação foi identificada desde 2014 quando investigadores da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo descobriram, em uma operação contra a organização criminosa, que o PCC movimentava milhões de reais em contas de bancos dos EUA. Aquela era a primeira vez que a facção operava recursos fora da América do Sul.
Além de bancos americanos, apareceram na relação instituições bancárias da China. As remessas, na época, superavam os R$ 100 milhões. Os recursos saíam de contas de laranjas e entravam nos EUA por lojas de câmbio de São Paulo, suspeitas de integrar o esquema. O dinheiro era destinado à compra de armas.
Na década seguinte, de 2014 a 2024, além dos envios de remessas, a organização criminosa tem destinado faccionados à América para operacionalizar os negócios de lá em uma possível tentativa de controlar mais fases da rota do tráfico de drogas, abandonando o auxílio de terceiros.
“Há tempos o PCC vem eliminando atravessadores e passando a gerenciar todo o esquema da produção e do tráfico de drogas, quando muito faz parcerias com outros grupos para evitar conflitos. Isso também vale para outros setores de operação da facção, eliminar terceiros dos negócios e fechar parcerias estratégicas”, reforça o delegado da Polícia Federal, Marco Smith.
De acordo com a Polícia Federal há suspeitas de que o PCC já estaria até operando refino de cocaína em países andinos, mas de uma forma ainda incipiente - pois a produção da droga é feita por quadrilhas locais de quem a facção brasileira é "cliente".
Os tentáculos da facção também foram observados em 2019 quando a polícia americana identificou um grupo de 14 brasileiros que, segundo o Departamento de Polícia, eram criminosos atuando em algumas regiões do estado de Massachusetts. O bando operava como uma ramificação do PCC, batizado nos EUA como Primeiro Comando de Massachusetts. A polícia local afirmou que os integrantes eram responsáveis por crimes violentos, tráfico de drogas e armas, roubos e sequestros. Presos, brasileiros ligados ao grupo acabaram deportados, mas o bando não foi extinto.
O governo dos Estados Unidos tem reforçado que além de “operar em toda a América do Sul, o PCC avança pelos Estados Unidos, a África, a Europa e a Ásia” e que se mostra preocupado com isso.
Tráfico de armas, de drogas e lavagem de dinheiro: como são os negócios do PCC nos EUA
Serviços de inteligência americana sabem que entre os focos do PCC está o tráfico de armas para o Brasil e de cocaína para os Estados Unidos, mas por trás disso tudo está a lavagem do dinheiro e a tentativa de fugir das autoridades brasileiras. “É um mercado [ois Estados Unidos] seguro do ponto de vista dos investimentos, economia consolidada e com certa facilidade para acesso às armas. A facção parece estar crescendo com isso nos Estados Unidos”, afirma o analista de mercado internacional, Marcelo Dias.
Ou seja, os criminosos investiriam dinheiro de ações criminosas em operações de compra e venda de imóveis e em pequenos comércios com a intenção de tornar os recursos legais. Os recursos do crime também seriam usados para comprar armas e enviá-las legalmente para o Paraguai - para depois serem contrabandeadas para o Brasil, segundo suspeitas da polícia.
Rastreamentos de inteligência como esses nos últimos anos fizeram com que o governo dos Estados Unidos implementasse sanções a indivíduos ligados ao crime organizado.
No dia 15 de dezembro de 2021, o presidente americano Joe Biden assinou uma determinação para que o tesouro americano aplicasse penalidades contra pessoas e núcleos criminosos envolvidos com o tráfico internacional de drogas e seu avanço na América. O PCC está entre os elencados. O documento formalizava 10 nomes de pessoas e 15 grupos criminosos, entre eles o brasileiro. Com a medida administrativa, suspeitos que tiverem ganhos por meios ilícitos ou adquirirem bens como propriedades, estão sujeitos às sanções americanas.
No documento o tesouro americano cita que a fação aparece como uma das maiores na América do Sul e que percorreu um “caminho sangrento para avançar pelo mundo com o tráfico internacional de drogas”. A inclusão do PCC na lista foi comunicada oficialmente ao governo brasileiro, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, Polícia Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ainda naquele ano.
Em março deste ano, alguns dos efeitos destas medidas foram observados na prática: o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos anunciou a imposição de sanções a um suspeito apontado como responsável por lavar dinheiro do PCC nos Estados Unidos. “De acordo com Washington, o criminoso é um operador-chave responsável pela lavagem de centenas de milhões de dólares para o PCC, classificado pelas autoridades americanas como a mais notória organização criminosa do Brasil e uma das maiores da América Latina", afirma o Ministério Público de São Paulo.
O suspeito teve propriedades e ativos registrados nos Estados Unidos bloqueados. "Com uma extensa rede ao redor da América Latina, assim como uma presença global em expansão, o PCC representa uma das mais significativas organizações de tráfico de narcóticos na região", completa o subsecretário do Tesouro dos EUA para Terrorismo e Inteligência Financeira, Brian Nelson, ao comentar o caso.
Parceria quer combater organizações com atuação transnacional
O Tesouro americano e o Ministério Público de São Paulo firmaram um termo de cooperação no ano de 2022 para combate às organizações criminosas com atuação transnacional. O acordo tem resultado na implementação de um fluxo de informações que possibilita aplicar sanções a integrantes do PCC e a empresas utilizadas pela organização criminosa para lavagem de dinheiro.
“[Esse] alvo dos americanos tinha sido condenado em novembro de 2022 a 7 anos e 11 meses de prisão por tráfico de drogas. De acordo com a sentença, o réu, denunciado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado lavou mais de R$ 1 bilhão para o PCC. Mesmo preso, ele ainda permaneceria ativo, dando ordens da cadeia”, disse o Departamento do Tesouro Americano, mencionando que esse suspeito foi apontado como um dos envolvidos no assalto a uma agência do Banco do Brasil em Uberaba (MG), em 2019.
As sanções previstas pelo acordo de cooperação entre autoridades do Brasil-EUA também impedem quaisquer transações de cidadãos norte-americanos ou de pessoas residentes ou em trânsito pelos Estados Unidos envolvendo propriedades ou interesses ligados ao integrante do PCC, sob pena de punições cíveis e criminais.
Dos peixes grandes aos soldados: a estrutura do PCC que preocupa os EUA
Além dos “peixes grandes”, órgãos de investigação e controle dos Estados Unidos estão de olho no avanço destes “soldados” do crime que dão suporte à estrutura maior da organização.
Em um arquivo de inteligência compartilhado com as autoridades brasileiras em 2023, o serviço de inteligência dos EUA alerta para possíveis envios de carregamentos de drogas, em toneladas, da América do Sul para os Estados Unidos. O PCC aparece como um dos fornecedores. A operação não é usual, pois as principais rotas de tráfico de cocaína por navios usadas pelo PCC têm como origem portos brasileiros e como destinos a Europa e a África, onde a facção brasileira firmou parcerias com as máfias locais, segundo investigações do Gaeco de São Paulo e da Polícia Federal.
Para as autoridades, o PCC está avançando para o tráfico, com possíveis acordos ou confrontos com cartéis mexicanos, em um país onde morrem mais de 100 mil pessoas por ano de overdose.
Para o promotor do Gaeco que investiga o PCC há mais de duas décadas, Lincoln Gakiya, o Estado brasileiro negligenciou o crescimento das facções criminosas e o que era um pequeno grupo, que nasceu em 1993 dentro da Casa de Custódia de Taubaté (SP), se tornou um núcleo criminoso com “matiz mafiosa com mais de 40 mil membros”. “E em atuação em vários países da América do Sul, da Europa, nos Estados Unidos”, reforça.
Para o promotor, que passou a conviver com constantes ameaças de morte desde que iniciou sua caçada ao PCC, houve uma negação quase coletiva na primeira década de fundação do Primeiro Comando da Capital. “Se negou a existência da facção e isso é o pior dos mundos. Foi crescendo no interior dos presídios. A gente falhou, me incluo nesse papel, perdeu-se o controle e em 2006 se acordou para o problema e o Estado estava paralisado, não tinha diagnóstico, um raio-X do tamanho e o que era preciso para combatê-la. Só então passamos a combater com mais força, mas o grupo cresceu”, destaca.
O avanço transnacional também indica que o PCC está de olho em outros mercados, que vão além da cocaína e das armas. Em um relatório do Departamento de Estado Americano publicado no início deste ano, veio outro alerta preocupante.
O documento diz que há evidências de que grupos, como o Primeiro Comando da Capital, “o poderoso grupo brasileiro do crime organizado PCC”, comecem a competir ou tentem competir com os cartéis mexicanos, diversificando os negócios também para o fentanil.
O fentanil é uma droga caracterizada como opioide sintético, usado como remédio no tratamento de dor moderada a intensa, mas seu consumo de forma ilícita tem impactado, cada vez mais, no aumento de mortes por overdose nos Estados Unidos, com tendência de se espalhar pelo mundo. O governo dos EUA estima que cerca de 300 pessoas morram todos os dias pelo uso ilegal e abusivo de opioides sintéticos no país.
“No momento, o PCC está focado principalmente no fornecimento de cocaína, é claro, para o Cone Sul e através da África Ocidental para a Europa. Na Europa, a cocaína ainda é a droga dominante, que ainda não se estabilizou, mas em questão de tempo, as chances de que o fentanil se espalhe para a América Latina, para outras partes do mundo são muito substanciais. É muito mais conveniente para os contrabandistas [entre eles o PCC] movimentarem a quantidade de fentanil necessária para abastecer um mercado do que a quantidade de cocaína ou heroína”, disse a a doutora Vanda Felbab-Brown, pesquisadora sênior do Brookings Institution em um estudo do Departamento de Estado dos EUA entitulado "O submundo das redes criminosas na América Latina e no Caribe".