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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, na tarde desta sexta-feira (9), para limitar a decisão da Câmara dos Deputados que suspendeu a ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) na denúncia sobre suposto golpe de Estado. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, votou para restringir a determinação da Câmara.
Ele também votou para impedir que outros réus do "núcleo 1" da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), se beneficiem da medida. A análise da decisão da Câmara ocorre em plenário virtual da Primeira Turma do STF até o dia 13. O voto de Moraes foi seguido integralmente pelos ministros Cristiano Zanin, que preside o colegiado, Flávio Dino, que apresentou ressalvas, e Luiz Fux. A ministra Cármen Lúcia ainda não votou.
O ministro negou o trancamento da ação penal na íntegra e manteve o andamento do processo contra o deputado pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa. Moraes apenas suspendeu o andamento da ação para os crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, considerando que apenas esses crimes teriam sido praticados após a diplomação de Ramagem como deputado.
“Voto no sentido da aplicação imediata da resolução da Câmara dos Deputados em relação ao réu Alexandre Ramagem para suspender parcialmente a ação penal somente em relação aos crimes praticados após a diplomação, quais sejam, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado até o término do mandato”, escreveu Moraes, especificando que a decisão é válida apenas ao parlamentar e não se aplica aos demais réus da ação penal (veja na íntegra).
A Câmara decidiu nesta semana suspender a ação com base em um artigo da Constituição que permite ao partido do deputado sustar o andamento do processo se a denúncia for recebida pelo Judiciário após sua diplomação. Moraes, porém, considerou que três dos cinco crimes dos quais Ramagem está sendo acusado se referem a atos que teriam sido praticados antes da diplomação.
Ao suspender parte da ação penal, Moraes também suspendeu a prescrição em relação aos crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado, até o término do mandato de Ramagem.
O voto de Fux chegou a aparecer, foi retirado do sistema e, em seguida, registrado novamente. Ele acompanhou o entendimento de Moraes sobre aplicar a decisão apenas aos crimes contidos após a diplomação de Ramagem.
“Considerando que a denúncia abrange a prática, em tese, de infrações penais cometidas antes e depois da diplomação do réu como Deputado Federal, a prerrogativa institucional da Câmara dos Deputados para a suspensão da ação penal só pode alcançar, pela literalidade do texto constitucional, os crimes supostamente ocorridos após a diplomação”, disse Fux.
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Moraes vota para impedir que outros réus da ação sejam beneficiados
Moraes afirmou no voto que a suspensão parcial da ação penal é válida somente para Ramagem e não pode se estender aos demais réus do mesmo processo – entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Os requisitos do caráter personalíssimo (IMUNIDADE APLICÁVEL SOMENTE AO PARLAMENTAR) e temporal (CRIMES PRATICADOS APÓS A DIPLOMAÇÃO), previstos no texto constitucional, são claros e expressos, no sentido da IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DESSA IMUNIDADE A CORRÉUS NÃO PARLAMENTARES E A INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS ANTES DA DIPLOMAÇÃO", pontuou Moraes.
No início de abril, o PL pediu à Câmara a suspensão da ação penal com base no artigo 53 da Constituição que estabelece que, uma vez recebida a denúncia por crime ocorrido após a diplomação, o partido pode sustar o andamento da ação. No entanto, Moraes afirmou que a norma não se aplica a todos os crimes imputados ao deputado.
Em 26 de março, a Primeira Turma recebeu integralmente a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Alexandre Ramagem, que foi diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro.
Zanin informou a Câmara que poderiam ser barradas apenas as acusações de dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
"A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, já decidiu que a Casa Legislativa apenas pode proceder à suspensão de ações penais contra parlamentares que tiverem como objeto de avaliação crimes cometidos depois da diplomação do mandato em curso, e não aqueles pretéritos", frisou o ministro no voto do julgamento no Plenário Virtual.
A decisão da Corte teria sido vista pelo presidente da Câmara como uma forma de interferência na prerrogativa do Legislativo.
“Esta Casa não é menor do que qualquer Poder da República. Estamos decidindo os fundamentos das prerrogativas constitucionais deste Parlamento”, disse o relator do pedido do PL, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), nesta quarta-feira (7).
Somente em "tiranias" um ramo estatal pode cencentrar todos os poderes, diz Dino
Em seu voto, Dino afirmou que as determinações aprovadas pelos parlamentares neste caso “ultrapassam em muito a previsão constitucional” e representam “indevida ingerência em um processo judicial de competência exclusiva” do STF.
“Somente em tiranias um ramo estatal pode concentrar em suas mãos o poder de aprovar leis, elaborar o orçamento e executá-lo diretamente, efetuar julgamentos de índole criminal ou paralisá-los arbitrariamente - tudo isso supostamente sem nenhum tipo de controle jurídico”, afirmou.
“Maiorias ocasionais podem muito em um sistema democrático, mas certamente não podem dilacerar o coração do regime constitucional”, acrescentou. Dino apresentou ressalvas ao voto do relator, destacando que a lei utilizada pela Câmara para barrar a ação “suspende a prescrição, enquanto durar o mandato”.
Ou seja, as regras se “aplicam exclusivamente aos parlamentares, durante (e em virtude) do exercício do mandato”, pois a diplomação constitui a última fase do processo eleitoral.
“Assim sendo, não há que se falar em atribuição da Casa Legislativa para buscar suspender ação penal quanto a crimes supostamente praticados por parlamentar ANTES da diplomação. A razão é óbvia: o exercício do mandato parlamentar pressupõe a diplomação, de modo que, antes dela, não há o que assegurar em termos de direitos e prerrogativas”, disse o ministro.
“Acrescento que a suspensão a que se refere o art. 53, § 3º, da CF, aplica-se a uma ÚNICA legislatura. Em caso de reeleição, não há prorrogação da suspensão da ação penal”, ressaltou.
Ele defendeu o desmembramento do processo em relação a Ramagem, exclusivamente quanto aos alegados crimes cometidos após a diplomação, como determinou Zanin inicialmente. O ministra também afirmou que a decisão da Câmara não deve beneficiar os corréus da ação.
"Em relação aos demais crimes praticados, em tese, pelo parlamentar, antes da diplomação - crime de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado - e aos demais corréus, a persecução penal deve prosseguir normalmente, em obediência à regra constitucional que impõe a duração razoável do processo", disse Dino.