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O ex-presidente Jair Bolsonaro, durante críticas às urnas eletrônicas, em 2022, durante reunião com embaixadores
O ex-presidente Jair Bolsonaro, durante críticas às urnas eletrônicas, em 2022, durante reunião com embaixadores| Foto: Reprodução/TV Brasil

O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gustavo Gonet Branco, defendeu que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) seja punido com a inelegibilidade por 8 anos por “afetar a confiança de parcela da população na legitimidade” das eleições de 2022, em razão das críticas às urnas eletrônicas.

“O discurso do investigado, aliado às advertências a um propósito da Justiça Eleitoral de favorecer o seu adversário mais notório, beneficiou a posição estratégica do investigado no contexto das eleições ali tão próximas. Era esperado que o comportamento viesse a infundir desconfiança sobre o sistema de votação, apuração e totalização de votos adotado. Esse potencial se confirmou com os fatos notórios, alguns violentos, de inconformismo com os resultados das eleições presidenciais, em que se lhes atribuía a pecha de ilegítimos e fraudulentos”, afirmou, no documento a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE).

“Atingiu-se, portanto, e de modo grave, bem jurídico central à ordem democrática”, diz ainda o parecer, entregue na noite desta quarta-feira (12) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O documento sigiloso, obtido pela Gazeta do Povo, é a peça final da ação do PDT que acusa Bolsonaro de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na disputa presidencial do ano passado. Com ele, o relator do processo, Benedito Gonçalves, poderá agora compor seu voto e pedir ao presidente da Corte, Alexandre de Moraes, uma data para levar o caso a julgamento. A expectativa é de que isso ocorra até o início de maio. A decisão depende de maioria de ao menos quatro votos entre os sete integrantes do tribunal.

Na ação, o PDT aponta desvio de finalidade na reunião com embaixadores estrangeiros, realizada em julho de 2022 no Palácio da Alvorada, na qual o ex-presidente repetiu suspeitas sobre a integridade do sistema de votação eletrônico e sobre a imparcialidade do TSE e de seus ministros no processo eleitoral. Para o partido, houve prejuízo à normalidade e legitimidade das eleições, o que justifica a punição de inelegibilidade.

Em sua defesa, Bolsonaro alegou que o evento teve por objetivo debater a segurança e transparência das urnas e não teve motivação eleitoral. Prova disso seria sua realização antes do início da campanha eleitoral; o fato de ter sido dirigido a diplomatas estrangeiros, que não votam no país; e ainda que foram convidados ministros do TSE e de outros tribunais superiores para discutir o assunto na reunião – nenhum deles compareceu (leia mais sobre a defesa abaixo).

No documento entregue ao TSE, Paulo Gonet, que representa o Ministério Público Eleitoral (MPE) no processo, rebateu esses argumentos. Acusou Bolsonaro de mentir propositalmente ao apontar fraude nas urnas para favorecer o atual presidente e vencedor da disputa, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ignorando esclarecimentos do próprio TSE e da Polícia Federal sobre a inexistência de desvios de votos. Além disso, teria obtido benefício pessoal ao proferir o discurso como chefe de Estado e usando redes sociais e a TV Brasil para disseminar essa mensagem.

“O discurso a autoridades diplomáticas estrangeiras, que pretendia também alcançar autoridades brasileiras e que se voltava a impressionar, à toda evidência, a população em geral, culmina com avisos sobre a iminência de fraude, sempre associada ao voto digital, indicando que o sistema vigente estaria disposto para forjar resultado eleitoral favorável ao candidato do partido de esquerda, que desde sempre despontava como o seu principal oponente”, escreveu Paulo Gonet.

Para ele, Bolsonaro teria usado do “prestígio” e da “imponência” do cargo de presidente para “inquietar ânimos pessimistas com relação à legitimidade do pleito”, “com insinuações e afirmações inflamadas” que já haviam sido rebatidas pelo TSE. “O discurso atacou as instituições eleitorais, e ao tempo que dava motivo para indisposição do eleitorado com o candidato adversário, que seria o beneficiário dos esquemas espúrios imaginados, atraía adesão à sua posição de candidato acossado pelas engrenagens obscuras do tipo de política a que ele seria estranho”, afirmou o vice-procurador eleitoral, numa referência a Lula.

Ele acrescenta que, após as eleições, “percebeu-se uma inédita mobilização de parcelas da população que rejeitavam aberta e publicamente o resultado do pleito, por não serem legítimas”, fazendo referência, em seguida, aos acampamentos montados em frente a quartéis do Exército em que apoiadores de Bolsonaro pediam uma intervenção militar para rever a apuração. “Estão ainda muito presentes e nítidas as imagens do dia 8 de janeiro último de destruição e de acintosa violência aos Poderes constituídos. A gravidade do discurso contra a confiabilidade do sistema de votação eletrônica não poderia ter mais expressiva exposição”, afirma o parecer, em referência à invasão e depredação das sedes do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal no início deste ano.

O vice-procurador, no entanto, evita responsabilizar Bolsonaro diretamente pelos atos de vandalismo. Diz que tal avaliação, que poderá levar a uma punição criminal, caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, numa investigação sobre sua suposta incitação à invasão. No campo eleitoral, no entanto, diz que Bolsonaro deve ser punido, mas não seu candidato a vice-presidente, Walter Braga Neto, por considerar que ele não teve nenhuma participação no questionamento e nas críticas às urnas eletrônicas.

O que o MP Eleitoral diz sobre as declarações de Bolsonaro

Ao longo do parecer, de 45 páginas, Paulo Gonet reproduziu trechos de ação que ele já havia apresentado, logo após a reunião com embaixadores, que levou Bolsonaro a ser multado em R$ 20 mil por ter, no evento, veiculado “fatos sabidamente inverídicos” sobre as urnas.

O vice-procurador eleitoral rebate várias das declarações do ex-presidente aos diplomatas. Uma delas é de que, na eleição de 2018, vários eleitores teriam tentado votar em seu número, mas a urna registraria o 13, número do candidato do PT à época, Fernando Haddad. Gonet registrou que uma perícia feita num vídeo que demonstrava essa suposta falha apontou que se tratava de uma montagem.

Ele também rebateu as acusações de Bolsonaro de que um hacker poderia ter adulterado a programação das urnas durante uma invasão a sistemas do TSE entre abril e novembro de 2018. No inquérito da Polícia Federal para investigar o ataque, a delegada concluiu que o hacker não acessou o código-fonte que poderia alterar votos, mas outro no qual poderia apenas copiar informações de eleitores e candidatos – o objetivo seria comercializar os dados.

Com base nas informações oficiais do TSE, ele também contestou a afirmação de Bolsonaro de que o sistema não seria auditável, o que seria possível apenas com o voto impresso. O vice-procurador mencionou, neste ponto, procedimentos adotados pela Corte para que especialistas e entidades externas verifiquem o funcionamento dos programas das urnas.

Ele também refutou a declaração de Bolsonaro de que observadores internacionais convidados pelo TSE para atestar a lisura do pleito não teriam condições de fiscalizar o sistema, pelo fato de ser eletrônico, e que a contagem seria realizada por empresa terceirizada. “A assertiva busca produzir a errada impressão de que o processo de votação é obscuro, insuscetível de gerar confiança e aparelhado para manipulações de resultado em favor de um candidato e em detrimento de outro”, diz o parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral.

O órgão rebateu ainda as insinuações de Bolsonaro de que o processo eleitoral estaria viciado pela decisão do STF de anular as condenações de Lula e torná-lo novamente elegível. “As assertivas proferidas se voltam para animar parcela do eleitorado, visando a pôr em dúvida eventual resultado positivo do candidato oponente, que é mencionado no discurso, insuflando a impressão da existência de uma congeminação espúria de energias para favorecê-lo”, afirma.

Por fim, Paulo Gonet rechaçou a alegação de que o objetivo de Bolsonaro era debater o assunto da segurança das urnas de forma institucional, num ato de governo. Argumenta que, em 2021, o Congresso já havia rejeitado a proposta, defendida pelo ex-presidente, de implementar o voto impresso no país. Ainda assim, Bolsonaro teria continuado a lançar dúvidas sobre o sistema, inclusive em transmissões ao vivo e entrevistas, fatos que também foram considerados pelo vice-procurador para defender a inelegibilidade.

“Não se apontou fato novo relevante que justificasse a retomada da discussão. As críticas do Presidente da República, que assumiu a estatura de Chefe de Estado para proferi-las publicamente, somente têm como ser vistas como alerta para os brasileiros e para o mundo de que os resultados das eleições não podiam ser recebidos como confiáveis e legítimos, tudo isso, além do mais, num contexto em que pesquisas eleitorais situavam o adversário do investigado como melhor posicionado na preferência dos cidadãos”, afirmou.

Na reunião com embaixadores, Bolsonaro defendeu que o TSE adotasse medidas sugeridas pelas Forças Armadas no sistema de votação, o que, segundo ele, “praticamente estacam a possibilidade de manipulação de números”.

Como Bolsonaro se defende no processo

Nas alegações finais, última manifestação da defesa entregue no processo, os advogados de Bolsonaro insistem que o evento, realizado antes da campanha, tinha caráter de governo – não podendo, portanto, ser investigado pela Justiça Eleitoral – e sem relação com as eleições de 2022.

O encontro com embaixadores, afirmaram, foi “de interesse das relações exteriores do Brasil, diante do debate público instaurado à época”. O objetivo seria legítimo, com intuito de melhorar o sistema, pois havia preocupação com a segurança e transparência, diante de vários indícios de problemas e riscos de invasão. “Não houve qualquer hostilidade antidemocrática ao sistema eleitoral no evento realizado no dia 18/07/2022”, disseram ainda os advogados.

A defesa reforça que o público-alvo da reunião eram embaixadores sem direito a voto no Brasil e que a transmissão, pelas redes e TV Brasil, devia-se ao fato de ser um evento público, que como tantos outros, sempre eram veiculados nos canais oficiais.

“Em nenhum momento tratou-se de eleições em sentido estrito. Não se pediu voto. Não houve ataque a oponentes [...] A transmissão do evento pela EBC, longe de abusiva, ocorreu de forma natural, eis que se tratava de evento público – e não eleitoral –, sendo certo que é papel da estatal dar publicidade e transparência aos eventos públicos de governo”, afirmou a defesa.

Além disso, juntou documentos mostrando que os gastos para realização da reunião somaram R$ 12,2 mil, valor “módico” e “verdadeiramente franciscano”, nas palavras dos advogados.

Por fim, eles rejeitam a inclusão no processo, como prova, de uma minuta de decreto, apreendida pela PF na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que previa a imposição de um estado de defesa no TSE para que as Forças Armadas revisassem a apuração dos votos. Dizem que não há qualquer prova de ligação do documento com Bolsonaro.

Além de se defender no TSE, a defesa de Bolsonaro também acionou o STF na última terça (11), por meio de um agravo em recurso extraordinário. O objetivo dessa ação é derrubar a multa de R$ 20 mil imposta em razão da mesma reunião.

No Supremo, a defesa do ex-presidente sustenta que a punição viola seu direito constitucional à liberdade de expressão e, por isso, deve ser derrubada. Se isso for reconhecido, pelo mesmo motivo uma eventual inelegibilidade também poderia ser posteriormente revogada.

“A liberdade de expressão adquire maior relevância em contextos de disputas eleitorais, pois o livre discurso e o debate político são partes essenciais da consolidação da vida democrática das sociedades, de modo que expor opiniões, publicamente, é fato constitutivo da própria democracia, soando indevidas restrições como a ora destacada sem que o juiz demonstre a necessidade e a adequação da sanção”, diz a defesa de Bolsonaro no recurso levado ao STF.

O recurso ainda não foi distribuído para um dos ministros da Corte, o que será feito por meio de sorteio. Em março, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, decidiu pela inadmissibilidade desse recurso ao Supremo. Ele citou a decisão unânime do TSE, no ano passado, que manteve a multa por propaganda irregular no discurso aos embaixadores.

“A manipulação de fatos, (...) como forma artificial de angariar apoiamentos mediante indução em erro, comprometendo o direito de todos e todas a obterem informações minimamente íntegras, tudo isso com ataques que colocam o próprio ‘jogo democrático’ em risco, é conteúdo que extrapola a liberdade discursiva”, diz o acórdão.

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