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A definitiva recusa da Justiça da Espanha em extraditar o jornalista Oswaldo Eustáquio Filho, solicitada pelo governo brasileiro, representa um marco nas relações internacionais: pela primeira vez, um tribunal estrangeiro reconhece oficialmente a atual perseguição política no Brasil.
A decisão, proferida na segunda-feira (14) pela Audiência Nacional — a mais alta corte espanhola —, reafirma que os pedidos de prisão contra Eustáquio têm “evidente conexão e motivação política”, razão suficiente para barrar a extradição. O jornalista está na Espanha desde 2023 e é um dos alvos prioritários de inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
No Brasil, Eustáquio é alvo de dois mandados de prisão preventiva expedidos pelo STF, acusado de incitação a atos antidemocráticos, ameaça, corrupção de menores e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, com base em suas atuações e publicações relacionadas aos atos de 8 de janeiro de 2023.
A Justiça espanhola, no entanto, rejeitou os argumentos do governo brasileiro, sustentando que o pedido de extradição é incompatível com o artigo 4º do tratado bilateral entre os dois países, que proíbe a extradição em casos de crimes políticos ou quando há indícios de perseguição por motivos ideológicos.
“A Corte concorda em negar a extradição para a República Federativa do Brasil do nacional desse país Oswaldo Eustáquio Filho”, decidiu o colegiado, encerrando em definitivo o processo iniciado em 2023. O ministério público espanhol teve igual entendimento.
O cientista político Leonardo Barreto, sócio da consultoria Think Policy, considera a decisão da Justiça espanhola um marco na forma como o Brasil é visto no cenário internacional no que diz respeito ao tratamento de opositores do governo à direita.
Segundo ele, a reiterada negativa da Audiência Nacional da Espanha em extraditar Oswaldo Eustáquio, apontando argumentos explicitamente políticos, "configura, sim, o primeiro reconhecimento formal de um ente estrangeiro de que pode haver perseguição política no Brasil".
Alexandre de Moraes retalia Espanha ao barrar extradição de preso no Brasil
A decisão provocou forte e imediata reação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que suspendeu a extradição do cidadão búlgaro Vasil Georgiev Vasilev, preso em território brasileiro a pedido da Espanha. Moraes alegou violação do princípio da reciprocidade e exigiu explicações formais do embaixador espanhol sobre o cumprimento do acordo de extradição firmado em 1990.
O governo brasileiro, por sua vez, anunciou que irá recorrer da decisão espanhola de não extraditar Eustáquio. Em nota, o Ministério da Justiça informou que, com apoio da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE), “tomará as providências cabíveis para garantir a extradição”.
Segundo o comunicado, Eustáquio teria divulgado dados sigilosos de agentes da Polícia Federal (PF) por meio das redes sociais da própria filha de 16 anos, configurando, na interpretação do governo, crimes como obstrução de investigação, incitação ao crime e corrupção de menores.
Corte espanhola aponta clara perseguição política em decisões do STF
No mês passado, a mesma corte espanhola já havia rejeitado outro pedido de extradição sob alegação de que os fatos atribuídos ao jornalista estariam protegidos pelo direito à liberdade de expressão. Na decisão atual, com 11 páginas, o tribunal reforça que a perseguição política é perceptível no contexto das decisões do STF.
Com a recusa formal da Justiça espanhola, o caso de Oswaldo Eustáquio adquire contornos de crise diplomática e coloca em xeque a imagem do país no cenário internacional — especialmente diante de governos que, como o espanhol, se mostram dispostos a questionar, com base em tratados e convenções, o que consideram ser judicialização de divergências políticas.
Esse não é o único caso de atrito internacional deflagrado por ações do Judiciário no Brasil. Nos Estados Unidos, congressistas do Partido Republicano querem aplicar a Alexandre de Moraes uma norma criada para punir integrantes do regime autoritário da Rússia.
No que depender dos republicanos Rich McCormick e Maria Elvira Salazar, a regra será usada para congelar bens de Moraes que estejam sob jurisdição dos Estados Unidos. Os deputados se baseiam no Magnitsky Act, ou Lei Magnitsky, uma norma que surgiu após a morte de um advogado russo há 17 anos.