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Lula
Sem apoio parlamentar provocado por erros políticos, Lula registrou o pior começo de governo em 20 anos, com risco de colapso de sua estrutura administrativa| Foto: André Borges/EFE

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completou cinco meses na quarta-feira (31), marcando um período de crescentes tensões enfrentadas pelo governo, principalmente devido às relações tumultuadas com o Legislativo. Após sofrer várias derrotas importantes em votações no Congresso, por muito pouco os deputados não deixaram expirar o prazo na quinta-feira (1º) para votar a medida provisória destinada a reorganizar a estrutura ministerial proposta pelo presidente, o que resultaria na demissão de 15 dos 37 ministros e na inviabilização de dezenas de programas.

Esse quase colapso administrativo, inédito, é o resultado da combinação de desarticulação política, incapacidade de formar uma base parlamentar suficiente para aprovar projetos e repetidas falhas em lidar com os alertas emitidos por atores do poder, especialmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). De acordo com analistas consultados pela Gazeta do Povo, como os cientistas políticos José Amorim e Ismael Almeida, o sufoco enfrentado pelo experiente Lula pode ser atribuído a sete erros primários cometidos por ele.

1. Lula continua no palanque da campanha eleitoral

Após sair vitorioso da eleição mais disputada da história republicana e de se comprometer a formar governo de frente ampla, buscando apoio de outros setores de uma sociedade fortemente dividida, Lula preferiu continuar com o discurso eleitoral e em tom de revanche.

Ao aprofundar a polarização política e fomentar tensões sociais, incitar conflitos e promover divisões entre diferentes grupos, Lula abandonou a aposta na união e no diálogo construtivo e não ampliou sua base de apoio parlamentar e na população. A expectativa do centro político era receber mais acenos pragmáticos pela pacificação após as urnas, mas o que ocorreu foi a hostilização de setores influentes, como o agronegócio e igrejas evangélicas.

2. Escolha de articuladores à esquerda

Outro erro cometido por Lula que acabou fomentando crises foi a escolha de articuladores políticos ideologicamente mais alinhados à esquerda e que nutrem projetos pessoais que conflitam entre si. Essa opção prejudicou a capacidade do governo de articular alianças e construir uma base sólida de apoio no Congresso, dificultando a aprovação de medidas importantes e causando instabilidade política.

Por mais de uma vez, líderes partidários e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), se queixaram da falta de prestígio com articuladores, excessiva centralização no atendimento de demandas na Casa Civil, comandada por Rui Costa (PT-BA), sinais contraditórios de nomes diferentes e, por fim, a ausência do próprio presidente, terceirizando o diálogo a auxiliares.

3. Agenda estatizante e intervencionista

Sem ter feito a leitura correta sobre o dominante perfil de centro-direita do Congresso, sobretudo na Câmara, no qual sua base fiel não passa de 150 dos 513 deputados, Lula insistiu em levar adiante uma ampla agenda de governo inviável.

Com a revisão de reformas estruturantes já aprovadas, projetos estatizantes e intervencionistas na economia e a prevalência de outros temas de costumes, o presidente produziu uma série de desgastes com o parlamento e desperdiçou oportunidades.

Essa falha foi agravada com o sistemático combate à independência do Banco Central, à privatização da Eletrobrás e ao novo Marco do Saneamento. As polêmicas geraram impasses e levaram os presidentes da Câmara e do Senado, apoiados pelo setor produtivo, a enquadrem o presidente e ditarem o ritmo das pautas consideradas de fato importantes e de interesse do país, como marco fiscal, em tramitação no Senado, e a reforma tributária, que ainda está sendo discutida na Câmara.

4. Terceirização do papel de negociador

O cargo de presidente em um regime presidencialista é o de negociador de uma agenda que propõe à sociedade e ao Congresso. Lula apostou todas as fichas em resgatar símbolos das gestões passadas e promoveu delegação desse papel de negociador a ministros palacianos e líderes no Congresso.

Sem poder necessário e com visões divergentes, negociadores terceirizados ampliaram os desgastes e conflitos internos e externos, questionaram políticas do próprio governo e, por fim, enfraqueceram a governabilidade.

O início do governo no Congresso se mostrou o pior dos últimos 20 anos, com o presidente deixando expirar número sem precedentes de medidas provisórias emitidas no primeiro mês após a posse, levou rivais, amigos e apoiadores de ocasião a questionar onde foi parar a experiência de Lula, que retornou ao poder em circunstâncias especiais que exigiam intenso trabalho pessoal para obter todo o apoio necessário para atingir o sucesso.

5. Prioridade à agenda internacional

Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, um equívoco de Lula que foi se acentuando mês após mês se deu em sua agenda internacional, à qual dedicou prioridade absoluta, relegando temas internos e urgentes ao segundo plano, perdendo prazos e oportunidades.

O resultado disso foi a contaminação do ambiente político diante de alianças polêmicas, ações diplomáticas erráticas e contraditórias, sobretudo no que se refere ao conflito do Leste Europeu e até mesmo inesperado confronto da liderança americana no cenário internacional.

Essa postura gerou tensões diplomáticas, com destaque para a defesa da ditadura venezuelana, afetou a relação com outros países e desviou o foco dos problemas reais. Neste ponto, o uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (BNDES) para socorrer países inadimplentes com o Brasil gerou ruído extra. Até o expressivo respaldo político internacional obtido na agenda ambiental sofreu prejuízos com o debate sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas.

6. Quebra de promessas a parlamentares

Um erro crucial para Lula que levou a uma série de derrotas na Câmara – com desidratação dos ministérios do Meio Ambiente e Povos Indígenas, suspensão de decretos no marco do saneamento e fixação de marco temporal para demarcação de reservas indígenas (estas duas últimas ainda em análise no Senado) – foi travar o repasse de verbas acordadas com líderes partidários e a demora na definição dos cargos de segundo e terceiro escalões.

Esse cumprimento de acordos, sempre relembrado, provocou queixas generalizadas e prejudicaram a relação do governo com os partidos políticos e minaram a confiança dos parlamentares, dificultando a aprovação de projetos e aumentando as tensões políticas.

Ao investir contra o chamado orçamento secreto, Lula acreditou equivocadamente ter mudado a correlação de forças na Câmara e contou só com o carisma pessoal para ampliar popularidade e influência.

7. Inação a impasses do Congresso

Por fim, os analistas apontam que o governo cometeu o erro de demorar para reagir e conter impasses crescentes, como o duelo entre os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em relação à tramitação das Medidas Provisórias.

Além disso, o apoio explícito a rivais do presidente da Câmara, Arthur Lira, como o senador Renan Calheiros (MDB-AL), Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco, ampliou o clima de instabilidade e enfraqueceu a governabilidade, afetando a capacidade de aprovação de medidas importantes no Congresso.

Quando o presidente percebeu o risco das intromissões em disputas paroquiais e de empoderar aliados menos importantes no cenário político, como a ministra Daniela do Waguinho (Turismo), sem ouvir todos os líderes da base, Lula também deu espaço para a oposição mais explícita, representada pelo PL e outros congressistas mais próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se rearticularem e ocuparem espaços importantes, como comissões temáticas e abertura de comissões parlamentares de inquérito.

Esses sete erros contribuíram para colocar o governo à beira de um desmonte ministerial, causando instabilidade política, dificuldades na aprovação de reformas e gerando desgastes nas relações com diferentes setores da sociedade.

Superar esses erros requererá completa revisão da estratégia política, maior diálogo com diferentes setores e postura mais pragmática e centrada na busca por soluções consensuais. O primeiro passo, apontam os analistas, deverá ser uma reforma ministerial. Contudo Lula já indicou, pelo menos publicamente, que não pensa em trocar ministros neste momento.

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