O procurador-geral da República, Augusto Aras, editou na semana passada uma portaria que muda as regras internas do Ministério Público Federal (MPF) sobre a decretação de sigilo em documentos. Na prática, a portaria permite que a alta cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) tenha acesso irrestrito a dados de qualquer investigação em andamento no país – o que até então não ocorria.
A alteração, segundo a PGR, visa “dar mais transparência ao sistema eletrônico interno” da instituição, chamado de Único. Mas a mudança ocorre em meio a uma ofensiva da PGR contra a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba para obtenção de dados de investigações da operação.
O que diz a portaria do procurador-geral
A portaria assinada por Aras acaba com o chamado “controlador” – uma ferramenta do sistema do MPF que possibilitava que somente alguns usuários e pessoas designadas pelo procurador-geral tivessem acesso a determinados documentos juntados no sistema eletrônico em processos judiciais e extrajudiciais do MPF.
A decisão de decretar sigilo ou não, por meio da ferramenta, cabia à pessoa que subia o documento no sistema. Normalmente, isso é feito por um procurador diretamente envolvido na investigação ou por alguém designado por ele. Mas a PGR alega que o "controlador" permitia inclusive esconder informações do procurador natural do caso.
Com a mudança determinada por Aras, poderão ter acesso a peças cadastradas como "confidenciais" o procurador-geral, seu chefe de gabinete, o vice-procurador-geral, a corregedora-geral, os coordenadores das Câmaras de Coordenação e Revisão, os secretários geral, regionais e estaduais.
A portaria do procurador-geral manteve a classificação dos processos e documentos no sistema, respeitando os três níveis de sigilo: normal (no qual há visibilidade ampla e qualquer usuário do sistema pode acessar); reservado (no qual todas as pessoas lotadas no setor em que o tema tramita podem acessá-lo); e confidencial (no qual só podem acessar os dados aqueles que foram expressamente autorizados pelo controlador – grupo ao qual agora faz parte a cúpula da PGR).
PGR poderá acessar documentos de investigações sigilosas em andamento
Procuradores do MPF reclamam da alteração imposta por Aras e argumentam que não há fundamento legal para a PGR e as Câmaras acessarem de forma indiscriminada documentos sigilosos de investigações.
Além disso, os procuradores alegam que a nova regra de acesso a documentos no sistema interno pode prejudicar a negociação de acordos de colaboração premiada (com pessoas físicas investigadas) e de leniência (com empresas). Eles argumentam ainda que a Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013) prevê que todos os documentos e declarações de delações e acordos de leniência devem ser confidenciais.
“Com um clique, PGR e Câmaras poderão ver quem está negociando acordo, quais anexos estão sendo apresentados”, alerta um procurador que pediu para não ser identificado.
A PGR alega que o uso da ferramenta “controlador” permitia que o acesso a documentos e processos classificados como confidenciais fosse vedado até mesmo para as pessoas denominadas “delegantes” – ou seja, autoridades que, por força legal e normativa, devem poder acessar qualquer dado dentro de sua esfera de atribuição, quando houver justificativa legal.
“O formato do sistema Único até então vigente poderia viabilizar a ocultação de todas as informações referentes a um determinado processo, fazendo com que o responsável por ele pesquisasse no sistema e não encontrasse resultado. Em ato anterior, o PGR [procurador-geral da República] já havia determinado o aprimoramento de um mecanismo que possibilitava que usuários não mais lotados em uma unidade ou desligados de forças-tarefa e grupos de trabalho mantivessem acesso integral a procedimentos reservados ou confidenciais”, explicou a Procuradoria-Geral da República.
Segundo a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação (Stic), o sistema manterá os registros de todos os acessos e concessões de visibilidade a expedientes reservados e confidenciais, mesmo quando partirem das mais altas autoridades do MPF. Segundo a PGR, isso garante a segurança jurídica e a necessária preservação do sigilo.
No mesmo ato, Augusto Aras também revogou outro dispositivo que possibilitava que usuários deixassem de cadastrar no sistema oficial documentos e peças que considerassem sensíveis, de acordo com seus critérios pessoais.
O dispositivo constava do parágrafo 12 do artigo 37 de uma portaria editada em 2017, que dizia que “o usuário responsável por expediente que contenha informação restrita ou sigilosa [...] poderá adotar outras medidas de controle que entender necessárias, inclusive no que tange à eventual proteção exclusiva em meio físico ou ao não cadastramento de quaisquer dados relativos ao seu objeto” no sistema eletrônico.
Alteração ocorre em meio a ofensiva por dados de investigações
A portaria foi editada por Aras em meio a uma ofensiva da PGR contra forças-tarefas do MPF, como a da Lava Jato. A PGR quer ter acesso a informações de investigações sigilosas e centralizar em Brasília todas as apurações sobre casos de corrupção em andamento no país.
O caso tornou-se público depois de uma visita a Curitiba, no fim do mês passado, da subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, uma das principais aliadas de Augusto Aras na PGR. Lindôra é coordenadora da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Lava Jato afirma que Lindôra esteve em Curitiba para colher dados sigilosos de investigações da força-tarefa por meio de uma "manobra ilegal". De acordo com reclamação formal da força-tarefa contra Lindôra na Corregedoria do MPF, a cópia das informações foi solicitada pela subprocuradora sem que fossem apresentados documentos ou justificativa.
A PGR alega que a visita de Lindôra estava agendada e os dados das investigações já haviam sido solicitados em maio, por meio de ofício que não foi respondido pela força-tarefa. Segundo a PGR, o compartilhamento de informações de investigações está autorizado por decisões judiciais. A PGR também se manifestou informando que a Lava Jato não é “um órgão autônomo” e distinto do MPF, “mas sim uma frente de investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internos da instituição”.
No dia 9 de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, determinou que as forças-tarefas da Lava Jato no Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo entreguem à PGR todas as informações já colhidas nas investigações.
A decisão foi tomada no recesso do Judiciário e no âmbito de uma ação da PGR que questiona se a Lava Jato tentou investigar os presidentes da Câmara e do Senado, apesar de ambos possuírem prerrogativa de foro privilegiado. Ambos só podem ser investigados com autorização do Supremo. A Lava Jato diz que não os investigou.
Na terça-feira (21), a decisão de Toffoli começou a ser efetivamente cumprida. Uma equipe de técnicos da PGR chegou a Curitiba para começar a coletar os dados da Lava Jato.
Paralelamente à ofensiva pela obtenção de dados, a PGR articula centralizar todas forças-tarefas de combate à corrupção na Unidade Nacional Anticorrupção (Unac), órgão que seria criado e que estaria diretamente subordinado ao procurador-geral da República.
Lava Jato enxerga atuação política em atos da PGR
Na visão dos procuradores da Lava Jato em Curitiba, a ofensiva da PGR contra a força-tarefa faz parte de uma tentativa de enfraquecimento de Sergio Moro, ex-juiz da operação, que deixou em abril o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública do governo do presidente Jair Bolsonaro.
Os procuradores avaliam que Lindôra é a subprocuradora “mais bolsonarista” da PGR e destacam a relação próxima que ela mantém com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.
A Lava Jato também ressalta que recentemente a subprocuradora pediu aos Ministérios Públicos que enviassem dados de investigações de governadores à PGR. Segundo os procuradores, o pedido não é ilegal, mas chamou a atenção o fato de Lindôra ter requisitado informações apenas envolvendo governadores e não outros políticos com prerrogativa de foro.
Lindôra pediu ao STJ para investigar oito governadores por compras emergenciais realizadas no enfrentamento da pandemia ao novo coronavírus. Entre eles estão João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), adversários políticos do presidente.
Em maio, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra o governador Wilson Witzel, cercada de polêmicas. Um dia antes da deflagração, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) disse em uma entrevista que governadores eram investigados pela PF.
"A gente já teve algumas operações da Polícia Federal que estavam ali, na agulha, para sair, mas não saíam. E a gente deve ter, nos próximos meses, o que a gente vai chamar, talvez, de ‘Covidão’ ou de, não sei qual vai ser o nome que eles vão dar, mas já tem alguns governadores sendo investigados pela Polícia Federal”, disse. O STJ investiga se houve vazamento da operação.
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