Lei autoriza o presidente da República a prestar depoimento por escrito apenas na condição de testemunha e não de investigado, como é o caso de Bolsonaro.| Foto: Valdenio Vieira/PR
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O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o presidente Jair Bolsonaro preste depoimento pessoalmente — e não por escrito —, no inquérito que apura a suposta interferência dele na Polícia Federal. A acusação foi feita pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, em abril deste ano, quando pediu demissão.

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O decano do Supremo contrariou parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, que havia sustentado que o presidente da República tem o direito de optar por enviar uma manifestação por escrito, ir pessoalmente à PF ou mesmo ficar em silêncio.

O caso imediatamente repercutiu nas redes sociais. "Respeitosamente, eu queria entender por qual razão o ex-presidente Michel Temer, que chegou a ser, inclusive, indiciado e denunciado, teve a prerrogativa de depor por escrito e Bolsonaro não!?", questionou no Twitter a advogada Janaína Paschoal, que é deputada estadual em São Paulo pelo PSL. O "privilégio" de Temer chegou a ser citado por Aras como precedente no parecer enviado a Celso de Mello.

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Em 2017, o ministro Luis Roberto Barroso, do STF, autorizou o interrogatório de Temer no inquérito dos portos, em que o então presidente da República foi acusado de influenciar na edição de um decreto que beneficiou empresas do Porto de Santos. Na ocasião, Barroso deixou a cargo de Temer escolher a forma como prestaria o depoimento — o emedebista, claro, optou por responder às perguntas da Polícia Federal por escrito.

O artigo 221 do Código de Processo Penal (Lei 3.689/41), em seu primeiro parágrafo, diz que autoridades como o presidente e vice-presidente da República, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, e o próprio presidente do STF podem "optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício."

A lei permite ainda que a autoridade escolha local, dia e hora para depor, de acordo com sua conveniência e de forma acordada com o juízo. Mas, se é assim, por que Celso de Mello decidiu de forma diferente?

O decano do Supremo, que é o relator do inquérito sobre a suposta interferência na PF, sustenta que o disposto no artigo 221 do CPP não se aplica ao caso de Bolsonaro. E por uma razão simples: o chefe do Executivo figura como parte investigada no inquérito. Na interpretação do ministro, a prerrogativa se aplica somente quando a autoridade for chamada a prestar depoimento na condição de vítima ou testemunha, o que não é o caso de Bolsonaro.

Lá em 2017, Temer também figurava como investigado, mas Barroso resolveu abrir uma exceção ao emedebista em respeito ao cargo de presidente da República e autorizou o depoimento por escrito. Decisão semelhante foi adotada pelo ministro Edson Fachin em outro inquérito, aberto a partir da delação dos executivos da JBS, que acusava o presidente de obstrução de Justiça. Temer também respondeu às perguntas do investigadores por escrito.

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Mas o "privilégio" concedido ao então presidente não tem previsão legal. No despacho em que determina o depoimento de Bolsonaro, o ministro Celso de Mello destacou que a possibilidade de depoimento por escrito é uma prerrogativa de presidentes apenas nos casos em que são testemunhas, e não quando são investigados.

"Em suma: não assiste ao Presidente da República, enquanto ostentar a condição formal de suspeito, de investigado, de indiciado ou de réu, o direito à observância, por parte da autoridade competente, da norma consubstanciada no art. 221 e respectivo § 1º do CPP, cuja incidência somente se legitima, não obstante a duvidosa constitucionalidade do 'depoimento por escrito', na única e singular hipótese de o Chefe do Poder Executivo da União figurar como testemunha – e como testemunha apenas", escreveu Celso de Mello, na decisão, assinada em 18 de agosto. O ministro permitiu ainda que a defesa de Sergio Moro acompanhe o depoimento de Bolsonaro e faça perguntas ao investigado.

Bolsonaro demonstra contrariedade com decisão de Celso de Mello

Em junho, em declaração no Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse  acreditar no arquivamento do inquérito e que não via problemas em prestar depoimento pessoalmente.

“Eu acho que esse inquérito que está na mão do senhor (ministro) Celso de Mello (do Supremo Tribunal Federal) vai ser arquivado. A PF vai me ouvir, estão decidindo se vai ser presencial ou por escrito, para mim tanto faz. O cara, por escrito, eu sei que ele tem segurança enorme na resposta porque não vai titubear. Ao vivo pode titubear, mas eu não estou preocupado com isso. Posso conversar presencialmente com a Polícia Federal, sem problema nenhum”, disse o presidente, na ocasião.

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Agora, porém, Bolsonaro ficou contrariado com a decisão de Celso de Mello, segundo o jornal O Estado de São Paulo. O presidente teria enxergado no gesto do ministro uma "provocação", mas foi aconselhado a não reagir para não criar uma crise num momento que, de alguma forma, está sendo considerado politicamente favorável.

Bolsonaro se reuniu na noite de sexta com o advogado-geral da União, José Levi Mello, para debater uma estratégia de ação. O Planalto estuda recorrer da decisão para ganhar tempo e adiar o depoimento. Celso de Mello deixará o STF, em novembro, quando se aposenta compulsoriamente. O ministro já está afastado das atividades diárias por problemas de saúde. Bolsonaro pode ainda optar por não prestar depoimento e permanecer em silêncio.

Entenda a investigação que embasa o pedido de depoimento de Bolsonaro

O depoimento de Bolsonaro é uma das últimas etapas da investigação no STF que investiga se houve influência indevida do Palácio do Planalto na Polícia Federal. O inquérito foi aberto a partir de declarações do ex-ministro Sergio Moro sobre “interferências políticas” do presidente no comando da PF. Moro também figura como investigado.

O ex-juiz foi o primeiro a prestar depoimento no caso, na qual revelou as declarações de Bolsonaro na reunião ministerial do dia 22 de abril. A gravação se tornou peça-chave do caso e foi divulgada publicamente também por ordem do ministro Celso de Mello. Presentes na reunião, os ministros Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, Walter Braga Netto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, prestaram depoimento em maio.

Entre palavrões e ameaças, as imagens da reunião ministerial mostram o presidente afirmando que não vai esperar alguém “foder a minha família toda” e que já havia tentado “trocar gente da segurança no Rio”. A versão do Planalto é que Bolsonaro se referia a sua segurança pessoal enquanto Moro alega que se tratava da Superintendência da PF fluminense, foco de interesse do governo. Após a saída do ministro, de fato, houve uma mudança no comando da Polícia Federal do Rio.

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A saída de Moro do governo ocorreu após Bolsonaro exonerar o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo. O ex-juiz alegou que o presidente buscava emplacar um nome de sua confiança no lugar com objetivo de obter informações sobre investigações da corporação. À PF, Valeixo afirmou que Bolsonaro disse buscar “um nome com mais afinidade comigo”.

O presidente chegou a indicar para a direção-geral da PF o nome de Alexandre Ramagem, que comanda a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas a nomeação foi suspensa pelo Supremo e posteriormente anulada pelo Planalto.

Como será o depoimento de Bolsonaro e o que acontece depois

O ministro Celso de Mello, em seu despacho, não fixou uma data nem local para que Bolsonaro seja ouvido. Se não houver nenhum recurso do Planalto, a Polícia Federal deve marcar a data para a oitiva do presidente. Isso ficará a cargo da delegada federal Christiane Correa Machado, responsável pela investigação no STF.

Segundo o jornal O Estado de São Paulo, a tendência da PF é optar por ouvir o presidente no Palácio do Planalto, como ocorreu no testemunho de ministros do governo no mesmo inquérito. Contudo, há também possibilidade de o depoimento ser tomado por videoconferência.

Após o depoimento de Bolsonaro, caberá à PF indicar se houve ou não crime na conduta do presidente. Em seguida, a PGR decidirá se denuncia Bolsonaro ou se arquiva o caso.

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Caso o procurador-geral Augusto Aras opte pela denúncia, ainda será preciso o aval da Câmara para que o processo seja aberto no STF – são necessários os votos de 242 dos 513 deputados para ser aprovada. Uma vez que Bolsonaro se torne réu, ele é afastado do cargo por seis meses.

Nos bastidores da PF e da PGR, no entanto, a expectativa é de que o caso seja arquivado por falta de provas. Reservadamente, investigadores dizem que é difícil comprovar as alegações feitas por Moro.