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Advogados que atuaram no julgamento desta quinta no STF: maioria é contra a prisão em segunda instância.
Advogados que atuaram no julgamento desta quinta no STF: maioria é contra a prisão em segunda instância.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O ministro Marco Aurélio confia que haverá maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) para proibir a prisão após condenação em segunda instância. A Corte começou um julgamento nesta quinta-feira (17) sobre o tema, que vai ser retomado na próxima quarta-feira (23). Relator das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre o tema, Marco Aurélio diz ter entre seis e sete votos para reverter o atual entendimento da Corte, que permite a execução antecipada da pena de condenados em segundo grau judicial.

Na sessão desta quinta, os ministros ouviram o relatório de Marco Aurélio e as sustentações orais dos advogados. As ADCs são de autoria do PEN (atual Patriota), do PCdoB e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Além dos representantes dos autores das ações, falaram representantes de entidades inscritas como amicus curiae – que não são parte do processo, mas colaboram com a discussão do tema.

Com exceção dos advogados do Patriota, todos defenderam que a prisão não seja autorizada antes do trânsito em julgado de uma sentença criminal condenatória, ou seja, antes que acabem todas as possibilidades de recorrer.

Toffoli iniciou o julgamento defendendo o STF das críticas por ter pautado a prisão em segunda instância e garantiu que a situação de nenhuma pessoa em particular está em debate, numa clara alusão ao caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Trata-se de um julgamento que versa sobre o alcance o princípio da ampla defesa”, defendeu. “Que fique bem claro que esse julgamento não se refere a nenhuma situação particular. Estamos diante de ações abstratas de controle de constitucionalidade”, completou o presidente do STF.

Defesa da liminar

No final do ano passado, Marco Aurélio concedeu uma liminar no âmbito das ADCs que estão sendo julgadas para que todos aqueles que estão presos no país antes do trânsito em julgado fossem libertados. A liminar foi cassada por Toffoli no mesmo dia. Ao ler o seu relatório, nesta quinta, Marco Aurélio comentou o episódio.

“É inconcebível visão autoritária e totalitária no Supremo. Os integrantes sombreiam, apenas tem acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Simplesmente coordena os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição e afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos. Aonde vamos parar”, criticou Marco Aurélio.

O relator também criticou Toffoli por ter adiado o julgamento sobre prisão em segunda instância, que estava previsto para abril deste ano. Mesmo alvo de críticas, Toffoli elogiou o relatório de Marco Aurélio no final da sessão.

Segurança jurídica e combate à corrupção

Os únicos a defenderem a prisão após condenação em segunda instância foram os advogados do Patriota. O partido impetrou uma ADC quando ainda era o PEN, mas no ano passado, enquanto negociava a filiação do presidente Jair Bolsonaro (PSL), aceitou desistir da ação. Como a ADC não pode ser retirada, os advogados passaram a defender uma posição diferente da original.

“Se as coisas mudam, o PEN vem com uma nova roupagem para defender nesse plenário, sem menosprezar de nenhuma maneira o princípio da presunção de inocência. Nós entendemos que devemos respeitar o duplo grau de jurisdição”, disse o advogado Herácles Marcones Goes Silva, do Patriota.

O advogado Marco Pereira de Carvalho, que também representa o Patriota, disse que o que está em jogo é o combate à corrupção no país. Já o advogado Lúcio Adolfo da Silva defendeu que seja garantida a segurança jurídica através da autorização para prisão em segunda instância.

Direito fundamental

O advogado Juliano Breda, que representou a OAB, pediu que o STF garanta o “respeito à consagração de um direito fundamental” que foi previsto “de maneira clara, inequívoca e inquestionável pela Assembleia Constituinte”. Segundo ele, a previsão de prisão após trânsito em julgado dos processos é uma resposta a “décadas de arbitrariedades no processo criminal”, durante a ditadura militar.

O advogado e ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também representa o PCdoB. “Pode-se usar qualquer elemento hermenêutico, mas ele [o trânsito em julgado] está lá. E é essa Constituição que juramos defender”, disse o advogado, ao defender que o trânsito em julgado é necessário antes de prender alguém. Para ele, a presunção da inocência protege a dignidade da pessoa humana e a liberdade.

Sistema prisional

Para Fábio Tofic, que representou o PCdoB, a prisão continua sendo possível, independentemente do resultado do julgamento. “Nós temos a maior população de presos provisórios do mundo”, disse. Para ele, “o que não pode acontecer é ter uma decisão carimbo”, que seja automática.

Cardozo ressaltou que, como ex-ministro da Justiça, pode afirmar que o problema da impunidade não é a prisão após trânsito em julgado. “O principal problema da ilicitude e do sentimento de impunidade está no nosso sistema prisional”, defende. “É entrar lá e sair destruído”, diz o ministro. “Nós queremos ampliar isso?”

Para Cardozo, a prisão preventiva resolve casos que podem acabar em impunidade. “Se as pessoas trazem risco à sociedade, prendamos preventivamente. Mas não coloquemos atrás das grades porque o sistema é moroso”, criticou Cardozo. “Não importa o número, são vidas humanas. São vidas destruídas”, defendeu.

O representante da Defensoria Pública da União, Gabriel Faria Oliveira, e o advogado Antônio de Almeida Castro, o Kakay, que representou o Instituto de Garantias Penais (IGP), reforçaram o argumento de Cardozo sobre a situação do sistema prisional do país. Oliveira e Kakay chamaram as prisões de “masmorras medievais”.

Prisão antecipada atinge os mais pobres

O defensor Rafael Munerati, que representou a Defensoria Pública de São Paulo, argumentou que a prisão em segunda instância atinge os mais pobres. Ele contou uma história real que foi atendida pela Defensoria em São Paulo, de uma mulher condenada por tráfico de drogas.

Segundo o defensor, ela foi presa grávida e teve um filho na cadeia. Quando ganhou direito a recorrer da sentença em liberdade, ela se ressocializou e abriu uma confeitaria. Foi então que ela foi condenada em segunda instância. A Defensoria entrou com recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e perdeu, mas ganhou um recurso no STF, onde a pena foi diminuída e a mulher ganhou o direito a cumprir a pena em regime aberto. Se ela tivesse sido presa em segunda instância, argumenta o advogado, seria presa em um regime que posteriormente foi considerado ilegal pelo STF.

O defensor Pedro Carrié, que representou a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, foi na mesma linha. Carrié defendeu que o Direito Penal e a questão racial estão interligados. “A mensagem daqueles que tendem a relativizar essa garantia fundamental acaba tendo uma dimensão letal na atual política do Rio de Janeiro de segurança pública”, disse. “No beco da favela a condição de culpa se dá na condição racial de negro”, argumentou. “Essa decisão tem destinatário certo”, disse Carrié. Para ele, apenas os mais pobres e os negros vão ser impactados pela decisão.

“É preciso reconhecer que a perda de direitos atinge em primeiro lugar a população pobre, negra e periférica”, disse a advogada da Conectas Direitos Humanos, Silvia Souza. Ela disse que o tema está sendo pautado como se fosse apenas sobre crimes de colarinho branco, quando, na verdade, são as populações pobres que mais serão afetadas.

Papel contramajoritário do Supremo

Vários advogados destacaram o papel contramajoritário do Supremo, ou seja, a obrigação de seguir a Constituição, independentemente do clamor popular. Toffic defendeu que o STF “resista a decidir com base na opinião pública”.

O jurista Lênio Streck, que representou a Associação Brasileira de Direito Criminal (Abracrim), defendeu que a questão só é polêmica porque foi politizada. “Afinal, há um direito, ou não há um direito”, questionou. “A Constituição é um remédio contra maiorias”, disse Streck.

Ele pediu que o STF resista a “lendas urbanas”, como o argumento de que 165 mil presos serão soltos se o STF decidir contra a prisão em segunda instância. Esse número foi divulgado no final do ano passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas já foi corrigido. Segundo o CNJ, apenas cerca de 5 mil presos em todo o país cumprem pena apenas por causa de condenação em segunda instância. Os demais têm prisões preventivas decretadas e não seriam beneficiados por uma revisão no atual entendimento.

“Vossas excelências não devem ouvir a voz das ruas, vossas excelências devem cumprir o que está na Constituição”, disse Hugo Leonardo, representando o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

Próximos passos

O julgamento será retomado na semana que vem. Antes dos ministros lerem seus votos, ainda serão realizadas as sustentações orais de mais dois advogados, do advogado-geral da União e da Procuradoria-Geral da República.

Em seguida, o primeiro a votar é o relator, ministro Marco Aurélio. Os demais ministros vão votar – do mais novo no STF até o mais velho, deixando o presidente por último.

Veja como foi o julgamento:

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