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Gilmar Mendes STF
Ministro Gilmar Mendes, do STF, é uma das cabeças por trás do PL que propõe manter as decisões monocráticas no STF| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Sem alarde e em meio à guerra aberta entre Supremo Tribunal Federal (STF), Senado e Planalto, em razão da aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que acaba com as decisões individuais de ministros, a Câmara dos Deputados deu mais um passo para avançar com um projeto de lei, costurado pelo decano da Corte, Gilmar Mendes, que manteria o poder de integrantes do tribunal de suspender leis de forma individual.

Pouco após o meio-dia desta quinta-feira (23), quando ministros já mandavam recados a parlamentares, por meio da imprensa, de que não aceitariam a PEC, o deputado paulista Alex Manente, da federação partidária formada por Cidadania e PSDB, liberou um parecer favorável à aprovação do Projeto de Lei 3640/2023.

Como mostrou a Gazeta do Povo, esse projeto, concebido por uma comissão de juristas liderada pelo ministro Gilmar Mendes, mantém as decisões monocráticas do STF. Em maio deste ano, o ministro o entregou pessoalmente ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e, em julho, ele foi protocolado e passou a tramitar pelas mãos do deputado federal Marcos Pereira (Republicanos-SP), que é vice-presidente da Casa.

Ao contrário do que propõe a PEC aprovada no Senado, o projeto de lei da Câmara mantém a permissão para que qualquer ministro do STF suspenda, de forma monocrática, uma emenda constitucional, lei, decreto, medida provisória ou medida administrativa do governo.

A proposta apenas faz a ressalva de que isso só poderia ocorrer “em caso de extrema urgência, perigo de lesão grave, excepcional interesse social, ou ainda, em período de recesso”.

A avaliação dessas condições, no entanto, ficaria a cargo do próprio ministro, bastando que justifique a necessidade de uma decisão individual e imediata – é o já ocorre normalmente no STF.

O projeto ainda diz que, nessa liminar, ele deverá basear-se em posição do plenário do STF sobre o tema, e que ela deverá ser submetida para referendo ou rejeição dos demais ministros na primeira sessão de julgamento após sua assinatura. Se por qualquer motivo isso não ocorrer, não há nenhuma consequência – ou seja, a decisão monocrática continua valendo por tempo indefinido.

A PEC aprovada no Senado, por sua vez, proíbe que não só o STF, mas que qualquer tribunal ou juiz profira uma decisão monocrática que suspenda a eficácia de lei ou norma com efeito geral, bem como medidas do presidente da República que interfiram no Legislativo, e ainda atos dos chefes da Câmara e do Senado. Ministros do STF não poderiam, individualmente, suspender projetos de lei ou tomar decisões que afetem políticas públicas – só o plenário da Corte poderia fazer isso.

Relator do PL do Gilmar rejeitou emendas para reduzir ativismo judicial

Em seu parecer, o deputado Alex Manente recomendou a aprovação do projeto de lei mantendo as decisões monocráticas e rejeitou todas as sugestões de mudança (emendas) apresentadas pelo deputado Kim Kataguiri (União-SP) que buscavam reduzir o ativismo judicial.

Uma delas, por exemplo, propôs incluir na lei a finalidade de “mínima intervenção do Poder Judiciário na atividade legislativa e administrativa”, com o objetivo de “pôr freio ao ativismo judicial, consistente na invasão da competência dos outros Poderes pelo Poder Judiciário”.

Manente rejeitou a emenda, sob a justificativa de que ela traria “restrição excessiva à atuação do Poder Judiciário”, violaria a separação de poderes e a “inafastabilidade da jurisdição”.

Kataguiri também queria retirar do projeto a possibilidade de ministros julgarem a constitucionalidade de leis com base em tratados internacionais e a partir de controvérsias “doutrinárias”, isto é, de desacordo entre juristas sobre a validade ou a interpretação de uma lei. O deputado argumentou que isso alargaria demasiadamente o poder dos ministros no julgamento das normas.

Manente também descartou essas sugestões e, para isso, citou, em várias partes do parecer, entendimentos do próprio Gilmar Mendes em decisões do STF e trechos da justificativa apresentada pelos juristas que escreveram o projeto.

Quanto às monocráticas – também objeto de emenda de Kataguiri –, Manente afirmou que decisões cautelares (urgentes e provisórias) devem ser mantidas. “O relator exerce o poder geral de cautela, sendo essa atividade ínsita a toda e qualquer jurisdição, não apenas a constitucional”, escreveu no parecer.

No final, ele elogiou Gilmar Mendes pela proposta. “Cumprimento efusivamente o eminente Ministro Gilmar Mendes e os integrantes da Comissão de Juristas, os quais produziram um trabalho notável, denso e erudito, materializado nesse Projeto de Lei que tenho a honra de relatar”, escreveu Manente.

Em contrapartida, Kataguiri afirmou à Gazeta do Povo que este projeto de lei, na forma como está, "aumenta os poderes do STF, ao chancelar o que eles [ministros] já fazem hoje ao arrepio da lei". No entendimento dele, a Constituição já proíbe decisões de um único ministro da Corte em ações constitucionais fora do período de recesso, "mas o STF descumpre".

A partir da próxima segunda-feira (27) será aberto um prazo de cinco sessões para deputados apresentarem novas emendas ao texto proposto por Manente, que fez alguns ajustes em relação à proposta original.

Depois disso, o projeto de lei poderá ser votado diretamente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em apreciação conclusiva – se aprovado no colegiado, pode ir diretamente para o Senado, onde também precisaria de maioria simples para ser aprovado e virar lei.

Deputados criticam "subterfúgio" para manter poder do STF

A tentativa de contrapor a PEC aprovada pelo Senado nesta semana por meio deste projeto de lei foi criticada por outros deputados de oposição na Câmara, que prometem apresentar novas emendas ao PL do Gilmar Mendes.

O Novo, por exemplo, informou que vai apresentar uma emenda ao parecer apresentado na CCJ da Câmara, a fim de limitar as hipóteses de concessão de medidas cautelares por meio de decisões monocráticas nos casos de suspensão de eficácia de lei e de atos dos Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional – indo ao encontro da PEC das decisões monocráticas aprovada pelos senadores.

O deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS) foi enfático ao afirmar que "a oposição não admitirá qualquer retrocesso nas medidas em curso no Parlamento para conter o avanço do Judiciário nas prerrogativas e competências dos outros Poderes". "Qualquer tentativa do Supremo Tribunal Federal de interferir no processo legislativo para manter seus Poderes hipertrofiados, será imediatamente por nós rechaçada", salientou o parlamentar, que encampa a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar abusos cometidos pelos ministros do STF.

O líder da Oposição na Câmara, deputado Carlos Jordy (PL-RJ), também criticou o PL relatado por Manente, alegando que tal projeto "inova o ordenamento jurídico, contrariando o que está previsto na Constituição", e que "possivelmente será usado pelos ministros como um subterfúgio para tentar manter os superpoderes" dos ministros do STF.

Na avaliação do deputado delegado Palumbo (MDB-SP), nem em caso de extrema urgência se pode ter uma decisão monocrática, que pode impactar na vida da população inteira. "É um absurdo. O Congresso Nacional não pode ficar de cócoras para o Supremo Tribunal Federal, existe a tripartição dos Poderes. Isso é princípio constitucional", disse, criticando também "ameaças" aos congressistas vindas do Supremo.

O deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) avalia que o projeto que tenta "chancelar" as decisões de ministros ainda está em fase inicial de tramitação, mas garante que, "caso avance, a oposição pretende barrar e seguir com a PEC 08".

A PEC aprovada no Senado deve chegar à Câmara na semana que vem e começa a tramitar também na CCJ.

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