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PT busca usar atos ocorridos em Brasília em 8 de janeiro de 2023 para angariar capital político em ano de eleições sob o mote de defesa da democracia
PT busca usar atos ocorridos em Brasília em 8 de janeiro de 2023 para angariar capital político em ano de eleições sob o mote de defesa da democracia| Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O governo Lula está programando um "ato democrático" para a próxima segunda-feira, dia 8 de janeiro, em alusão às manifestações seguidas por ataques depredatórios a prédios públicos realizadas na mesma data no ano passado. Para o evento, que deve contar com autoridades e aliados do governo, está sendo organizado um esquema especial de segurança em Brasília. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam o ato como uma ação simbólica do PT e de aliados com o objetivo de gerar capital político e eleitoral em ano de eleições.

O ato organizado pelo presidente Lula (PT) e aliados se baseia na ideia de que o 8 de janeiro trouxe riscos reais para a democracia brasileira, o que não ocorreu. Mestre em Ciências Políticas, Cristiano Noronha, da Arko Advice, afirma que, como não houve apoio institucional ou jurídico de quaisquer Poderes ao movimento, não considera que o 8 de janeiro tenha sido um risco real à democracia. “Nem o judiciário, nem o legislativo apoiaram os atos. Não se viu nem sombra de apoio institucional”.

Ele explica que tampouco houve apoio das principais lideranças do Congresso ou participação da cúpula das Forças Armadas no movimento. “Então, na minha opinião, aquilo não representou um grave risco à democracia. As instituições se mostraram muito fortes e as pessoas que estavam à frente dessas instituições também”.

O analista político e assessor na Malta Advogados, Luiz Filipe Freitas, acrescenta que, como não houve adesão das instituições ao movimento, uma tentativa de ruptura democrática, como o PT defende que houve, não teria mínimas chances de ser viável. “Na história brasileira, seja a Proclamação da República, seja Vargas, seja 64, em todos esses movimentos houve instituições que compraram essa briga, essa ruptura, o que não aconteceu no 8 de janeiro”.

Capital político e eleitoral incerto

Freitas avalia que o PT usa o episódio em seus cálculos eleitorais, já que o partido é um dos que mais utiliza o marketing político negativo, com o uso de dados e fatos para fragilizar seus adversários. No curto prazo, a estratégia tende a ter poucos efeitos práticos, mas no longo prazo pode ter um efeito estratégico maior.

Segundo apurado pelo site Metrópoles, no entanto, o governo estaria receoso de utilizar a data de forma eleitoreira e de incidir no mesmo erro do ex-presidente Jair Bolsonaro no 7 de setembro do ano passado – o ex-presidente foi proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de utilizar em sua campanha eleitoral as imagens de sua participação nessas manifestações. Freitas discorda que haja paralelismo entre os dois episódios, pois o feriado da Independência é nacional e tem grande apelo histórico e patriótico, o que não ocorre com o 8 de janeiro.

“Apesar de o governo tentar fazer disso uma data importante, ela não tem essa dimensão. Essa estratégia talvez só tenha efeitos práticos em 10 anos, mas no decorrer do tempo isso também pode minimizar bastante”. O analista pondera que as eleições permitem que armas como essa sejam usadas contra adversários e que o PT seguramente irá utilizá-las contra candidatos vinculados a Bolsonaro. Desse modo, 2024 seria um teste para o partido avaliar a eficácia da estratégia.

Noronha também avalia que o PT usa o 8 de janeiro como uma bandeira para desgastar a imagem de Bolsonaro, e que como o tema ainda está sob julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) a exploração política disso tende a continuar por um período mais extenso. “Qualquer pessoa que seja apontada como um candidato apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro o PT vai tentar, obviamente, vincular ao 8 de janeiro, como um ataque à democracia”.

Ato como forma de apaziguar rinhas entre os poderes

O "ato democrático" será realizado na próxima segunda-feira, às 15h, no plenário do Senado, e já estão confirmadas as presenças de Lula e dos presidentes do STF, Luís Roberto Barroso; do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O ministro da Economia, Fernando Haddad, retornará de suas férias para comparecer ao evento.

Ao unir os chefes dos três Poderes, Lula também tenta protagonizar a atenuação de diversas tensões, mais especialmente ocorridas no fim do ano, quando o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe decisões monocráticas do STF, avalia Noronha. “Quando Lula faz esse tipo de movimento, ele tenta aproximar os chefes dos Poderes e se apresenta como a pessoa que está liderando esse apaziguamento”.

Já o doutor em sociologia e consultor político Antônio Flávio Testa avalia que, ainda assim, a participação no ato pode ser um "tiro no pé" para os presidentes do Senado e da Câmara, que precisam de “apoio parlamentar para sobreviverem politicamente”.

Ainda é esperada a presença de governadores e parlamentares apoiadores do governo, de representantes da sociedade civil, ministros e presidentes de Tribunais de Justiça estaduais e de Assembleias Legislativas. Em sua última reunião ministerial de 2023, realizada em 20 de dezembro, ao anunciar a realização do "ato democrático", Lula pediu aos ministros que fizessem uma pausa em suas férias para tomarem parte na cerimônia.

Oportunidade para Cappelli no Ministério da Justiça

Inicialmente a organização do evento coube ao ministro Flávio Dino. Essa será sua ação final à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), já que, conforme anunciado por Lula, ele deixará a pasta no dia 8 de janeiro para assumir a cadeira no Supremo. No entanto, como Dino está de férias, a responsabilidade pelo ato ficou para Ricardo Cappelli, secretário-executivo do MJSP.

A atuação de Cappelli tem sido observada de perto, já que ele é um dos cotados para substituir Dino à frente da pasta. Em 26 de dezembro, o secretário-executivo se reuniu com representantes da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e com os chefes da segurança do Legislativo e Judiciário federais no Centro Integrado de Operações de Brasília (CIOB) para tratar dos detalhes da segurança do evento.

Recentemente, Cappelli divulgou uma série de medidas de segurança que serão tomadas no dia 8 de janeiro. O secretário-executivo também está encarregado de liderar as ações de segurança pública no âmbito do Distrito Federal. Entre elas está o fechamento do perímetro da Praça dos Três Poderes.

A região ainda será monitorada por câmeras de segurança e drones, e serão utilizadas tropas especializadas e linhas de revista. Além disso, as entradas do Distrito Federal serão monitoradas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Mais detalhes do planejamento estão previstos para serem divulgados nesta quinta-feira.

Em complementação às ações anunciados por Cappelli, o GSI da Presidência anunciou que pretende trocar os vidros do térreo do Palácio do Planalto por material blindado. A mudança pode passar dos R$ 8 milhões. O próprio GSI considera a intervenção um reforço sem complexidade, mas eficaz para o aumento da segurança, pois avalia que os vidros comuns facilitaram a invasão ao prédio no ano passado.

Muita segurança, mas sem previsão de manifestações

Apesar da complexa organização de segurança, até o momento não há quaisquer confirmações de manifestações contrárias ao governo Lula marcadas para o dia 8 de janeiro na esplanada dos Ministérios ou em outros locais de Brasília. Aliás, segundo apurado pelo site Metrópoles, as manifestações na capital federal entre janeiro e novembro deste ano diminuíram 63% em relação a 2019, o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.

Naquele ano, foram 363 manifestações, contra 134 do primeiro ano do terceiro mandato de Lula. O número atual chega a ser inferior a 2020, ano de início da pandemia, quando 138 atos dessa natureza foram registrados em Brasília. Os números foram contabilizados por da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Segundo Cappelli, as medidas destinadas para a segurança na data serão voltadas "mais para monitorar eventuais movimentações atípicas relacionadas a atos que atentem contra os poderes". "O Brasil é um país livre e democrático, manifestações são bem-vindas e próprias da democracia", declarou.

Na análise de Antônio Flávio Testa, a tendência é de que não haja nenhum movimento significativo na data e que as medidas configurem desperdício de tempo e dinheiro. “As medidas [de segurança] serão preventivas e, provavelmente, terão caráter simbólico, já que não haverá público”.

Falhas na segurança e rígidas condenações marcaram 8/1 do ano passado

As falhas na segurança foram um dos pontos mais debatidos após o 8 de janeiro de 2022, principalmente pela oposição ao governo, que afirmou ter havido omissão de parte das forças de segurança para conter os atos depredatórios. Há registros de que efetivos da Força Nacional estavam presentes na esplanada e não foram acionados. Ao todo, foram presas 2.151 pessoas suspeitas no dia dos protestos e no dia seguinte, 9 de janeiro, no acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.

Até agora, o STF condenou 30 pessoas pelos atos ocorridos no início do ano passado, com penas que variam de três a 17 anos de prisão. Anderson Torres, que era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal na ocasião dos atos, foi afastado do cargo e teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

Por outro lado, além de não ceder os registros de suas câmeras de segurança contendo imagens daquele dia, sob a alegação de que teriam sido perdidas por falhas no contrato, o Ministério da Justiça, de Flávio Dino, ainda se negou a fornecer informações sobre o 8 de janeiro. Em 2023, o órgão recebeu o prêmio “Cadeado de Ouro” por ser a instância pública que mais negou pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Conforme apontado pelo painel da Controladoria-Geral da União (CGU), 16,6% dos pedidos feitos ao MJSP via LAI foram negados.

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