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Marco temporal
Representantes indígenas já fizeram pressão no passado sobre julgamento do processo que estabelece um marco temporal para a demarcação reservas| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil / Arquivo

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir nesta quarta-feira (7) se retoma ou não o julgamento sobre o marco temporal da demarcação de terras indígenas. Os ministros tomarão a decisão sob pressão. De um lado estão ativistas da causa indígena acampados em Brasília que querem uma decisão do STF contra o marco temporal. Do outro estão parlamentares ruralistas favoráveis ao marco temporal e que defendem que o assunto deve ser decidido pelo Legislativo e não pelo Judiciário.

Em razão do julgamento, a segurança na área central de Brasília será reforçada, em especial na Praça dos Três Poderes, onde fica o STF. O reforço na segurança se deve à previsão de mobilizações envolvendo manifestantes contrários ou favoráveis ao marco temporal.

A Polícia Militar do Distrito Federal informou que “está adotando as providências quanto ao planejamento e emprego de policiamento”. O efetivo empregado não é informado por razões de estratégia e segurança.

A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) organizou um acampamento de mobilização contra o marco temporal nos dias 5, 6 e 7 de junho em Brasília. De acordo com a organização, pelo menos 2 mil indígenas estão em Brasília para participar de plenárias, vigília e atos contra o marco temporal e para acompanhar o julgamento do STF.

O julgamento do marco temporal começou em 2021, mas estava paralisado. Com a perspectiva de que ele pudesse ser retomado no STF, deputados correram para retomar o assunto na Câmara e aprovaram um projeto de lei na semana passada. A esperança deles é que a ação faça o STF desistir do julgamento.

A sessão do STF está marcada para começar às 14h. A ministra Rosa Weber pode a qualquer momento da sessão retirar o marco temporal da pauta. Isso suspenderia o julgamento por tempo indefinido.

Além da pressão dos indígenas do lado de fora, esse julgamento é também uma queda de braço entre o Judiciário e o Legislativo.

Se o julgamento for retomado como prevê a pauta, os ministros do STF devem apresentar seus votos para definir se a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) deve ser adotada como marco temporal para definição da ocupação tradicional da terra por indígenas.

Até o momento, somente os ministros Edson Fachin e Kassio Nunes Marques apresentaram seus votos, um contrário e um a favor do marco temporal, respectivamente.

Julgamento terá repercussão geral nos casos de demarcação de terras indígenas 

O julgamento desta quarta se refere a um recurso em um processo de demarcação de terras em Santa Catarina. Mas, em 2019, o STF determinou que o julgamento desse caso vai criar uma regra geral para julgamentos sobre todas as demarcações de terras no país.

O Recurso Extraordinário em discussão no STF trata da Terra Indígena Ibirama La Klãnõ, habitada por povos Guarani, Guarani Mbya, Guarani Ñandeva, Kaingang e Xokleng, cuja área está entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, no planalto norte de Santa Catarina.

No processo em julgamento no STF, o estado de Santa Catarina requer a reintegração de posse de parte da Reserva Ecológica Estadual do Sassafrás, no município de Itaiópolis. Em 2009, cerca de 100 indígenas invadiram uma parte da reserva, que é de propriedade do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA-SC).

À época, a então Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA) buscou reaver a área por meio de uma ação de reintegração de posse contra a Fundação Nacional do Índio (Funai), que foi julgada procedente. Porém, o órgão indigenista apresentou um recurso em que alega que o acórdão publicado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) “violou o artigo 231 da Constituição”, defendendo que a Carta Magna “adotou a teoria do indigenato e, portanto, a relação estabelecida entre a terra e o índio é originária e independe de título ou reconhecimento formal”.

O estado de Santa Catarina trabalha pela aplicação da tese do marco temporal no caso. Por essa interpretação, os povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estivessem no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal.

Retomada do julgamento foi anunciada após a presidente do STF visitar uma aldeia indígena 

A análise sobre o marco temporal foi suspensa no STF em setembro de 2021 após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Naquele momento, apenas dois votos haviam sido proferidos pelos ministros do STF. Desde então, lideranças ligadas ao agronegócio e aos indígenas têm buscado reforçar suas teses contra e a favor da tese, na expectativa da retomada do julgamento.

Em março de 2023, a ministra Rosa Weber esteve no Amazonas e, em visita à Aldeia Paraná, no Vale do Javari (AM), afirmou que pautaria o processo que discute o marco temporal da demarcação de terras “ainda no primeiro semestre deste ano”. A viagem da ministra foi acompanhada por uma comitiva de magistrados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e teve como objetivo aproximar o Poder Judiciário das populações indígenas.

A confirmação da retomada do julgamento ocorreu no mês de abril, durante a abertura de um fórum sobre demandas dos povos indígenas, organizado pelo CNJ. Na oportunidade, a ministra Rosa Weber disse estar atendendo reivindicação da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. "Nós daremos continuidade ao julgamento do recurso extraordinário relativo ao marco temporal e aqui eu faço o anúncio atendendo à reivindicação da ministra Sonia Guajajara, no dia 7 de junho”, disse a ministra do STF.

Ação na pauta do STF também questiona ampliação de terra indígena em Santa Catarina 

Um dos processos que constam na pauta do STF deste dia 7 de junho é a Ação Cível Originária (ACO) 1100 que trata da ampliação de demarcação da Terra Indígena (TI) Ibirama Laklaño, do povo Xokleng, no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Trata-se de mesma terra indígena que é tema central dos debates sobre o marco temporal.

A referida ação questiona a Portaria nº 1.128/2003 do Ministro da Justiça, acerca da demarcação dos limites da terra indígena e busca a reintegração de posse de área pertencente à antiga Fundação do Meio Ambiente (Fatma), substituída em 2017 pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (Ima).

Bancada do agronegócio no Congresso busca aprovação de PL sobre marco temporal 

O projeto de lei que cria um marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil tramitou de forma acelerada na Câmara dos Deputados nas últimas semanas. Após 16 anos de debate, em duas semanas os deputados conseguiram aprovar a urgência, no dia 24 de maio, e o mérito da proposta, no dia 30 de maio. Agora, no Senado o ritmo deve ser desacelerado novamente, já que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sinalizou que a apreciação seguirá o rito normal, com “cautela” e “prudência”, e a matéria deve passar pelas comissões.

No entanto, senadores já buscam assinaturas para acelerar a votação do projeto de lei do marco temporal. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) iniciou, nesta segunda-feira (5), a coleta de assinaturas para o requerimento de urgência. Até o final da tarde, após a apresentação, o requerimento já contava com 16 assinaturas. São necessárias 27 assinaturas de senadores para que a urgência seja pautada e votada em plenário.

Para FPA, marco temporal garante segurança jurídica o direito de propriedade 

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) defendeu a tese do marco temporal no projeto aprovado na Câmara. Relator do projeto de lei aprovado, o deputado Arthur Maia (União-BA) destacou que o debate no Congresso Nacional é sobre ‘a teoria do indigenato e o fato indígena’. “Aqueles que defendem a teoria do indigenato entendem que todas as terras desse imenso território pertencem aos índios e desconsidera essa sociedade brasileira, que ao longo de séculos se consolidou no povo brasileiro,” disse.

Sobre o julgamento no STF, o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), disse ter conversado com ministros da Suprema Corte e indicado que o Congresso cumpriria com o papel de legislar. “Esse Projeto coloca em lei as 19 condicionantes que o próprio STF criou no caso Raposa Serra do Sol. Nosso recado é que não há necessidade de um julgamento, já que estamos fazendo nossa parte de votar e ratificar o que eles mesmos definiram”, enfatizou o presidente da FPA no dia da aprovação do PL na Câmara, 30 de maio, ao comentar a retomada do julgamento no STF na semana passada.

Presidente da Funai afirma que tese do marco temporal é “controversa” 

A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, afirmou, nesta terça-feira (6), durante evento sobre o marco temporal, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), que a abordagem sobre a tese do marco temporal é controversa. “Essa abordagem é controversa, pois exclui povos indígenas que foram removidos à força de suas terras antes dessa data, comprometendo seus direitos ancestrais e o reconhecimento de sua identidade cultural”, disse.

Para Wapichana, “essa luta não é somente dos povos indígenas, mas de toda a sociedade brasileira, pois vai atingir a vida de seres vivos que dependem de uma proteção territorial, que dependem de uma definição legal de suas terras e, principalmente, para garantir que essa geração e a próxima possam ter dignidade para viver. A nossa preocupação é com a segurança jurídica não só de novas terras a serem demarcadas, mas das que já estão em andamento”.

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