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Deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) comandava a Abin quando suposto plano de espionagem teria ocorrido, segundo a PF e o STF.
Deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) comandava a Abin quando suposto plano de espionagem teria ocorrido, segundo a PF e o STF.| Foto: Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados

A operação "Vigilância Aproximada", da Polícia Federal (PF), investiga suposta espionagem de opositores políticos pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), valendo-se de recursos humanos e tecnológicos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A investida indica aspectos comuns entre a trama a ser confirmada e o emblemático escândalo do Watergate, que, há meio século, culminou na renúncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, do partido Republicano, em agosto de 1974. Mas especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo veem pontos distintos nos dois episódios.

O inquérito sob a condução do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aponta a existência de organização criminosa, apesar de ainda reunir indícios frágeis e utilizar de ações do Judiciário consideradas controversas pela defesa dos investigados, entre eles policiais federais e parlamentares em mandato. O aspecto que mais se distancia do Watergate, contudo, é o fato de Bolsonaro, beneficiário em tese da espionagem, não mais estar no poder e já ter sido tornado inelegível.

O escândalo Watergate, revelado em junho de 1972, e um dos maiores da história política dos EUA, tornou-se sinônimo de corrupção. Iniciou-se com a prisão de cinco homens que tentavam invadir a sede do Partido Democrata para instalar escutas telefônicas. Investigação do jornal The Washington Post, auxiliada por um informante da agência de inteligência FBI, revelou que Nixon estava ciente da espionagem. Evidências da tentativa dele de obstruir a investigação levaram ao risco de impeachment.

A operação “Vigilância Aproximada” foi deflagrada no último dia 25, tendo como principal alvo o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Abin no governo passado, e prosseguiu com diligências no dia 29, desta vez com destaque para Carlos Bolsonaro (Republicanos), vereador do Rio e filho do ex-presidente. As ações, somadas a outras envolvendo aliados de Jair Bolsonaro, foram repudiadas pela oposição no Congresso.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) denunciou a existência do que ele chamou de “PF Paralela” dedicada a perseguir adversários do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A acusação, não provada por ora, é uma resposta à narrativa da existência de uma "Abin Paralela", difundida por setores da imprensa, governo e seus aliados e pelo próprio Judiciário, que, como mencionado, aponta o suposto emprego ilegal de recursos e servidores da Abin durante a gestão anterior.

Uso de aparato estatal é a maior diferença entre os dois episódios

Natália Fingermann, professora de Relações Internacionais do Ibmec-SP, enxerga paralelo óbvio entre o Watergate e a chamada “Abin Paralela”, pois ambos os casos tratam de “sequestro do aparelho do Estado para atender interesses privados”. “Acredito que a principal diferença está no fato de a investigação ocorrer aqui apenas após a saída de Bolsonaro do poder”, disse. Ela não acredita que o governo atual esteja empenhado em incriminar o ex-presidente. Mas o fato de a investigação da Justiça ocorrer somente após a mudança de cenário político pode sugerir que o Brasil tem fragilidade institucional maior do que os EUA, com o presidente de plantão exercendo mais influência sobre instituições menos independentes politicamente.

O cientista político Márcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia, aponta semelhanças e diferenças entre o caso emblemático da política dos EUA com as suspeitas lançadas contra o governo passado do Brasil. “Ambos os episódios convergem no tema espionagem de adversários políticos, mas há divergência relevante acerca da abordagem de cada um acerca do uso de aparato estatal”, destacou. Ele lembrou que o escândalo que tirou o ex-presidente Richard Nixon da Casa Branca empregou grupo de cinco espiões fora do Estado, incluindo até ex-agentes de inteligência, mas nenhum com vínculo direto ou formal com as poderosas agências FBI e CIA.

Na opinião dele, os episódios envolveram dois presidentes em exercício preocupados com a movimentação de rivais, mas as denúncias investigadas no Brasil também vão além da simples luta partidária e do jogo eleitoral, por sugerir espionagem de autoridades, inclusive chefes de outros poderes. “Watergate e "Abin Paralela" são, pois, semelhantes nas motivações, mas diferentes nos alvos e nos métodos”, completou.

Espionagem é regra universal do jogo político, lembra especialista

Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG, também vê pontos convergentes e divergentes nos dois casos, lembrando que o Watergate foi o momento mais dramático no duelo entre os maiores partidos da América, alcançando diretamente a figura do chefe do Executivo dos EUA, a ponto de provocar a renúncia dele do cargo. “Na chamada "Abin Paralela", a questão está por ser investigada e não se sabe ainda quais serão os seus desdobramentos políticos e judiciais”, comparou.

O especialista ressaltou que espionagem e política andam de mãos dadas em todo o mundo e em toda a História, tanto no contexto doméstico quanto internacional, como revelaram neste século vazamentos protagonizados pelo australiano Julian Assange no site WikiLeaks e pelo ex-consultor da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) Edward Snowden envolvendo diversos alvos da inteligência, inclusive aliados. “A prática de espionagem é generalizada, sobretudo entre poderosos”, disse.

Para Gianturco, a questão essencial não está nas atividades de inteligência em si, mas na legalidade delas e no avanço para além da arena partidária, chegando ao cidadão comum. “Política é ameaça, força, traição e troca de favores. Por isso, o ato de espionar adversários faz parte do jogo e jamais acabará. Como a informação é poder, todos espionam a todos para obter vantagens sobre adversários, antever movimentos e agir estrategicamente. Só o que for respaldado por lei e autorização judicial não é espionagem, mas investigação”, resumiu.

Neste ponto, o professor ressalva que a quebra de sigilos pedida pela Justiça também pode se verificar violação de direitos se for motivada pela perseguição partidária. “Ferir a privacidade sem haver suspeita válida, como, por exemplo, em razão apenas de alguém seguir um político nas redes sociais, gera grave insegurança quanto à legitimidade de investigações, o que já provoca desconfiança da população”, completou.

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