Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tomaram ao menos três decisões que beneficiaram diretamente ou facilitaram as atividades de facções criminosas brasileiras. Uma delas libertou um membro do PCC (Primeiro Comando da Capital) que depois se envolveu nos planos da facção para atacar o senador Sérgio Moro (União-PR).
Valter Lima Nascimento, o Guinho, foi solto por Marco Aurélio Mello em 2020 antes de cumprir pena. Em liberdade, ajudou a planejar o sequestro de Moro – ação que acabou não sendo levada a cabo.
Além dele, o Mello já havia libertado no mesmo ano outra liderança do PCC, responsável por tráfico internacional de cocaína, André Oliveira Macedo, o André do Rap, que até hoje está foragido.
O Supremo também foi o responsável por inibir a ação da polícia em favelas do Rio de Janeiro, justificando que os policiais deveriam parar de entrar em áreas controladas pelas facções criminosas por causa da pandemia de Covid. Ações policiais especiais não cessaram totalmente, mas facções como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando aproveitaram para se fortalecer.
STF pode desarquivar outra ação que beneficia facções criminosas
Além desses três casos, o STF ainda pode desarquivar no próximo dia 31 de abril uma ação de interesse direto do PCC ligada a um dos motivos que levaram a facção a tentar atacar Moro: a proibição de visitas íntimas em presídios federais.
Estará em análise um pedido da ONG Anjos da Liberdade para que volte a tramitar uma ação que quer derrubar medidas de segurança adotadas pelo Ministério da Justiça entre 2017 e 2019. Elas tornaram mais rígidas as regras para visitas “íntimas” e “sociais” nas penitenciárias federais.
A ação, que chegou a ser patrocinada pelo PT, argumenta que as restrições violam direitos dos presos – todos de altíssima periculosidade – à convivência familiar.
As regras mais rígidas são defendidas pelas autoridades porque são nesses encontros que os líderes de facções criminosas passam ordens para as companheiras que o visitam. Elas depois repassam as informações para criminosos do bando que estão em liberdade. Na prática, esse é um meio para que os líderes de facção continuarem comandando o crime organizado de dentro da cadeia.
A ação foi arquivada neste mês de março pelo relator, Edson Fachin, por perda de objeto. Isso porque questionava portarias do Ministério da Justiça cujas regras já foram incorporadas à legislação, dentro do chamado pacote anticrime, proposto pelo hoje senador Sergio Moro (União-PR), quando era ministro da Justiça do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Há, no entanto, um recurso para que a ação ganhe sobrevida no STF.
Soltura de Guinho, envolvido em plano de sequestro de Moro
Em outubro de 2020, o ministro Marco Aurélio Mello, hoje aposentado, assinou uma liminar para soltar Valter Lima Nascimento, conhecido como Guinho, membro do PCC que, na época, já havia sido condenado a mais de 20 anos de prisão por tráfico de 400 quilos de cocaína.
O ministro considerou que houve excesso de prazo na prisão preventiva, decretada em 2016. Na época, a defesa do traficante alegou que ele estava “gravemente enfermo” na cadeia, tomando remédios fortes, e precisava da ajuda de terceiros para que a saúde não piorasse. Os advogados alegaram ainda que havia risco de ele contrair a Covid na cela.
A soltura foi derrubada em setembro de 2020 pela Primeira Turma do STF. Foragido, Valter Lima do Nascimento só foi preso em janeiro deste ano no Butantã, zona oeste de São Paulo, após denúncia anônima. Desde então, ele está em um presídio em Presidente Wenceslau (SP).
Guinho, segundo o Ministério Público de São Paulo, é diretamente vinculado ao traficante Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho. Trata-se de um dos maiores fornecedores de drogas para o PCC, e planejou por duas vezes, em 2014 e 2018, resgatar da prisão o chefe máximo do facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.
As investigações da Operação Sequaz, iniciadas em fevereiro deste ano para desmantelar um plano para sequestrar ou matar o senador Sergio Moro (União-PR) identificaram participação de Guinho em conversas para preparar o atentado. O principal objetivo do PCC, no caso, era tornar Moro refém para que servisse como moeda de troca para libertar Marcola.
Soltura de André do Rap, traficante internacional
No dia 6 de outubro de 2020, o ministro Marco Aurélio Mello, já aposentado, concedeu um habeas corpus para soltar o André Oliveira Macedo, o André do Rap. Apontado pelo Ministério Público como um dos mais importantes líderes do PCC no tráfico internacional de drogas, ele já havia sido condenado a 26 anos de prisão em segunda instância, mas estava encarcerado no presídio estadual de Presidente Venceslau (SP) por força de uma prisão preventiva.
Para soltá-lo, o ministro aplicou uma regra do pacote anticrime, inserida por deputados “garantistas”, segundo a qual a prisão preventiva deve ser reavaliada a cada 90 dias. Como esse prazo já havia se passado, o ministro relaxou a prisão, impondo medidas restritivas.
Horas depois da soltura de André do Rap, o ministro Luiz Fux, então presidente do STF, cassou a decisão de Marco Aurélio e determinou o retorno do traficante para o presídio. Era tarde demais: ele já havia fugido do país, provavelmente para o Paraguai, e nunca mais voltou.
Proibição de operações contra facções criminosas em favelas do Rio
Em junho de 2020, sob o argumento de que moradores deveriam permanecer em casa na pandemia de Covid, o ministro Edson Fachin proibiu a realização de operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, a não ser em situações “excepcionais”, que deveriam ser justificadas ao Ministério Público. A liminar acolheu pedido do PSB, de ONGs e de movimentos sociais críticos da atuação da polícia; o objetivo da ação era reduzir a letalidade dos agentes.
Cerca de 6 meses depois, a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou à Corte que a medida criaria uma "zona de proteção para as organizações criminosas de narcotraficantes e de milicianos".
A corporação forneceu números sobre a gravidade do problema no estado: 1.413 favelas dominadas pelo crime organizado, sendo 81 por facções do tráfico de drogas (Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e Amigos Dos Amigos) e 19% por milícias.
A polícia enumerou ainda casos históricos e mais recentes da violência praticada por criminosos contra moradores, com guerras de facções, torturas de informantes, estupros de mulheres e homossexuais. No mesmo mês da proibição, a polícia não pôde periciar o local onde uma criança foi morta baleada na cabeça por um traficante.
A Polícia Civil aproveitou ainda para defender sua posição em uma questão que vem sendo há anos criticada por ativistas: o uso de helicópteros em ações da polícia. Os ativistas dizem que disparos dessas aeronaves colocariam moradores de favela em risco de serem atingidos por balas perdidas. Já a polícia argumenta que o uso do helicóptero impediria que criminosos atirem na polícia do alto de casas e pequenos edifícios, o que aumentaria a segurança dos policiais e facilitaria o avanço deles no terreno.
“Comparada à presença de inúmeras viaturas policiais terrestres, a dissuasão exercida pela aeronave é superior. Além disso, tal equipamento concentra a atenção dos criminosos e, eventualmente, o confronto ocorre em um ponto ou uma área delimitada. O emprego de aeronaves em situação de alto risco faz cessar o confronto horizontal entre criminosos e policiais que estão no solo, diminuindo bastante a possibilidade de danos colaterais. Sem a presença de aeronaves, a experiência demonstra que os confrontos em áreas conflagradas se estendem por horas”, justificou a polícia.
“A presença do helicóptero também diminui de maneira drástica os disparos efetuados a esmo pelos criminosos em confrontos terrestres, uma vez que eles não querem ser localizados pela aeronave, o que reduz substancialmente o número de vítimas em operações com apoio aéreo. Defender a proibição de disparos dos helicópteros, que são realizados para a proteção da aeronave, dos tripulantes, da equipe de terra e dos civis, é tirar da Polícia o direito da autodefesa e da legítima defesa de terceiros. Somente o crime organizado ganharia com essa proibição”, afirmou.
Só em fevereiro de 2022, após debates entre os ministros, o STF esclareceu o alcance das limitações, fixando deveres para as polícias durante as incursões. Foram impostos parâmetros para uso da força letal e instalação de câmeras nas fardas. O veto aos helicópteros caiu e operações vêm acontecendo sob os novos parâmetros.
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